Já dizia o Joelmir Betting: "Na prática, a teoria é outra"... |
No momento em que o Ministério da Saúde lança um novo pacote de medidas para reduzir o número de partos cesarianos no Brasil, vale a pena recordarmos um episódio ocorrido em meados de 2008.
Cristina dos Santos Cavalcante residia num bairro pobre da zona Leste paulistana, a uns 15 quilômetros do Centro. Tinha 29 anos e esperava sua segunda criança.
Fez o pré-natal na Unidade Básica de Saúde do Jardim Independência, da rede municipal. O nascimento do filho estava previsto para o dia 15 de junho.
A data chegou, passou... e nada. Então, recorreu ao Hospital Estadual de Vila Alpina. Mas, em cada consulta, diziam-lhe que estava tudo normal e deveria voltar dentro de dois dias.
Apesar de suas precárias condições financeiras, ela pagou por um ultra-som numa clínica particular. O exame revelou que o cordão umbilical tinha dado duas voltas no pescoço da criança.
Levou o laudo na consulta seguinte, às 9 horas do dia 27 de junho, sendo internada imediatamente.
Em vez de efetuarem logo uma cesárea, deram-lhe medicamentos para induzir o parto normal, que acabou ocorrendo somente às 23h20 (!).
Viúvo comprova a passagem por dois hospitais |
Cristina teve então hemorragia e não havia médico capacitado para dar-lhe o atendimento correto. Os jovens residentes tiveram de chamar “um especialista”.
Quando este finalmente chegou, não havia vaga para Cristina na UTI.
Quarenta minutos depois (!!), levaram-na a uma sala de observação (!!!), na qual não havia equipamento nenhum. E foi lá que ela morreu, seis horas depois do parto.
Parte desse tempo foi desperdiçada com a repetição de exames de sangue que a paciente já fizera no mesmo hospital – como se, no momento da emergência, não houvesse a certeza de que o tipo sanguíneo dela fosse aquele que constava da sua ficha.
Segundo o viúvo Márcio Ferreira da Costa, a primogênita já nascera por meio de cesariana, "o que mostra que já não era muito aconselhável fazer o parto normal desta vez”. E acrescentou:
"Ela não tinha nada de dilatação. Minha mulher tinha a cintura muito fina e o neném nasceu com quase 4 quilos. Chegando na parte do ombro, o bebê travou e ficou cerca de 5 minutos sem respirar. Ao nascer, nem chorou, foi direto para os aparelhos".
O hospital registrou a morte como “natural” no 56° Distrito Policial - Vila Alpina.
Tomei conhecimento disso tudo pelo jornal Folha de Vila Prudente e, claro, fiquei indignado. Querendo mais detalhes, liguei para o repórter responsável pela série, Rafael Gonçalo, e fiquei sabendo que a proporção de partos normais no Hospital da Vila Alpina ultrapassava 75%.
Era, em suma, o hospital escolhido pela Secretaria de Saúde como cartão postal das excelências do tal parto humanizado. Daí o empenho de uma rede de apoiadoras desta prática em abafar o caso; abarrotaram-me a caixa postal de críticas ao meu interesse pelo episódio, como se a morte de uma mãe por clamorosa negligência não devesse ser noticiada.
Cristina morreu. Sua filha ficou órfã. Alguém foi punido? |
As fanáticas eram movidas por seu fanatismo, mas logo percebi que o empenho da Secretaria da Saúde não se devia apenas à obsessão em impor às coitadezas a solução tida como melhor para elas. Afinal, o parto normal sai muito mais barato para os cofres estaduais e a vida me ensinou que quem pensa o pior dos governos, quase sempre acerta.
Minha conclusão de então continua válida até hoje:
"...autoridades e fanáticas têm todo direito de tentarem persuadir as gestantes pobres de que o parto normal é melhor para elas, mas nenhum direito de forçá-las a abdicar da cesárea, se é o que elas preferem".
Espero que as novas medidas (e a forma como forem implementadas) respeitem o direito das pacientes de, certas ou erradas, darem a última palavra.
Porque gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente!
Um comentário:
Muito boa essa posição, Celso.
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