sábado, 5 de novembro de 2022

DEMÉTRIO MAGNOLI QUER VER GOLPISTAS PROVANDO CASSETETE DA DEMOCRACIA

O CÁLCULO DO CHANTAGISTA
Intervenção federal – as duas palavras escritas nas faixas desfraldadas por arruaceiros bolsonaristas pretendem significar golpe militar

O projeto do golpe, porém, ficou para trás. A escumalha iludida por seu líder funciona como massa de manobra. Bolsonaro a emprega para outra finalidade.

O ainda ocupante do Palácio do Planalto sonhou com o golpe desde que, no primeiro dia, vestiu a faixa presidencial. A trama golpista foi barrada pela resistência das instituições e, em especial, pela recusa dos altos comandos militares a participarem da aventura tresloucada.

O golpe morreu uma vez em novembro de 2020, quando o então comandante do Exército, Edson Pujol, declarou que sua Força não é instituição de governo nem tem partido. 

Morreu mais uma vez a partir de abril de 2021, quando os novos chefes das três Forças aplicaram discretamente, sem qualquer declaração pública, o princípio expresso pelo demitido Pujol.

Bolsonaro não desistiu, engajando-se na tentativa de ressuscitar os mortos. 

O plano derradeiro era tirar proveito da desastrada tática conciliatória do TSE: ter aceitado a incorporação de representantes militares no processo de fiscalização da integridade das urnas eletrônicas. 

Não funcionou. Os militares designados pelo Ministério da Defesa empenharam-se no esporte da simulação, rejeitando as alternativas de confirmar ou impugnar a lisura do sistema de voto. Então, o golpe morreu pela terceira vez.

A quarta e última morte deu-se na noite de 26 de outubro. Ali, convocados pelo presidente para uma reunião extraordinária, os comandantes militares não aceitaram alinhar-se à chicana desesperada de denúncia do alegado boicote de rádios às inserções eleitorais da campanha bolsonarista.

Bolsonaro sabe que a oportunidade passou. O golpe virou arruaça. Ele e seu círculo golpista mais próximo patrocinaram os bloqueios rodoviários com uma meta distinta: pressionar as instituições a conceder ao presidente e seus filhos uma garantia de impunidade judicial. 

A chantagem baseia-se na ideia de tomar o Brasil como refém e objeto de intercâmbio. No fim, em troca da negociação de uma espécie de anistia prévia, Bolsonaro concederia à nação o retorno à vida normal.

Para evitar um desfecho oposto ao planejado, o chantagista organizou uma operação de duplicidade informacional:
— numa ponta, evoluiu do silêncio à declaração ambígua, de leitura aberta, emitida na 3ª feira (1º), e dela ao apelo direto pelo fim dos bloqueios, emitido no dia seguinte;
— na outra, os gerentes de suas redes sociais insistiram na conclamação ao fechamento das estradas, indicando que a mensagem genuína do líder não sofrera reversão. 

Por essa via tortuosa, Bolsonaro tenta livrar-se da acusação de subversão da ordem democrática e, simultaneamente, conservar o ímpeto do movimento subversivo.

A operação está cravejada de incertezas e riscos. Como impedir que a duplicidade provoque uma cisão definitiva no bolsonarismo, separando a facção mais radicalizada da massa dos seguidores? Como controlar o grau de radicalização, evitando desfechos inesperados capazes de cancelar a negociação institucional? 
O apelo à substituição dos bloqueios por manifestações golpistas pacíficas foi uma tentativa de quadratura do círculo, não uma renúncia à estratégia da chantagem.

O objetivo de Bolsonaro é mostrar força, poder de mobilização, para vergar o sistema de justiça, elevando-se acima da lei. 

Se conseguir colocar as instituições de joelhos, conservará a unidade da direita em torno da sua liderança. Caso contrário, a direita se fragmentará –e só restará ao chantagista uma franja incapaz de conviver com as regras do jogo.

É hora de responder ao golpismo com a musculatura da lei, acompanhada pela necessária repressão. Os extremistas, que sonham com o cassetete da ditadura, precisam conhecer o cassetete da democracia. (por Demétrio Magnoli)

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