domingo, 4 de dezembro de 2016

NOSSOS JOVENS MERECEM TER UMA EDUCAÇÃO IGUAL À DE CUBA? ENTÃO, POR QUE OS PROFESSORES NÃO A MINISTRAM?

Participando das jornadas estudantis de 1968, constatei que estava certíssimo o Marcuse: o fervor revolucionário se transferia da classe operária, cada vez mais integrada na engrenagem de produção e consumo, para os outsiders, aqueles que escapavam das garras do capitalismo por nele não conseguirem viver ou não suportarem viver.

Daí a importância que passei a conferir à verdadeira educação: não a formação de mão-de-obra mais categorizada para apertar os parafusos do sistema, mas a de cidadãos capazes de pensar a sociedade e conceberem e/ou apoiarem alternativas ao pesadelo dominante.

Daí a minha enorme irritação ao perceber que entidades do professorado, embora se digam de esquerda, têm uma visão pequena e mesquinha do papel dos educadores, maximizando a importância da remuneração e mandando às favas a excelente oportunidade para estimular nos jovens a formação de uma consciência crítica e solidária. 

Neste domingo (4), o artigo semanal do economista Samuel Pessôa na Folha de S. Paulo, com o expressivo título de Professor brasileiro é contrário ao que deu certo em Cuba na educação, veio bem ao encontro da minha percepção:
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"Um professor em Cuba ganha um pouco menos do que um médico. Os melhores alunos do secundário escolhem ser professores.

O currículo é pouco extenso e é o mesmo para todas as escolas da ilha. 

A formação do professor é centrada em técnicas de transmissão de conhecimento ligadas ao currículo padronizado.

O professor é muito supervisionado pelo Estado, não pode faltar e, se o desempenho dos alunos não for bom, poderá perder a posição.

Há poucas interrupções na aula e na maior parte do tempo os alunos trabalham em grupo sob supervisão do professor resolvendo problemas e questões. Não se perde muito tempo copiando coisas do quadro.

Infelizmente, em geral os sindicatos de professores das redes públicas brasileiras apoiam aumentos de salários, mas são contrários a todas as demais iniciativas que deram certo em Cuba".
O FRACASSO DAS ESCOLAS-PADRÃO

Decepção idêntica tive ao acompanhar bem de perto a experiência das escolas-padrão, já que então trabalhava na Coordenadoria de Imprensa do governo paulista (era um tempo em que ainda se chegava a um cargo desses apenas por competência profissional, sem necessidade de pertencer, filiar-se ou prostrar-se ao partido no poder):
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Greves de professores são frequentes em São Paulo...
"Logo no início, foram convidados cem luminares para fazerem um diagnóstico em profundidade da educação, formulando um programa para sanar as grandes deficiências existentes.

O resultado foi o projeto da escola-padrão, que procurava fazer com que algumas escolas estaduais se tornassem ilhas de excelência, com equipamento adequado, autonomia para gerir seus gastos e incentivos aos professores.

As primeiras seriam os cartões de visita e o teste na prática. Todas as outras as seguiriam, com o passar do tempo.

Deu tudo errado.

Os professores não mostraram o mínimo interesse em participar da gestão dos recursos, no que seriam, digamos, associações de pais e mestres com poderes ampliados e recursos para investir. Isto foi visto por eles, apenas, como mais trabalho.

Também recusaram, indignados, a proposta de terem aumentos salariais desde que fizessem cursos de aprimoramento didático. Queriam receber aumentos salariais sem darem contrapartida nenhuma.

E fizeram uma interminável greve...
...e quase sempre por melhoras salariais.

Nossa redação tinha uns 20 jornalistas, distribuídos entre a manhã/tarde e a tarde/noite. Quase todos simpatizávamos com os professores e os assalariados em geral.

Mesmo assim, era impossível não notarmos que a greve, a partir de certo ponto, foi prolongada unicamente para criar constrangimentos políticos ao governo.

Chegou o momento em que foi colocada a proposta definitiva e última do governador. Mesmo assim, os líderes do magistério mantiveram a paralisação por mais duas ou três semanas, o que não fazia nenhum sentido em termos reivindicatórios. Os motivos eram outros.

Depois recuaram, aceitando integralmente a proposta que haviam rechaçado sem nem mesmo negociarem.

O governador amaldiçoou o dia em que pensou em fazer do ensino a vitrine do seu governo. Adotou outras prioridades e para elas canalizou os recursos que iria utilizar em educação.

Os professores perderam o poder de barganha e, portanto, a chance de obter melhor remuneração. Não se deram conta de que, jogando o jogo com mais sutileza, teriam alcançado patamares salariais bem mais condizentes com sua nobre função.

Os estudantes foram sensivelmente prejudicados, pela não concretização das melhoras e também pelas greves.

Eu mesmo, acreditando no sucesso das escolas-padrão, transferi minha filha para uma delas. No final de um ano praticamente perdido, tive de levá-la de volta, com o rabo entre as pernas, ao colégio de freiras". 

Um comentário:

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Eu me lembro desse seu artigo, Celso. O que podemos dizer? Há momentos em que só podemos esperar. É justo recorrer ao auxílio do tempo, muitas vezes, desde que seja um tempo cheio de atributos reais, tempo vivido, produzido assim como são produzidas as coisas materiais, junto com as coisas materiais, tempo trabalhado e pensado, que se amplia e prevalece depois, em outra época. Acertou demais o escritor bíblico, ao considerar os tempos adequados para cada coisa, até mesmo para fazer e para não fazer. Uma boa coisa é sermos estóicos. Precisamos preservar com muito cuidado a nossa racionalidade, a despeito de todas as pobres tendências e deturpações ao redor, com suas limitações, e com seu desespero, pois mobilizar recursos e pessoas sem um objetivo verdadeiro é sempre um ato de desespero, e me refiro a muita coisa. Um argentino, José Ingenieros, apontou como ninguém o que é a mediocridade, e esta é uma época muito medíocre. Mas a mediocridade, com tudo o que significa, é quebrada a certa altura, naqueles momentos em que os povos e as nações nascem, ou se refazem. Aconteceu muitas vezes no mundo inteiro, e acotecerá de novo, muitas e muitas vezes. É como dizia Monteiro Lobato: a história das revoluções será escrita e reescrita enquanto houver no meio humano a injustiça social.

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