Gostaria de gritar para o mundo contra essa afirmação maluca de que o silêncio é ouro! Às vezes, às vezes.
E também gostaria de berrar para o mundo contra essa outra convicção doida de que quem cala, consente. De onde vem você que diz isso, do mundo da lua?
Quem cala não consente e nem deixa de consentir. Quem cala não se sabe o que acontece. Muito ao contrário, quem cala pode não estar consentindo nunca.
Ou pode? Ninguém admite consentir nada, quanto mais em silêncio. Pode acontecer de dar branco e a voz não sair.
O silêncio, senhores e senhoras, não se sabe o que é. Pode ser tanta coisa. Traição. Covardia. Medo. Perversidade. Sarcasmo. Sadismo. Caridade. Benevolência. Sabedoria. Falta de sabedoria.
Pode ser ouro, sim, quando o parente língua-comprida se cala e não se intromete em nossas vidas, marchando sobre nossas salas de visitas como um bárbaro.
O silêncio pode ser emoção intensa contida. Paixão recolhida. Ressentimento. Meditação. Pausa para raciocínio matemático.
O silêncio pode acometer tanto o amigo quanto o inimigo. Cisma calada do que é certo e do que é errado. Indecisão do culpado ou do inocente. Mágoa calada, que não berra.
Quem cala pode estar descansando de apanhar da vida. Pode estar ruminando o bem. Ou o mal.
Uma inimizade gratuita pode ser silenciosa. Uma boa amizade pode ser silenciosa. Um ódio pode ser longo, duradouro, lento, doloroso e silencioso. Quem se mantém em silêncio pode estar dizendo com a alma eu te amo.
Sim, é isso, oh, minha bela amada, que se mandou um dia, um dia belíssimo, oh, de magnífica felicidade, deixando-me enfim em liberdade. Em silêncio, consentindo ou não consentindo, sabe Deus. Ela jurou que não retornaria jamais. Teria ido tarde ou cedo? Quem sabe? Por que se calou? Se calou por quê?
Quem cala pode estar recebendo a extrema-unção.
Pode estar sentindo medo. Terror. Opressão. Estás consentindo o que, irmão meu, irmã minha? Quem cala pode estar tentando ser harmonioso e aí está uma belíssima postura silenciosa.
Quem silencia pode estar aprendendo. Ouvindo. Gemendo. Chorando. O grito também é um choro. O choro em silêncio também é um grito.
Quem cala pode estar se sentindo ameaçado de morte. E está consentindo o quê? Calar ou gritar é instinto de sobrevivência em ação. O cúmulo da educação é morrer em silêncio.
Então, não me venham com essa historieta curta, grossa, medíocre, pobre, inverossímil, absurda, vexatória, irritante, ridícula de que quem cala, consente e de que o silêncio é ouro.
Existe o sábio silêncio e o burro silêncio. Diz-se também que pelas tuas palavras serás salvo e pelas tuas palavras serás justificado. Pelo teu silêncio serás salvo e pelo teu silêncio serás justificado.
O tal do foro íntimo também nos obriga a silenciar. Ou a falar. Tanto quem fala ou deixa de falar, quebra o silêncio ou deixa de quebrar, consente ou deixa de consentir, está no mato sem cachorro, irmãos e irmãs minhas em breve peregrinação por este mundo mau.
Quantas benditas vezes desejaríamos ter calado? Ou falado? Ou gritado? Ou consentido? Ou não ter consentido?
E seu estivesse calado neste preciso momento, teria dado a minha (com licença) opinião sobre o silêncio?
E vocês, se não tivessem feito um generoso silêncio diante destas minhas embaraçadas linhas, teriam ouvido o que eu quis dizer?
Isso não quer dizer que tenham consentindo ou deixado de consentir e nem que seu caridoso silêncio tenha sido ouro. Ou não.
Despeço-me com a incômoda sensação de que, tendo aberto a boca, consenti que entrasse mosquito nela. Ou não?
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