sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

SAÍDA PELA PORTA DOS FUNDOS: O ESPECIAL DE NATAL PASSOU BATIDO POR ALÁ. MAS, NEM TODO TERRORISMO É ISLÂMICO...

joão pereira coutinho
A DIREITA REACIONÁRIA
É AMEAÇA MAIS SÉRIA À RELIGIÃO DO QUE UM PROGRAMA DE HUMOR
Arrastado pela polêmica, dediquei 50 minutos do meu tempo ao especial de Natal do Porta dos Fundos. Tempo perdido, com pena minha: já vi melhor por aquelas bandas. 

O filme pareceu-me essencialmente preguiçoso: fracas piadas e uma evidente vontade de chocar a plateia mais ortodoxa.

Falo da plateia cristã porque o heroísmo do grupo tem limites: quando Jesus, no seu transe espiritual, encontra as diferentes divindades (Buda, Shiva, etc.), Alá prima pela ausência.

Entendo esse momento de meta-humor, do gênero eu-sei-que-você-sabe-que-eu-sei que brincar com o Islã é o desafio supremo, porém letal. Mas me pareceu —como dizer?— uma saída literalmente pela porta dos fundos.

Acontece que os méritos artísticos empalidecem com as reações furiosas e criminosas de que o grupo foi alvo. 

Espero que a justiça seja implacável com os autores do ataque à sede do programa. Não apenas porque eles representam uma ameaça à liberdade de expressão, que nenhum Estado de Direito pode tolerar; mas também porque representam uma moda crescente (e crescentemente repulsiva) de gente de direita que usa e abusa da religião cristã nas suas guerrilhas políticas.

O Guardian dedicou um editorial ao assunto que eu subscrevo sem esforço: o que parece definir a direita reacionária que floresce nos quatro cantos do globo é a manipulação da religião para cumprir programas iliberais.

O premiê da Hungria é talvez o caso mais gritante: a sua democracia iliberal, de que ele tanto se orgulha, representaria uma liberdade cristã (ainda nas palavras de Viktor Orbán). Como se a mensagem central e universal do cristianismo fosse um grito de guerra pela exclusão dos mais pobres e deserdados deste mundo. 

O mesmo acontece com Matteo Salvini, na Itália, para quem o cristianismo é uma bandeira nacionalista e identitária na luta contra o invasor muçulmano. 

Que o Vaticano tenha condenado as prepotências do sr. Salvini, eis um pormenor que não arrefeceu a sua retórica.

Disse e repito: o programa da direita reacionária é uma ameaça à direita democrática, pluralista e liberal. 

Mas é também uma ameaça à religião cristã —um roubo e uma degradação dos seus valores e princípios— ​bastante mais séria do que um programa de humor.

A primeira tentação da política, desde tempos imemoriais, foi sempre a de tentar reverter o mandamento bíblico de dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus —para transformar César em Deus.

É uma história que nunca teve final feliz. Para nenhuma das partes. (por João Pereira Coutinho, cientista político, cronista e escritor português)

2 comentários:

William Orth disse...

Boa noite Celso. Não entendi muito bem o sentido do texto. Minha opinião é que porta dos fundos é o pior tipo de humor que existe. Mas eles tem o direito de fazer , basta quem não quiser simplesmente ignore. Não assistir é a melhor censura.Diversas pessoas estão desafiando Porchat e seu porta dos fundos a uma idéia interessante :façam um filme de Maomé Gay. Ninguém vai cala-lo, não é esse a frase lacradora? Vou esperar sentado, pois de pé vou cansar.Abraço

celsolungaretti disse...

Orth,

eu não gosto desse calculismo todo na arte. Quem faz algo para, intencionalmente, provocar reações de fanáticos obtusos é mais um estrategista de marketing do que um artista.

Um risco de buscar-se o chamado "sucesso de escândalo" é o de que as reações desses fanáticos obtusos podem atingir inocentes (atentados contra cinemas, teatros e auditórios, p. ex.).

Outro é o de fornecer pretexto para a introdução de censura às artes.

Suponho que foi por isso que o cronista português afirmou que o Porta dos Fundos não teve medo de mostrar um Jesus gay, mas fugiu da raia quanto às figuras de culto do Islã.

Abs. e bom fds!

Celso

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