quarta-feira, 20 de julho de 2022

FÁBULA SOBRE A MUTAÇÃO DO REINO DO CAPITAL EM REINO DA LIBERDADE – 1

dalton rosado
O PERFUME DA CONSCIÊNCIA 
(lembrando Apollo Natali) 
"
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei"
(Geraldo Vandré) 
Certo dia, no reino da Capitolânia, um aprendiz de alquimista, ao errar a fórmula de uma poção que já conhecia, e como resultado de sua imprudente alquimia, surgiu uma fragrância líquida inesperada e que cedo se transformava em gás docemente perfumado que se expandia pelo ar deixando o seu estado sólido anterior para assumir uma forma gasosa e crescer por um determinado espaço, mas que abrangia toda a região.

Tomado por aquele odor inebriante, o próprio alquimista se surpreendeu com a transformação que estava a ocorrer sobre si mesmo ao aspirar tal odor transformador. É que ele mesmo passara a ter uma visão lúcida da realidade e, instantaneamente, começara a compreender o sentido e razão de todas as relações sociais até então estabelecidas. Assim:
— fatos até então indecifráveis para ele, eram agora entendidos com uma clareza meridiana e precisão matemática; 
 a mentira, logo desmascarada por um nível de percepção impossível de ser alcançado anteriormente; 
 a hipocrisia saltava aos olhos, como se o desajeitado alquimista houvesse ingerido uma substância capaz de incompatibilizá-lo com a falsidade social. 

Aquela região sofria então uma aguda recessão econômica, reflexo da depressão em curso no mundo inteiro. O problema regional, contudo, era  agravado pelo fato de o ter como governante máximo alguém que era:
 despreparado para o exercício do cargo, ungido a tal posição graças a uma atentado meio mandrake que o alçara à condição de vítima, embora havia décadas ele não passasse de um serviçal do baixo clero daqueles políticos conservadores responsáveis pelo aumento da miséria;
 adepto de um conservadorismo tosco e totalitário, a ponto de considerar aptos para governar o reino apenas os seres educados numa disciplina segundo a qual o soldado tem de obedecer a quem manda sem questionamentos (um engessamento que apenas reproduzia o ridículo da estrutura reinante);
 negacionista da utilização dos avanços da ciência no combate a uma epidemia virótica que ceifara a vida de 1 em cada 3.000 habitantes da região;
— tão ignorante que supunha ser possível resolver o problema da inflação que assolava a vida social quebrando o termômetro eletrônico instalado numa urna aferidora de tal nivelamento de preços;
— tão megalomaníaco que acreditava ser um novo messias, fazendo-se batizar nas águas sagradas de um rio da região por um tal de pastor Etevaldo, cuja presunção de santidade ruiria ao ser investigado e preso por corrupção; e
 responsável por tantas outras mazelas havidas ao longo de pouco mais de três anos que ficaria enfadonho enumerá-las todas. 
Pois bem, foi nesta conjuntura que o alquimista percebeu algo surpreendente: a poção inebriante por ele acidentalmente inventada, além de se propagar num crescendo capaz de abranger toda comunidade do reino, tinha o condão de proporcionar justamente o contrário de sua imperícia, provendo as pessoas de um nível de consciência jamais visto. 

Agora, e para todos da região, tudo se tornara facilmente compreensível. 

Os que estavam acordados e aspiravam o ar inebriante eram tomados instantaneamente por tal transformação mental. Mesmo as pessoas que dormiam e a aspiravam durante o sono acordavam como se tivessem saído de um pesadelo e sentindo-se aptas a resolver todos os problemas existentes. 

Logo, logo, aquele aroma agradável e revelador foi apelidado de perfume da consciência: e, como ele era limitadamente autopropulsor, não precisava ser aumentado pelo tal alquimista. 

Os poderosos da região, igualmente atingidos pelo estranho efeito, ficaram temerosos ao se darem conta de que todos haviam compreendido que as suas confortáveis posições sociais, antes tidas como atributos de meritórios e inteligentes empreendedores, eram agora melhor compreendidas. O povo percebeu que tais privilegiados não passavam de instrumentos de uma engrenagem e de uma lógica que os beneficiavam de modo socialmente segregacionista. (por Dalton Rosado  continua neste post)

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