domingo, 22 de novembro de 2020

HOMICÍDIOS BESTIAIS COMO ESSE TÊM DE DESPERTAR O MAIS VEEMENTE REPÚDIO, QUALQUER QUE SEJA O PERFIL DA VÍTIMA

elio gaspari
HÁ RACISMO
E TAMBÉM DEMOFOBIA
Só na semana que vem será possível medir o impacto eleitoral do assassinato de João Alberto Silveira Freitas pela milícia formalizada da rede francesa Carrefour em Porto Alegre. 

No dia 9 de novembro de 1988 uma tropa do Exército matou três operários que ocupavam a usina de Volta Redonda. Seis dias depois, para surpresa geral, a petista Luiza Erundina foi eleita para a prefeitura de São Paulo.

Como disse o vice-presidente Hamilton Mourão, João Alberto, o Beto, era uma pessoa de cor.  [Pelos critérios estadunidenses do século 19 e sul-africanos do 20, Mourão é uma pessoa de cor. A escrava de Thomas Jefferson com a qual ele se acasalava era mais branca que o vice-presidente...]

Seu assassinato aconteceu no mesmo dia em que o Carrefour anunciava na França sua disposição de boicotar os produtos brasileiros vindos de áreas desmatadas do cerrado. Beleza, em Paris milita-se na defesa das árvores enquanto em Porto Alegre mata-se gente.

Esse tipo de comportamento é velho e disseminado. Em 2001 a milícia formalizada da rede Carrefour prendeu duas mulheres no Rio de Janeiro e entregou-as à milícia informal de traficantes de Cidade de Deus. Foram espancadas, mas os bandidos não cumpriram a ameaça de queimá-las vivas. 

Quando o caso foi denunciado, o embaixador francês era o professor Alain Rouquié, um conhecido intelectual parisiense. Ele foi ao governador Anthony Garotinho e reclamou do noticiário que prejudicava a imagem internacional do Carrefour.

Segundo o vice-presidente e muita gente boa, no Brasil não existe racismo, existe desigualdade. O que pretende ser uma explicação é um agravo. 

Desigualdade não explica esse tipo de assassinato. Eles são produto da demofobia, onde o racismo tem um papel funcional, pois a cor identifica as pessoas sem direitos. Se Mourão tivesse razão, a coisa funcionaria assim: se você é pobre, ferra-se, se ainda por cima é negro, dana-se. 

Pelo menos um dos três mortos de Volta Redonda era branco. (por Elio Gaspari)
.
TOQUE DO EDITOR Como revolucionário que sou desde os 17 anos e como jornalista desde os 22, sempre detestei o maniqueísmo e as versões panfletárias dos acontecimentos, provenham de que lado provierem, o deles ou o nosso

Por quê? Simples. Porque revolucionários existem para despertar a consciência dos explorados e oprimidos, não para manipulá-los de maneira diferente da manipulação que sofrem da classe dominante, ou seja, fazendo quase a mesma coisa com os sinais trocados. 

Se os explicarmos da maneira correta, na grande maioria desses acontecimentos as mazelas da exploração do homem pelo homem são o motivo último. Então, para que exagerá-los, analisando-os de forma tendenciosa e estereotipada? 
É uma distorção desnecessária e que, ademais, nos sujeita ao risco de sermos desmentidos e perdermos nossa credibilidade.  

Vide o chocante assassinato de João Alberto Silveira Freitas pelos capangas do Carrefour. 

Gaspari acerta em cheio. Percebe-se claramente que as bestas-feras foram tomadas de fúria desmedida por ele ter reagido com um mísero soco, como quem atinge um gigante com uma pedrada de estilingue e recebe de volta uma rajada de metralhadora.

Então, por ele ser negro, ou pobre, ou ambos, aqueles ferrabrases sentiram-se à vontade para descarregarem no Beto todas as suas frustrações de indivíduos medíocres e perdedores das batalhas da vida, relegados a uma função que muitos cidadãos teriam vergonha de desempenhar. 

Agora, ficaremos nessa guerrilha virtual de interpretações polarizadas e mutuamente excludentes, uns vendo racismo demais no episódio e outros fingindo que não houve racismo nenhum.

E o principal acaba sendo escamoteado, embora devêssemos, pelo menos nós da esquerda, proclamá-lo em alto e bom som, ao invés de priorizarmos a capitalização de efemérides:

Nenhum ser humano, seja negro ou branco, homem ou mulher, gay ou hetero, rico ou pobre, esquerdista ou direitista, compatriota ou estrangeiro, merece ser massacrado e exterminado como aquelas imagens dantescas nos mostraram. 

Se perdermos isto de vista, nos igualaremos àqueles que tanto desprezamos. Temos a obrigação de ser melhores do que eles! (por Celso Lungaretti)  

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