sexta-feira, 22 de julho de 2016

DALTON ROSADO: "AS OLIMPÍADAS, AS GUERRAS E A POLÍTICA".

Isinbayeva pagará pelo doping alheio
"Obrigado a todos por terem enterrado 
o atletismo. Isso é puramente política."
(Yelena Isinbayeva, bi-campeã olímpica do salto 
com vara, após o atletismo de seu país, a Rússia, 
ser banido da Rio 2016 sob acusação de doping)
Os jogos olímpicos nasceram na Grécia antiga, no ano 776 a.C, em Olímpia, como forma de trégua entre as cidades-estados gregas que travavam frequentes guerras. As disputas esportivas tinham um conteúdo religioso e político de pacificação temporária pela via da competição esportiva, apesar de somente poderem participar homens livres, excluindo-se escravos e as mulheres. 

Desta forma é que a chamada paz olímpica permaneceu na memória do mundo ocidental, cuja cultura e tradição decorre da civilização greco-romana, como um lampejo de evolução da racionalidade humana. Nada mais oportuno neste momento de grave ebulição social mundial do que o resgate do sentido olímpico de confraternização esportiva dos povos, hoje tão maculado por interesses econômicos e políticos.     

Na chamada modernidade, os jogos olímpicos foram reativados em 1896 pelo pedagogo e historiador francês Pierre de Frèdy, o Barão de Coubertin (só poderia ser um homem ligado às letras!) com o propósito de resgate do espírito olímpico. Tiveram lugar no estádio ateniense de Panathenaic (construído em mármore no século IV a.C. e especialmente reformado para o evento), entre 6 e 15 de abril, com a participação de apenas 300 atletas, de 10 países: Alemanha, Austrália, Áustria, Dinamarca, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Grécia, Hungria e Suíça.

Apesar do seu conteúdo original pacifista, os jogos olímpicos têm sido afetados pela nociva interferência da economia e da política, pois, devido à sua repercussão, se transformaram num grande espetáculo midiático que transforma o esporte em mercadoria, e como tal, é fato gerador de disputas pouco ou nada esportivas (boicotes, doping, atentados, etc.).
Pôster dos jogos de 1896

Vejamos aspectos dos jogos olímpicos que evidenciam a sua nociva relação com o mundo político-econômico: 
  • em 1906, os jogos olímpicos praticamente deixaram de ocorrer por conta de questões políticas, restringindo-se a competições não oficiais com a participação de poucos países e sem repercussão internacional;
  • em 1916, os jogos olímpicos deveriam ocorrer na cidade alemã de Berlim, mas foram cancelados em razão por causa da 1ª Guerra Mundial;
  • em 1936, os jogos finalmente se realizaram em Berlim, mas os governantes nazistas impuseram um flagrante conteúdo político ao evento, na linha da primazia da raça ariana, além das pompas características do hitlerismo. A suástica, símbolo nazista, apareceu mais do que o símbolo dos jogos olímpicos, e apesar de a Alemanha ter ganhado os jogos olímpicos com folga (33 medalhas de ouro, 26 de prata e 30 de bronze, contra as 24 de ouro, 20 de prata e 12 de bronze do segundo colocado, os EUA), foi um negro estadunidense, o corredor Jesse Owens, o maior nome das olimpíadas, conquistando, sozinho, 4 medalhas de ouro. Muito se disse que Hitler retirara-se do estádio para não ter de cumprimentar solenemente Owens, o grande destaque individual dos jogos, tendo o atleta depois declarado que dele chegou a receber um aceno à distância);
  • em 1940 e 1944, os jogos olímpicos deixaram de se realizar em razão da 2ª Guerra Mundial; 
  • em 1968, nas Olimpíadas da cidade do México, os atletas americanos Tommie Smith (ouro nos 200m) e John Carlos (bronze), membros do movimento de libertação racial Panteras Negras, ergueram o punho esquerdo como símbolo de protesto e baixaram a cabeça quando da execução do hino estadunidense. Foram expulsos dos jogos e retirados do alojamento dos atletas;
  • em 1972, nas Olimpíadas da cidade alemã de Munique, um atentado do grupo terrorista palestino Setembro Negro matou 11 atletas da delegação de Israel. A partir daí, todos os Jogos Olímpicos redobraram os cuidados com a segurança dos participantes e espectadores;
  • Jesse Owens desmoralizou a raça pura
    em 1980, os Estados Unidos, sob a presidência de Jimmy Carter, lideraram um boicote à participação nos jogos olímpicos de Moscou, na Rússia, como protesto pela invasão do Afeganistão. Apesar do esvaziamento causado pela ausência de 69 países, houve um momento inesquecível: o ursinho Misha deixando escorrer uma lágrima de saudade, a partir de uma coreografia humana muito bem executada. Muitos a encararam como uma ironia ao boicote;
  • em 1984, foi a vez de a Rússia dar o troco, recusando-se a participar dos jogos olímpicos de Los Angeles. Seu boicote foi seguido por muitos países do chamado bloco socialista
  • em 1988, durante os jogos olímpicos realizados em Seul, na Coréia do Sul, surgiu o primeiro escândalo de doping, o uso de medicamentos para potencializar artificialmente o desempenho esportivo. Outros sucederiam adiante;
  • em 1996, nos jogos olímpicos de Atlanta, EUA, voltaram os ataques terroristas, desta vez matando duas pessoas e ferindo mais de 100;
  • em 2000, os jogos olímpicos realizados em Sidney, Austrália, tiveram como ponto alto a mensagem de reconciliação entre as Coreias do Sul e do Norte (as delegações desfilaram sob uma mesma bandeira, mas tal gesto depois se revelaria insuficiente para consolidar a reunificação) e da defesa da ecologia. As Olimpíadas tentavam resgatar o seu verdadeiro sentido de paz, fraternidade e racionalidade;
  • em 2004, os jogos voltaram à casa paterna, a Grécia, e, apesar das apreensões causadas pelos atentados recentes (o do WTC em setembro/2001 e o do metrô de Madri em 11 março/2004), transcorreram bem e com um único incidente marcante: o agarrão de um desconhecido que atrapalhou o maratonista brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima, quando este liderava a corrida na sua parte final. Cordeiro se desvencilhou, voltou à prova e entrou no Estádio Panathinaiko triunfalmente em 3º lugar, com um sorriso no rosto e braços abertos, atitude que lhe valeu um ouro moral, com a outorga da Medalha Barão Pierre de Coubertin, uma distinta e única condecoração olímpica;
    Vanderlei vendo a vitória evaporar
  • em 2008, os jogos olímpicos de Pequim mostraram ao mundo a afirmação da China como uma potência esportiva, com suas 51 medalhas de ouro lhe valendo o 1º lugar. A China atrasada dos mandarins havia dado lugar a um país dito comunista, que contrastava miséria social nos subúrbios e rincões distantes com a moderna Pequim e seus estádios monumentais; uma nação cujas práticas capitalistas agressivas já vinham colocando em xeque a supremacia dos conceitos de produção de mercadorias ocidentais e convulsionando o mundo (Mao Tsé-Tung jamais imaginou que a revolução chinesa contra o capitalismo acabasse sendo mais eficaz pela via dos fundamentos capitalistas);
  • em 2012, pela terceira vez na chamada era moderna, os jogos olímpicos se realizaram na capital inglesa, Londres (antes em 1908 e 1948), numa demonstração de como o poder político influencia as decisões do Comitê Olímpico Internacional. As Olimpíadas de Londres consolidaram a China como potência esportiva, pois terminou em 2º lugar, com 33 medalhas de ouro, 27 de prata e 23 de bronze, atrás apenas dos EUA, que conquistaram 46 de ouro, 29 de prata e 29 de bronze. 
UM CAVALO DE TROIA 
OCULTANDO HOSTES INIMIGAS?

Como se vê, as Olimpíadas passaram a ter uma importância geopolítica mundial, e sua mensagem original de paz e fraternidade foi sendo maculada pela política ignóbil e pela ganância exacerbada.

Chegamos, assim, à Rio-2016, em meio a um mundo conturbado pela mais grave crise econômica que já acometeu o capitalismo em seu itinerário de sangue e miséria, em chocante contraste com as conquistas científicas extraordinárias no campo do saber. 
O fantasma do terrorismo islâmico ronda a Rio-2016

Como a grande maioria dos países do mundo, o Brasil se vê às voltas com a recessão econômica, déficit orçamentário, crescimento da dívida pública, inflação alta e taxa de desemprego altíssima. Para piorar, temos um dos mais elevados índices de violência urbana do mundo, o que parece até haver atraído a atenção dos fundamentalistas islâmicos, suspeitos de pretenderem barbarizar a Olimpíada – logo aqui, país que sempre foi tido como um oásis de tolerância racial e religiosa, além de poder orgulhar-se da mais bela miscigenação racial do planeta.
Os jogos olímpicos do Brasil, como os demais da era moderna, infelizmente têm expressão e primazia político-econômica colocadas muito acima do seu conteúdo esportivo, o qual hoje mais parece um cavalo de Troia que oculta hostes inimigas.
Por Dalton Rosado

A violência política do mundo mercantil é onipresente no merchandising das Olimpíadas, matando o sentido esportivo, pacifista e heroico de sua existência. 

Será que o lema O importante é competir ainda vale? 

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