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Tido como o melhor filme de todos os tempos, Cidadão Kane foi injustiçado pelo Oscar. |
O OSCAR NÃO É ARTE, É CINEMA COMO BUSINESS
O senso comum diz basicamente o seguinte: um filme indicado para o Oscar é melhor que um não indicado, enquanto um filme ganhador do Oscar tem qualidade superior ao de qualquer outro filme não ganhador.
Essa hierarquização da produção cinematográfica não passa de uma grande bobagem. E não em razão das imensas injustiças registradas pelo histórico da Academia (contra Charlie Chaplin ou Orson Welles).
A questão é outra. O Oscar é uma festa do cinema como business, e não como arte (...). A Academia deixou de ser um coletivo com votação democrática, em razão da mudança da estrutura do modelo de negócios de Hollywood.
Em nome de uma racionalização dos negócios, os estúdios emagreceram e se tornaram pequenos núcleos capacitados a terceirizar todas as tarefas, do contrato de um ator ao de uma empresa especializada em efeitos especiais, de um operador de câmera ao autor de trilhas sonoras.
...os núcleos operacionais em que se tornaram os estúdios estão sempre diante de um bom leque de opções para fechar pontualmente contratos que permitam fabricar determinado filme.
Mas se o estúdio for ambicioso e quiser ganhar muito dinheiro por meio da premiação de um Oscar, ele vai terceirizar a produção com pequenos grupos e empresas que já têm um Oscar em seu portifólio.
Ou seja, antes mesmo que o filme comece a ser rodado, o produtor ou o estúdio já parte com um estoque de votos para o Oscar, dependendo de quem ele já contratou para a direção de fotografia ou iluminação, para a concepção das roupas, maquiagem ou escrita da música da trilha.
Vamos nos entender bem. O estúdio ou o produtor não compram o voto dos seus prestadores de serviços, no sentido corruptor que o verbo possa ter. Ele os integra a uma instituição coletiva que é a equipe para a produção de determinado filme.
Os integrantes dessa equipe que têm o direito a voto na Academia irão, natural e obviamente, votar neles próprios. Com uma nova indicação ao Oscar ou com um novo Oscar, o prestador de serviços subirá de patamar na remuneração de seu trabalho.
A moral dessa história é simples. Não é verdade que os votos da Academia [9.905 no presente ano] nasceram por critérios individuais, de empatia emocional com os filmes. Eles votam também por critérios empresariais, para valorizar o produto cinematográfico no qual estiveram envolvidos.
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Alfred Hitchcock também esperou uma eternidade (até 1968) para ter seu enorme talento reconhecido |
É claro que (...) não há nenhuma auditoria que indique a razão pela qual o votante "x" optou pelo filme "y" na categoria "z". Ele pode ser um admirador desinteressado e sincero, ou pode ser amigo, marido ou parceiro (terceirizado) da produção do filme pelo qual votou.
É por isso que o filme com o Oscar não é necessariamente melhor que o filme sem o Oscar. O filme com o Oscar é o filme com os votos daqueles que podem estar reagindo por uma motivação empresarial -- e não necessariamente artística.
Só quando o plano empresarial e o plano artístico se juntarem numa reação unificada, aí sim, teremos excelentes filmes merecidamente premiados com o Oscar. (até como uma homenagem ao grande jornalista que foi João Batista Natali, falecido no finzinho do ano passado, preparei esta edição condensada de seu superlativo artigo sobre as ambiguidades que envolvem o Oscar. CL)
4 comentários:
Afinal, Oscar é coisa de estadunidense, ou euanos; quem sabe usans
Com relação a afrikaner:
https://i.guim.co.uk/img/media/0ae994a98a4211c6aca24e2cc595ee078efe32c8/0_0_2400_3000/master/2400.jpg?width=620&dpr=2&s=none&crop=none
do El País: Los conservadores y los bárbaros
https://www.mediafire.com/file/y2iyg60b0epmazb/Los+conservadores+y+los+bárbaros+_+Opinión+_+EL+PAÍS.pdf/file
Boa noite Celso, tudo bom por aí? Aqui é o Hebert. Desde fica aqui os Parabéns pela descrição do esquema, e lucidez no seu Texto. Seguindo uma linha anti "Maria vai com as outras" (e anti "Maria bordão"), fica aqui uma reflexão sobre o bordão do momento: "A vida presta!!". Sim, a ela presta, principamente, quando se dispõe dos melhores recursos para viver plenamente. Mas e quem não têm? Algo que Veio após o comentário (na tv) de uma cidadã idosa, simplória, e desdentada, repetindo em alto e bom som: "A vida presta!!" Algo que lembra o título de uma de suas crônicas: "Feliz ano novo, pra quem?!"
Forte abraço.
Hebert, fui fiel ao que acreditava quando tinha o ofício de crítico de cinema como um dos principais da minha atuação (o outro era o de crítico de música). Minha turma era a do cinema marginal, que contrapunha a criatividade delirante e caóticaao formato "cinemão" prestigiado pela Embrafilme, com aquele baita jeitão de telenovela da Globo.
Coerentemente sempre afirmava que o Oscar era um prêmio da indústria cinematográfica e não da arte cinematográfica. Mantenho até hoje tal ponto de vista, pouco me importando se a Academia acolher esporadicamente um azarão nos seus principais prêmios. Será sempre a exceção que apenas confirma a regra.
E fiquei, confesso, chateado com essa torcida tipo manada por "Ainda estou aqui", porque o que gente de esquerda deveria ter feito era aproveitar o súbito interesse das novas gerações pelos anos de chumbo para difundir informações sobre todo o tipo de crimes hediondos cometidos pela ditadura militar.
Mas não, chegaram ao cúmulo de nem sequer lembrarem que um caso MUITO MAIS GRAVE E CHOCANTE, na mesmíssima linha, foi o assassinato da estilita Zuzu Angel, que a ditadura disfarçou como acidente automobilístico. Ela movia céus e terras para encontrar os restos mortais do filho e denunciar os culpados, e aí foi calada mediante uma infâmia, como se fosse a máfia e não autoridades federais que a estivessem matando.
Era para terem gritado bem alto para as novas gerações o horror de tais crimes, como os bestiais extermínios do Bacuri e do Devanir. Mas preferiram apenas fazer um lobby ridículo para o filme "deles" receber as estatuetas assexuadas. Perderam a oportunidade de fazer algo muito mais importante do que caçar troféus de um prêmio de merda, ajudando a preservar o falso encanto de Hollywood.
Por último: como estou um pouco limitado pelos males de saúde, optei por escolher um texto alheio que passava exatamente o recado que eu queria dar. Vi nisso uma oportunidade também de homenagear o colega João Batista Natali, recentemente falecido.
Portanto, é dele o texto do artigo. Minhas são só a edição e a escolha das fotos.
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