dalton rosado
SEIS MESES DE JAVIER MILEI
"Ao contrário do passado, o ajuste recairá quase inteiramente sobre o Estado e não sobre o setor privado" (Javier Milei)
O presidente argentino Javier Milei pauta seu governo pelo liberalismo clássico, que é a mais antiga das formas iniciais adotadas pelo capitalismo defendido por Adam Smith, anterior mesmo ao republicanismo burguês francês que lhe deu o formato jurídico hoje predominante.
Ele se autodenomina anarcoliberal libertário (?) mas, concreta e politicamente só tem mesmo de novo a aparência de roqueiro laçado pela gravata e adepto de um esoterismo capaz de clonar os cachorros (diz com eles dialogar...) com os espíritos da ascendência destes.
O liberalismo clássico é a forma política estatal obediente às regras funcionais e absolutistas capitalistas que consistem predominantemente na compatibilização das receitas fiscais com os gastos da manutenção das instituições do Estado, e que se restringe somente a esta preocupação nas crises. Seu objeto teleológico básico é dar sustentação institucional e regulamentar à ordem capitalista.
É claro que, mantendo-se neste quadrado administrativo estatal, as finanças públicas tendem a ser superavitárias e a emissão de moeda, restringindo-se à produção de valor válido (advindo da produção de mercadorias e serviços), faz com que a inflação tenda a ficar em patamares suportáveis e a moeda passe a ter alguma credibilidade. É o receituário clássico.
Do jeito que as coisas iam na Argentina, o capitalismo portenho explodiria por conta de que não se pode conviver com a farra de gastos públicos descontrolados dentro da ordem ditatorial capitalista. Dinheiro não aguenta abuso (leia-se desobediência às suas regras comportamentais e contábeis absolutistas).
É neste sentido que, agora, lá se explicita mais claramente a submissão dos governantes à lógica do capital. Mas, os hermanos estão apenas se equilibrando na administração das finanças públicas, tais quais surfistas nas ondas, sem alterarem sua natureza.
Na fase atual do limite interno do capitalismo, na qual foi atingido o auge de suas contradições internas, aquilo que antes era minimamente suportável graças ao crescimento ainda possível de uma forma de relação social baseada na massificação do trabalho abstrato (a qual, embora sobrevivesse da inescrupulosa segregação social dos trabalhadores podia prover minimamente o sustento destes últimos), agora deixou de sê-lo.
O capitalismo tinha etapas a cumprir, fronteiras a serem atingidas, mas, tal como as ditas pirâmides financeiras que se sustentavam ilusoriamente no crescimento contínuo até estagnarem e morrerem por inconsistência da sua própria natureza constitutiva, esta situação era necessariamente transitória. Muitos não o percebiam porque, em alguns países detentores da hegemonia da produção de mercadorias, o sistema da exploração do homem pelo homem podia até dar aos seus operários um relativo poder aquisitivo e assistência social do Estado.
Isso acabou. Hoje até as economias outrora prósperas estão cada vez mais precarizadas e economicamente depressivas (vide a questão previdenciária explosiva na França e Inglaterra).
O processo migratório mundial dos povos do hemisfério Sul para o Norte, resultado da depressão econômica, explicita a desigualdade e desequilíbrio econômicos na globalização e é responsável pelos retrocessos civilizatórios encabeçados pela direita recalcitrante à luz do dia.
Sindicatos protestam contra a carestia no fim de 2023... |
No liberalismo clássico, as finanças públicas se desequilibram menos, mas assim mesmo a dívida pública e os juros aumentam; e nas sociais-democracias, as finanças públicas tendem a se debilitar:
— nas primeiras, o Estado se fortifica, mas seu povo morre desassistido;
— nas segundas, o povo tem suas finanças dragadas pelo flagelo da inflação; e,
— em ambas, campeia o desemprego estrutural, com maior crueldade social nos liberalismos clássicos.
O final desse filme de quinta categoria é a coexistência pendular eleitoral entre projetos políticos que se dissemelham na forma política e se assemelham no conteúdo de exploração do trabalho abstrato e do trabalhador mediante a extração de mais-valia e cobrança de impostos.
Os números da Argentina, ora devastada pelo liberalismo mais radical, o provam indubitavelmente:
— a inflação (uma das piores do mundo) por lá vem perdendo força, mas lentamente;
— após uma queda violenta de desvalorização cambial oficial, chegou-se a um maior equilíbrio da moeda em relação ao dólar estadunidense;
— mas houve superação do déficit primário (gastos em relação às receitas estatais) pela primeira vez desde 2008, num total de 285 bilhões de pesos no primeiro trimestre;
— a bolsa argentina voltou a apresentar alta (de 70%, chegando a 1.659.247,63 pontos);
— os investidores estrangeiros voltaram a olhar a economia argentina com interesse.
A contrapartida foram resultados indesejáveis como estes:
— em março a retração na economia foi de 8,4%, em comparação a fevereiro, marcando o quinto mês consecutivo de queda;
— aumenta o índice de pobreza no país, que de 41,7% apurado pelo IBGE de lá, foi para 57,4%;
— continua imperativo o pagamento dos juros astronômicos (60% a 70% ao ano) da dívida pública (88,4% do PIB), inviabilizando, no país em recessão, a possibilidade de investimentos.
Desse modo, mesmo que Milei esteja debelando de modo tímido mas constante o maior inimigo dos assalariados ao lado da extração de mais-valia e também os impostos (que são o dragão da inflação), podemos afirmar que a economia mercantil privada patina, o seu povo piora e as finanças estatais estão naquela situação de devedor sem crédito obrigado a submeter-se aos juros extorsivos do sistema bancário mundial.
O liberalismo clássico num país da periferia do capitalismo (outrora rico) se resume à aceitação ingenuamente esperançosa de uma tragédia anunciada e politicamente manipulada.
Até quando? (por Dalton Rosado)
6 comentários:
China: The Goal of the New Era is High-Level Socialism
https://www.pekingnology.com/p/3rd-plenum-pulse-what-to-expect-4?utm_source=substack&publication_id=47580&post_id=145985834&utm_medium=email&utm_content=share&utm_campaign=email-share&triggerShare=true&isFreemail=true&r=1le07v&triedRedirect=true
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https://www.economist.com/cdn-cgi/image/width=1424,quality=80,format=auto/content-assets/images/20240622_AMP002.jpg
Boa noite Celso.
Uma dúvida: E quanto a reinvindicação dos Professores
das universidades federais?
Forte abraço do Hebert.
PS: Ontem, 25/06/2024, terça-feira (na Rede Brasil de Televisão),
as 22:00 horas, "Os profissionais", com Burt Lancaster, Lee Marvin,
Claudia Cardinale, Robert Ryan, Jack Palance, Woody Strode.
Hebert, esta pergunta é melhor eu deixar para o David responder.
Ele é professor (doutor em Filosofia) e um dos líderes do movimento. Passou as últimas semanas lá em Brasília, lutando contra o tratamento a pão e água que o Governo Lula está impondo às instituições de ensino federais.
Quanto a OS PROFISSIONAIS, é um filme estadunidense quis copiar a postura simpática à revolução mexicana de vários diretores dos faroestes italianos. Mas, ficou muito aquém dos filmes do Sergio Leone, Sergio Corbucci, Damiano Damiani e Sergio Sollima, principalmente.
Com um baita elenco nas mãos, o diretor Richard Brooks obteve resultado inferior até mesmo ao de dois filmes estadunidenses cuja ação transcorria no México rebelde: : o precursor de todos eles (SETE HOMENS E UM DESTINO, de 1960) e o fundamental MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA, de 1969.
Oi Celso.
"MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA, de 1969", Sam Peckimpah,
é acervo obrigatório, assim como "OS IMPLAVÁVEIS",
esse infelizmente não possuo.
E o que você me diz de "A MORTE NÃO MANDA RECADO"?
Forte Abraço do Hebert.
Muitíssimo obrigado, e um forte abraço do Hebert.
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