quinta-feira, 15 de outubro de 2020

EM 1968/1978, LIDERADOS POR NIEMEYER, COMUNISTAS BRASILEIROS AJUDARAM A ARGÉLIA LIBERTADA A SE RECONSTRUIR

andré rosa
A MISSÃO BRASILEIRA NA ARGÉLIA
A fundação da Universidade de Brasília, em 1962, significou a realização de um sonho. 

Se a construção da nova capital permitiu que o Brasil se reencontrasse consigo mesmo, a UnB possibilitaria uma participação direta da inteligência na superação dos problemas históricos que afligiam nosso país e nosso povo, como queriam seus idealizadores Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Oscar Niemeyer (foto ao lado)

Mas a utopia concreta durou pouco. Veio o golpe militar de 1964 — alunos presos, professores perseguidos, a universidade ocupada por tropas da polícia. Cassados e impedidos do exercício da profissão, muitos deixaram o país em um voo cego rumo ao exílio.

Enquanto isso, do outro lado do mundo, a Argélia se reconstruía depois de 132 anos de colonização francesa — a sua independência só foi proclamada em 1962. O povo argelino vivia tempos diferentes, um tempo em que se sentia a calma das tarefas cumpridas entre os homens que juntos lutaram e que juntos se uniam para construir um país. 

Mas, o que poucos sabem é que, entre 1968 e 1978, os comunistas brasileiros participaram do processo de reconstrução da Argélia, nos campos da educação e da cultura, colaborando com a reforma universitária no país. 

Sob a liderança de Oscar Niemeyer, atuaram nesse projeto os arquitetos Edgar Graeff, Marcos Jaimovich e Oswaldo Cintra de Carvalho, além do biólogo Luiz Hildebrando Pereira da Silva, do físico nuclear Ubirajara Brito, do psiquiatra Euvaldo Mattos e dos educadores Darcy Ribeiro e Heron de Alencar. Juntos, construíram a Universidade de Constantine, depois a Científica de Argel e, ainda, a de Ciências Humanas
A belíssima Universidade de Constantine, um legado de Niemeyer à nação argelina
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O sonho da Universidade de Brasília, tão brutalmente interrompido pela ditadura que havia se instalado contra o Brasil, renascia no exílio, na boca do Deserto do Saara, das mãos daqueles que o governo brasileiro tratou como indesejáveis.

Num artigo publicado na revista Módulo em agosto de 1976, Niemeyer escreveu que as novas universidades argelinas eram modernas e integradas, como Darcy Ribeiro as propunha para o Brasil, e, sob o aspecto arquitetônico, diferentes de todas as outras: mais flexíveis, mais compactas, mais aptas para os sistemas atuais

E a contribuição brasileira foi adiante. Além das universidades, Niemeyer trabalhou também na elaboração do Centro Cívico e do Plano de Argel, que fixou uma hipótese urbanística para o crescimento da capital. 
Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer: após Brasília, a colaboração continuou no além-mar
.
Mas não se tratava apenas de obras importantes, construções de prédios e universidades. Havia o elemento humano, o coletivo, como mais tarde pontuou o arquiteto:
"O principal é que tudo isso servirá a uma filosofia social atualizada, dirigida a todos, sem discriminação, pois o país a eles pertence, sem os privilégios que o capitalismo adotou e instituiu"
Nós, que um dia fomos colonizados, participamos do processo de descolonização de um outro país. A mesma inteligência brasileira que havia sido perseguida na própria nação que ajudou a construir executou, no exílio, o projeto de uma universidade autônoma e atuante no seio da sociedade.

Se um dia uma missão francesa trouxe até nós um de seus maiores filhos, o antropólogo Claude Lévi-Strauss, em nossa missão brasileira nós levamos à Argélia alguns de nossos intelectuais mais brilhantes. 
O que Levy-Strauss fez pelo Brasil nos anos 30, Niemeyer faria em 1968/1978 pela Argélia 
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Não nos esqueçamos de que Luiz Hildebrando Pereira da Silva foi um dos maiores especialistas em malária no mundo, ou que o físico nuclear Ubirajara Brito ocupou o cargo de superintendente de desenvolvimento em ciências básicas do CNPq. 

Ou ainda, Heron de Alencar, que foi professor de literatura brasileira na Universidade de Paris-Sorbone e vice-reitor da Universidade de Brasília, onde fundou o departamento de ensino em literatura no Instituto Central de Artes – sobre o cearense Heron, é sintomático que o seu nome esteja catalogado na Wikipédia em francês, mas não na língua portuguesa.

Num país hoje brutalizado e sem memória, de um presidente que tem como seu maior herói um reles torturador, um assassino vulgar a serviço de uma ditadura, é importante que nomes como esses sejam relembrados como símbolos de um Brasil solidário e comprometido com o humano. Afinal, isso sempre foi o que tivemos de melhor em nós. (André Rosa, escritor, articulista e tradutor, no Le Monde Diplomatique)
A heroica luta dos argelinos contra o colonialismo francês
rendeu esta obra-prima do cinema político (saiba
mais sobre o filme clicando aqui)

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