sábado, 6 de junho de 2015

"A BANCADA DA BALA PREVALECE, A BANCADA DA CIDADANIA SUCUMBE"

São de extrema relevância as questões levantadas por Luís Francisco Carvalho Filho, ex-presidente da  
Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos 
Políticos, no artigo Plantação de provas,
 que reproduzo na íntegra e recomendo a 
todos os leitores deste blogue:
O Brasil é obcecado pela severidade penal, mas é brando quando cuida das polícias.

A sucursal da Folha no Rio noticiou a condenação de dois oficiais da PM por forjarem um flagrante contra adolescente, durante repressão a protesto em outubro de 2013.

Sabidamente inocente, o rapaz foi algemado (não havia esboçado nem um gesto de resistência) e "conduzido" até uma delegacia. A PM plantou morteiros em seu poder, simulando uma periculosidade irreal, e ignorou sua menoridade, expondo-o à suspeita e ao vexame.

A vítima do singelo arbítrio, tão comum, teve sorte porque a fraude foi percebida por testemunhas e filmada. O vídeo divulgado por O Globo subsidiou a sentença da Auditoria Militar do Rio de Janeiro e mostra, passo a passo, a construção do grotesco abuso de poder.

O policial (seu dever é a proteção das pessoas) que subtrai a liberdade de alguém indevidamente, ainda mais falsificando dolosamente evidências de um suposto crime, pratica ato mais grave e mais danoso do que o roubo de R$ 100, sem violência, que aqui pode ser punido com cinco anos e quatro meses de reclusão em regime fechado.

A condenação aos oficiais pelo delito de constrangimento ilegal, definido no Código Penal Militar, é pequenininha: um mês e seis dias de detenção, com sursis (suspensão condicional da pena), já que, de fato, o encarceramento não contribuiria para a "ressocialização" dos réus, que permanecem na ativa, prontos para, de novo, "arrepiar".

Plantar provas é corriqueiro. Armas aparecem do nada para simular tiroteios. Drogas aparecem do nada para a extorsão de transeuntes. Testemunhas aparecem do nada para criação de álibis ou falsos desacatos. O que surpreende é a desproporção entre delito e pena.

Somos duros com muitos, indulgentes com outros.

Incompreensível, também, que a função policial (exercida por agentes treinados como militares) permaneça submetida à jurisdição e às leis militares, que consideram mais grave a homossexualidade no quartel do que inventar flagrante nas ruas. República de bananas.

A PM age nas cidades e os abusos são praticados contra civis: por isso, assim como os delegados de polícia, deveria estar submetida à Justiça comum. 

A única exceção, estabelecida pela lei 9.290/96, proposta por Hélio Bicudo, marco institucional contra a impunidade, é o homicídio praticado pelo soldado, que passou a ser julgado pelo tribunal do júri -em tese mais isento e menos suscetível à visão e aos interesses corporativos.

Mas não se iludam. Se os mesmos oficiais fossem julgados pela Justiça comum, a pena também seria irrisória. A lei 4.898/65, entulho deixado pela ditadura militar, permite que abusos de autoridade sejam reprimidos com multa.

Por que o Congresso Nacional se omite em relação às violações cotidianas das nossas polícias?

A bancada da bala prevalece, a bancada da cidadania sucumbe. Não temos estatuto legal capaz de disciplinar a ação repressiva, prevenir excessos e condenar com rigor os abusos cometidos.

A suavidade penal em matéria de proteção das garantias constitucionais é a senha para o desmando.

Afeta a paz pública, gera insegurança. É uma ameaça concreta e permanente a todos nós. (Luís Francisco Carvalho Filho)

6 comentários:

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Pois a CULPA, aí, É INTEIRINHA NOSSA, DA ESQUERDA!

Entre 2013 e 2014, apareceu a prerrogativa da PEC 51, idealizada por alguém tão relevante e forte na vida nacional quanto um Luís Eduardo Soares. A PEC 51 era para dar o primeiro passo, sem o qual nada se fará contra o atual estado de coisas no que toca às polícias: a desmilitaração das polícias militares (extinção das PMs), com a transformação do policial num servidor público de verdade, com sindicato, direitos civis e políticos comuns, portanto longe da justiça militar, e mediante uma verdadeira academia de polícia, nacional, brasileira, com cinco anos de duração, para formar policiais profissionais, bem preparados. E isso como uma decorrência de tudo o que se passou em 2013! E o que fez a esquerda? Nada, absolutamente nada!

Os partidos de esquerda, sem exceçao, e as centrais sindicais, também sem exceção, acovardaram-se, e ignoraram a PEC 51. Por um lado, você tinha essas linhas políticas tipo PSOL, ou PSTU, que fingiram não ver a PEC 51 porque foi apresentada no Senado por um cara do PT, e eles não quiseram dar cartaz a alguém do PT, como se isto tivesse alguma importância considerando-se um assunto tão grave e tão urgente. Por outro lado, havia o próprio PT, aquela desgraça chamada PCdoB e tudo o que há ao redor, endireitados, sem moral e sem política o suficiente para levar adiante lutas democráticas tão necessárias e tão amplas, de alta qualidade, como poderia e deveria ter sido a mobilização pela PEC 51. Quanto a uma parte da "esquerda social", epíteto vago que não nomeia nada, a despolitização é tão grande, mas tão grande, que muita gente a quem conheço caiu na burrice inacreditável de classificar a PEC 51 como "manobra reformista", sem saber do que se tratava e sem fazer ideia do que seria "reformismo". Quem encampou a PEC foram organizações pequenas como os Advogados Atividades, as Mães de Maio, grupos mais ou menos clandestinos de soldados, parte da OAB e parte da Polícia Federal -- existe ali uma agremiação pequena chamada Associação de Delegados de Polícia para a Democracia --, e todos nós que a divulgávamos e a explicávamos onde podíamos fazê-lo. Mas é óbvio que a a responsabilidade sobre o desenvolvimento da PEC cabia aos partidos políticos de esquerda em particular, a todos eles por igual.

A PEC 51, àquela altura, servia para oferecer, mais que um resultado de tipo superestrutural (como faz falta conhecer o marxismo!), uma continuidade à luta democrática, porque 2013 foi um episódio muito forte e muito confuso da luta democrática nacional, e um acúmulo de forças do lado de cá. E a coisa não aconteceu, porque a esquerda de uma maneira geral não quis que acontecesse. É a tal da "vontade política", que a turma só tem quando convém.

celsolungaretti disse...

Eduardo, por aqui sempre defendi a desmilitarização do policiamento, inclusive enfatizando que se trata de um entulho autoritário, pois foi a famigerada ditadura militar que forçou a absorção da civilizada Guarda Civil pela truculenta Força Pública.

Mas, a esquerda organizada atual é de uma chocante indiferença em relação aos direitos humanos. Parece ter esquecido que, da última vez, teve de correr atrás de arcebispos e de juristas liberais para tentarem salvar os presos políticos que estavam sendo massacrados nos cárceres.

Uma parte dessa obtusidade se deve ao fascínio por tiranos bestiais. Como essa esquerda tosca defendia alguns deles, ficava sem moral para lutar contra a violência policial por aqui.

Ultimamente, contudo, alguns saíram de cena. Não seria a hora de reatarem-se os laços com a civilização?

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Em minha opinião, o caso da esquerda em relação a coisas tão concretas como a existência de uma Polícia Militar relaciona-se em maior medida à retomada da luta democrática de longo alcance e de grande fôlego aqui em nosso país, isto é, em relação à derrota de 64 e à necessidade de superação da Ditadura brasileira, aquela de 64 a 85, e de 64 até hoje num certo sentido. Se formos nos debruçar sobre as referências de esquerda, veremos que há gente oriunda do mal-chamado stalinismo (mal-chamado, segundo compreendo, porque os problemas políticos da URSS começam muito antes do "Stálin histórico", vamos dizer assim), do trotskismo, da social-democracia de esquerda, etc. Há gente apoiando o regime sírio, de um modo equivocado para mim, como há gente que apoiou a intervenção estrangeira na Líbia, de um modo ainda mais euivocado segundo posso compreender. Mas, se somos coerentes e firmes em relação aos rumos da vida brasileira, defenderemos com unhas e dentes a implementação de uma PEC 51 quando alguma coisa desse tipo surgir.

O que faz a atual esquerda silenciar sobre um tema tão urgente como o da desmilitarização da Polícia, para agora e não para daqui 40 anos, não é o fato de a esquerda se dizer stanilista, trotskista, pró-Kadafi ou qualquer coisa desse gênero. O que faz a esquerda silenciar, num caso desses, são as conveniências aqui e os rabos presos acolá. O partido A não quer dar prestígio ao partido B, enquanto o partido C, acostumado a acender uma vela para deus e outra para o Diabo, já não tem condições de implementar a luta democráticar tal como deveria ser.

Diante da real e objetiva PEC 51, silenciaram todos, e não me refiro a você, ou a alguém individualmente, mas aos partidos políticos do campo de esquerda. Silenciaram todos, sem tirar ninguém: os stanilistas, os trotskistas, os pró-Assad, os contrários a Assada, a social-democracia de esquerda, os "verdes", todos, todos eles.

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Eu fui me referir aos Advogados Ativistas, no meu primeiro comentário, mas escrevi errado, "Advogados Atividades". Eu estava me referindo a uma organização de advogados que sempre iam na linha de frente nas mobilizações de 2013-2014. Uma vez, vi um deles ter o celular roubado por PMs, ali, na frente de todo mundo, mas sem perder nem a linha, nem a valentia, ali diante do Choque, enquanto os militantes do PSOL, do PSTU e da LER-QI fugiam do confronto, de bandeira vermelha em punho, deixando para trás aqueles que queriam lutar até o fim, resistindo ao Choque na rua Xavier de Toledo. Isso foi em Fevereiro de 2014, contra a realização da Copa, naquele dia em que a PM usou pela primeira vez o chamado Caldeirão de Hamburgo. Dou muito valor aos Advogados Ativistas, porque sei que eles são verdadeiros: defendem uma linha social e política em relação à democracia, às liberdades democráticas, e vão defendê-la até fim como deve ser, ombro a ombro e punho e punho naquele momento em que devemos nos comportar como lutadores de verdade. Quanto às outras organizações, a que me referi, sei que fugirão da briga quando o negócio ficar feio, com a tristíssima desculpa da "desfavorável correlação de forças".

WILLIAM ORTH disse...

Caro Celso, como sempre você esquece de dizer e como todos os que criticam a polícia que o Brasil é o país no mundo que MAIS MORREM POLICIAIS. Citem o números de policiais mortos na Europa inteira em 1 ano.Com certeza ninguém fala. Só no estado de São Paulo a cada 4 dias um policial é assassinado. Quanto a desmilitarizar a PM, ( sou policial Civil portanto na teoria seria a favor) a própria folha de São Paulo no caderno de entrevistas, mostrou ontem que no mundo inteiro as policias estão cada vez mais se "militarizando". Se para bem ou o mal esta é a tendência. Na década de 90 onde altos índices de criminalidade em Boston e New York caíram com forte aparato policial. Tanques, roupas especiais etc. Outro detalhe sem a polícia Militar na rua entraríamos em guerra civil, lembrem-se da greve da PM em Salvador. O número de homicídios e saques foi multiplicado ´por 10.Não venham com conversa de especialista de teoria. Abraços.

celsolungaretti disse...

William,

estou um tanto atarefado neste momento, mas creio que este post de exatos três anos atrás diz tudo que há para ser dito sobre tal questão:

"O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas recomendou (...) a extinção das polícias militares brasileiras, em função de seu altíssimo índice de letalidade e de parte expressiva de tais óbitos se dever a 'execuções extrajudiciais'.

"A ONU analisou 11 mil casos de alegadas resistências seguidas de morte, constatando que é frequente não haver resistência nenhuma e as autoridades brasileiras acobertarem os homicídios desnecessários e covardes perpetrados pela PMs.

Neste sentido, a Alemanha e a Namíbia reforçaram a recomendação ao Brasil de que coíba tais chacinas.

Segundo a agência espanhola Efe, a recomendação em favor da supressão da PM proveio da Dinamarca, que pede a abolição do 'sistema separado de Polícia Militar [ou seja, a desnecessária existência de uma polícia militarizada dividindo funções no policiamento das cidades com a polícia civil], aplicando medidas mais eficazes (...) para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais'.

Já a Coreia do Sul deu nome aos bois: 'esquadrões da morte' (aqueles bandos de policiais exterminadores que durante a ditadura militar trombeteavam seus feitos e agora atuam com discrição, mas continuam existindo, sim, senhor!).

A Espanha, por sua vez, solicitou a 'revisão dos programas de formação em direitos humanos para as forças de segurança, insistindo no uso da força de acordo com os critérios de necessidade e de proporcionalidade, e pondo fim às execuções extrajudiciais'.

A BBC Brasil, justificadamente, elegeu a PM paulista como aquela na qual a carapuça da ONU encaixa melhor: segundo um levantamento que efetuou, 'a PM matou seis vezes mais pessoas durante ações de combate ao crime do que seus pares da Polícia Civil em São Paulo no ano de 2011'.

De acordo com a agência noticiosa britânica, 'o grau de letalidade da polícia no Estado mais populoso do país se insere no debate sobre a recomendação da abolição do sistema separado de Polícia Militar - feita ao Brasil no Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU no último dia 25 [de maio de 2012]'."

Related Posts with Thumbnails