terça-feira, 2 de dezembro de 2014

ANTEPASSADO ILUSTRE: ANGELO LONGARETTI MATOU O TRUCULENTO IRMÃO DO PRESIDENTE CAMPOS SALLES.

Italianos posando no pátio central da Hospedaria dos Imigrantes, por volta de 1890.
Minha família é a mais prosaica possível, gente com ambições meramente materiais, cujo ramo italiano jamais saiu do anonimato e cujo ramo brasileiro nunca almejou voos mais altos, tendendo a passar despercebido caso um jovem de 20 anos não houvesse matado em 1900 o truculento irmão de um presidente da República e um jovem de 18 anos não houvesse ingressado em 1969 na luta armada contra a ditadura militar.

Como continuo vivo e ativo, a parte que me cabe nesse latifúndio é mais conhecida. E acabo de descobrir na internet uma ótima dissertação de mestrado sobre o episódio de 1900 e anos seguintes, um dos mais marcantes dos abusos cometidos na patriamada contra os imigrantes italianos, cuja íntegra pode ser acessada aqui. Trata-se de O caso Longaretti: crime, cotidiano e imigração no interior paulista, de autoria de Christiano Eduardo Ferreira.

Uma lembrança remota da minha meninice é a do meu pai e meu tio comentando a morte deste antepassado ilustre, Angelo Longaretti (1). Circulava de mão em mão a notícia publicada no jornal italiano Corrieri della Sera.

Atraído pelas promessas dos fazendeiros brasileiros, que mandavam recrutadores à Itália oferecendo viagem gratuita, Angelo veio trabalhar na lavoura cafeeira.

Raul Salles, filho do fazendeiro Diogo Eugênio Salles, assediou a irmã de Angelo. Este tentou transferir-se com a família para outra fazenda, mas Raul fez com que fossem rejeitados. E ainda persuadiu o delegado de Analândia a prender Angelo por embriaguez.

Quando o soltaram, no dia 3 de outubro de 1900, Diogo e Raul vieram com seus capangas para expulsarem os Longaretti da fazenda, deixando de pagar-lhes os 2 mil réis a que tinham direito por seu trabalho. O idoso Francisco, pai de Angelo, disse que não sairiam. Diogo agarrou-o, sacudiu-o e atirou-o no chão.

Angelo, vendo o velho desmaiado, supôs que estivesse morto. Foi buscar uma garrucha enferrujada (2) e baleou Diogo. Por um capricho do destino, o disparo, apesar de impreciso, seria letal.

Seguiu-se uma série de descalabros, como as intimidações policiais a habitantes de Analândia para que depusessem contra Angelo.

Este evadira-se, mas acabou sendo detido em 18 de maio de 1901, delatado por um compatriota de olho na recompensa oferecida por sua prisão.

No processo, não foi levada em conta a minoridade do réu (Angelo ainda não completara 21 anos) nem o juiz providenciou tradutor para ele e as testemunhas da defesa que não falavam bem o português. E foram relevadas várias contradições dos acusadores.

O falecido era irmão do quarto presidente da República do Brasil, Campos Sales, que cogitou até efetuar uma tentativa de instauração da pena de morte, com efeito retroativo (!), para que pudesse ser aplicada nesse caso; mas, foi dissuadido pela Inglaterra, que lhe fez ver quão aberrante seria a iniciativa, em termos jurídicos.

O governo italiano, supondo tratar-se de mais um anarquista, não deu a mínima. Angelo foi, entretanto, fortemente apoiado pela colônia, que até se cotizou para pagar-lhe um advogado famoso. Isto não impediu sua condenação a 21 anos de reclusão.

Num segundo julgamento a pena diminuiu para 10 anos. Acabou cumprindo sete anos e meio e sendo libertado por decisão do Supremo Tribunal Federal; com Campos Salles fora do poder, a justiça pôde, finalmente, prevalecer. Voltou à Itália, onde levou vida tranquila até a morte, em 1960.
  1. o sobrenome familiar correto é Longaretti, mas meu pai foi registrado equivocadamente como Lungaretti (o escrivão não entendeu a pronúncia italianada) e eu herdei o erro;
  2. a qual, curiosamente, lhe fora entregue há tempos pelo próprio Raul, em substituição a um pagamento.

4 comentários:

Ananindeuadebates disse...

A perseguição a sua família vem do inicio do século XX. Longaretti, aproveito para prestar solidariedade atrasada a seu tio e grifar seu nome com “O”. Rui Baiano Santana

Unknown disse...

Boa história de um longaretti. Abraço.

Anônimo disse...

Olá Celso, conheci seu pai em Curitiba PR. Não sei precisar a data… Mas foi antes de vir pro EUA, Meu nome é Urubatan Longaretti. A versão que eu conhecia era que o irmão do então Presidente da República, acostumava abusar das esposas dos Italianos enquanto esses trabalhavam na lavoura de café. Ele era tao desaforado, que um dia antes ao final da tarde ele avisa a pretensa vítima que viria visita-la no dia seguinte. Sendo assim o Angelo o esperou e quando ele arrombou a porta, teve que retroceder com a buchada despencando de um corte de alto a baixo. O Angelo não era nenhum super homem, mas teve tempo de esfaquear os dois jaguncos que acompanhavam o mal feitor. Abro um parênteses aqui a respeito da arma de fogo, pois não era permitido os Italianos a usarem sob alegação de motim…

celsolungaretti disse...

Urubatan,

é difícil discernirmos algo hoje em dia, em meio a tantas versões que circulam. Eu me baseei em relatos de historiadores e a única "exclusividade" foi a informação de que o Brasil teria tentado instituir a pena de morte com efeito retroativo para poder aplicá-la contra o Angelo Longaretti, sendo dissuadido pela Inglaterra.

Vi o livro de Direto Civil que mencionava tal ocorrência nas mãos de um tio, que o mostrou ao meu pai. Mas, como não entendia italiano, não me interessei. Eu tinha algo entre 10 e 12 anos na ocasião.

Depois, adulto, tentei reencontrar esse livro, mas não conseguir. Houve brigas em família e não consegui descobrir com que tinha ficado o livro. Também nada consegui pelo lado italiano.

Meu pai, Reynaldo Lungaretti, que eu saiba jamais esteve em Curitiba. A única coisa que poderia tê-lo levado lá seria avaliar alguma máquina que o cotonifício Crespi estivesse adquirindo. Enfim, dê uma olhada nas fotos do meu pai neste post, veja se foi ele mesmo que esteve aí:
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2019/11/papai-faz-100-anos-um-tributo.html

Um abração!

Celso

Related Posts with Thumbnails