terça-feira, 19 de outubro de 2021

MARIA RESSA E SEU PRÊMIO NOBEL DA PAZ EM PLENA GUERRA DA INFORMAÇÃO – 1

O
 Prêmio Nobel da Paz para dois jornalistas pouco conhecidos, a filipina (com dupla nacionalidade, a segunda é a estadunidense) Maria Ressa e o russo Dmitry Muratov tem um significado simbólico amplo para o jornalismo mundial. 

Primeiramente, em termos de gênero. E nisto, o comitê de Oslo acertou em cheio, reconhecendo a importância das mulheres no jornalismo, mesmo que em muitos países elas não tenham o mesmo reconhecimento salarial e profissional dos colegas homens.

A seguir, a intenção foi a de dar relevância à ação de tantos outros jornalistas pouco conhecidos ou mesmo anônimos de outros países. Nem sempre numa esfera nacional, porque há muitos jornalistas empenhados e mesmo perseguidos no âmbito mais restrito de um município, de uma sociedade ou de uma associação. 

Os prêmios a jornalistas são raros; antes, houve apenas dois laureados: em 1907, recebeu o Nobel da Paz o jornalista italiano Ernesto Teodoro Moneta por sua atividade como pacifista, no jornal milanês Il Secolo, no qual defendia uma Itália desenvolvendo o sentimento de fraternidade entre os povos. Para ele, que havia lutado na juventude ao lado de Garibaldi, a Itália deveria possuir apenas uma milícia popular encarregada da defesa do país.

O segundo premiado foi o alemão Carl von Ossietzky, editor e redator-chefe da revista Die Weltbuhne, por ser um militante pacifista. Quando o prêmio foi anunciado, em 1935, Ossietzky já estava preso num campo de concentração nazista (no qual morreu em 1938). O jornalista havia sido detido em 1933, depois do incêndio do Reichstag, e condenado por alta traição, por ter revelado os planos do rearmamento alemão. 

Houve uma tentativa de reabilitação de Ossietzky em janeiro de 1996, mas acabou sendo ignorada pelo chanceler Helmut Köhl e juízes da época. O descaso foi considerado vergonhoso pelo escritor Elie Wiesel (sobrevivente da Shoá, o holocausto de judeus promovido por Hitler), numa publicação no jornal francês Libération.
Em busca de uma síntese, a presidente do comitê norueguês do Nobel da Paz, Berit Reiss-Andersen, enfatizou a importância do “jornalismo livre, independente e factual para proteger contra os abusos do poder, das mentiras e da propaganda de guerra”. 

Os dois premiados, após os cinco membros do colegiado examinarem nada menos do que 329 candidaturas, resumem a liberdade de expressão e de informação.

Maria Ressa, jornalista de 58 anos formada em Princeton, ex-CNN nas Filipinas e Indonésia, vem denunciando na sua plataforma Rappler, criada há nove anos, a repressão violenta aplicada pelo presidente Rodrigo Duterte a pretexto da luta antidrogas. 

Dessa plataforma participam jornalistas investigativos, muitos dos quais estão sendo processados e presos ou alvo de ameaças. Ela mesma responde a sete processos, vivendo em liberdade sob caução depois de impetrar um apelo em justiça, tendo sido condenada a seis anos de prisão por difamação. 

Ressa espera que o prêmio tenha um efeito dissuasivo junto ao governo na política de perseguição à imprensa, mas o governo reagiu negando as acusações e mesmo felicitando Maria Ressa por seu prêmio.

Essa mesma reação foi a do governo russo com relação a Dmitry Muratov, redator-chefe e um dos fundadores do jornal russo Novaia Gazeta: “Felicitamos Dmitry Muratov. Ele tem um trabalho constante em defesa e conservação de seus ideais. Ele é talentoso e corajoso”, disse Dmitry Peskov o porta-voz de Vladimir Putin.

Ora, a Novaia Gazeta é a última voz do jornalismo russo independente, crítico do presidente Putin. Tão logo Muratov soube que tinha sido premiado, compartilhou seu prêmio com todos os colegas assassinados – e o dedicou também ao dissidente preso, Alexei Navalny. 

Desde a criação do jornal em 1993, foram assassinados seis redatores. Dentre eles, Anna Politkovskaia e Natalia Estemirova. “Não se trata de meu mérito pessoal – disse Muratov, de 59 anos – mas de todos quantos foram assassinados defendendo o direito das pessoas à liberdade de expressão.” 

Atualmente, existe na Rússia uma nova vaga de repressão contra a oposição. Duas das últimas longas reportagens do Novaia Gazeta trataram das perseguições aos homossexuais na Tchetchênia e dos Panamá Papers, de cujas investigações o jornal participou. (por Rui Martins)
(continua neste post)

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