As tensões no leste europeu entre a Rússia e Ucrânia demonstram o quanto a papagaiada em torno da completa estabilidade nas relações internacionais é uma miragem.
Como se não tivessem ocorrido duas mortíferas guerras mundiais na primeira metade do século 20, prossegue o cabo-de-guerra interimperialista entre EUA/Europa e Rússia. Não poderíamos esperar algo diferente, pois é a lógica do capitalismo.
Por trás da disputa estão interesses nacionais de lado a lado, galvanizados pelo controle de regiões agrícolas, minerais e de comércio no leste europeu, que podem enfraquecer ou catapultar as forças econômicas de ambos os lados. No meio da briga, a Ucrânia e seu povo são apenas um detalhe.
Rosa Luxemburgo já observava que a economia imperialista só poderia conduzir à guerra interimperialista. O imperialismo, conforme atestou Lênin, é a forma superior de desenvolvimento capitalista e é assim justamente porque denota o momento de expressão plena, em nível planetário, da lógica de acumulação do capitalismo.
Consideremos o nível local do capitalismo, em sua lógica social do intercâmbio entre pessoas particulares. Essa lógica é a própria sociedade burguesa e tem como coração a propriedade privada dos meios de produção.
Nesta sociedade, cada indivíduo é separado do outro e transformado num ser egoísta, o qual vê as outras pessoas enquanto, ou competidores, ou meios de obtenção de lucro.
Ou seja, o outro aparece ao indivíduo da sociedade capitalista ou como inimigo ou como sujeito a ser explorado, fazendo esta sociedade ser a pura expressão da bellum omnium contra omnes (guerra de todos contra todos), efetuada pelo mercado e regulada pelo poder do Estado.
E se tal lógica for generalizada para além das disputadas dentro de uma sociedade? E se todos os povos passarem a disputar entre si deste modo?
Teremos justamente a lógica do imperialismo. Neste caso, haverá uma disputa a nível global entre estado-nações, umas brigando com as outras, seja para controlar nações mais fracas, seja para abocanhar territórios, seja para enfraquecer seus competidores.
No entanto, enquanto a competição entre indivíduos particulares no mercado possui a regulação de um estado, no caso de nações tal regulação inexiste, pois todos em jogo são igualmente estados e não há o Supraestado mundial, acima de todos.
No fim, é a pura força militar, derivada diretamente da econômica, que decide quem de fato vai sobressair-se e ser dominante. Em alguns casos não haverá clareza de quem domina, ocorrendo então um choque entre as maiores potências, com consequências drásticas. Este choque aconteceu nas duas guerras mundiais e por pouco não se repetiu na guerra fria.
Para atenuar tais conflitos, foram criadas instituições globais de mediação internacional. É o caso da ONU, da OMC, etc.
Entretanto, tais instituições funcionam enquanto as grandes potências conseguem chegar a um denominador comum de suas desavenças, daí o equilíbrio ser sempre frágil.
Contudo, os movimentos dos estados-nações são sempre movimentos de suas respectivas burguesias em prol da acumulação. Competindo internamente, os burgueses se unem para competir externamente e forjam para si e para toda a sociedade a ideia do nacionalismo, ou seja, de que todo o país, todas as classes, são uma nação única em disputa com outras nações. Daí o nacionalismo nos países mais poderosos economicamente ser sempre imperialista.
Nas nações mais frágeis, entretanto, costuma também aparecer uma forma de nacionalismo, de cunho defensivo. É a ideia de que é preciso proteger a nação das ações dos países imperialistas. Nem sempre tal nacionalismo provém das burguesias destes países, pois há locais onde estas são muito frágeis, então o nacionalismo acaba sendo encampado pelas classes médias e mesmo trabalhadoras.
E há burguesias de países mais frágeis que acabam se encontrando no meio de lutas interimperialistas pelo domínio do mercado e dos recursos de seus países.
É o caso hoje da Ucrânia, espremida, como dissemos acima, entre EUA/Europa e Rússia. Mas também já foi o caso da Polônia, do Afeganistão, do Vietnã e de inúmeras outras nações da periferia.
Fato é que tais disputas estão assentadas na lógica capitalista de reprodução, cujo centro é a propriedade privada. Sendo a acumulação capitalista sempre egoísta, prevalece inevitavelmente o princípio de buscar o máximo para si, em detrimento dos demais, e isto vai da dinâmica entre os indivíduos até a relação entre os países.
Por isso, seja imperialista ou defensivo, o nacionalismo jamais é uma alternativa à sociedade capitalista, estando, na verdade, sempre calcado nela. Superar o capitalismo é também superar o nacionalismo, rumo à fraternidade das nações. (por David Emanuel Coelho)
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