segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SURPREENDENTE, AMARGO, CORROSIVO: "SALA DO SUICÍDIO"


Nunca pretendi que os filmes para ver no blogue fossem quase todos antigos. Só que nada de realmente bom encontrava para recomendar na produção recente, nenhum trabalho que me entusiasmasse tanto como, digamos, O amigo americano e Jonas, que terá 25 anos no ano 2000 na década de 1970, Era uma vez na América e O veredicto na de 80, Exótica e Os imperdoáveis na de 90, O lutador e Sobre meninos e lobos na passada.

Há pouco, assisti a uma obra-prima de Stephen Frears pela qual quase todos estão passando batidos e que dificilmente será disponibilizada no Youtube: Muhammad Ali's greatest fight (2013), sobre os bastidores do julgamento do magistral pugilista na Corte Suprema dos EUA, por ter-se negado a participar de uma guerra imoral. Mostra a crescente rejeição à intervenção no Vietnã e os caminhos tortuosos que levam os pavões togados a sintonizarem-se com a voz das ruas. 

Se de Frears esperava muito (sou fã de carteirinha de The hit e de Os imorais), do diretor polonês Jan Komasa não esperava nada. Nem sequer o conhecia, para falar a verdade. Vejo que antes só fizera um curta, um segmento de obra conjunta, um documentário e um filme para TV.

Portanto, deve encarado Sala do suicídio (que vocês assistir, completo e legendado, na janelinha abaixo) como sua grande oportunidade de afirmação artística. O filme tem exatamente o jeitão de tour de force. E o já não tão jovem Komasa (32 anos) dele sai como um dos talentos mais impressionantes da nova geração. 

O filme faz também lembrar o saudoso cinema do autor, pois o roteiro é também creditado a Komasa e não há indicação de que se trate de adaptação da história alheia.  

Sala do Suicídio consegue, em seus 110 minutos que passam voando, lançar um olhar corrosivo sobre diversas mazelas atuais.

Dominik (Jakub Giersza), um jovem sensível e promissor, leva a vida como heterossexual até que sente-se atraído por um colega de escola. Tudo se precipita quando ambos são colocados para treinarem judô juntos. O agarra-agarra faz Dominik ter uma ejaculação em público, o que o torna imediatamente alvo de builyng exacerbado.

Em frangalhos, sem saber lidar com a vergonha e a rejeição, não pode contar com o apoio dos pais ricaços, obcecados com a carreira e incapazes de se comunicar verdadeiramente com ele.

Resta-lhe a internet, na qual passa a fugir dos bate-papos em que seu caso é cruelmente exposto e zoado. Trava, então, contato com uma comunidade de aspirantes ao suicídio, na verdade marmanjos que brincam com a idéia, sem intenção de colocarem-na em prática. A partir daí, boa parte do filme transcorre nesse mundo de faz-de-conta, em que os avatares interagem e ninguém se machuca.

Para os adultos mal resolvidos, é até uma terapia. Para o fragilizado Dominik, a sala do suicídio serve como refúgio e como alternativa à realidade na qual não consegue mais se encaixar. E a obsessão o vai levando cada vez mais longe.

3 comentários:

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Rapaz, eu ando meio sensível demais, tou falando sério contigo.
Não vou ver esse filme.
Vai me machucar pra cacete.

celsolungaretti disse...

O que posso dizer? Eu vi o filme apenas como um bom filme. O que mais me agradou foi a forma como mostrou os viciados em internet, consolando-se com fantasias ao invés de irem à luta na vida real.

Para alguém como eu, que meteu as caras em tudo e várias vezes quebrou a cara, essas satisfações compensatórias que eles obtêm com seus avatares é patética.

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Não, ô louco, não tenho dúvida de que é um puta filme, já vi que você é chegadão numa fita, e manja. Esses bang-bang à italiana que cê põe aqui, por exemplo, são uma maravilha, gosto muitíssimo e me traz umas recordações daqui, ó, da ponta da orelha.

Mas você vai achar gozado isto aqui: eu sou da luta e não desafino como uma certa rapaziada aí que vê o Choque e já sai correndo de um modo que não me entra na cabeça, mas eu tenho aqui umas fragilidades. Não saio por aí quebrando nada nem vou pra rua de rosto coberto, mas resisto. Quer dizer, sou metido a valente, etc, etc.

Mas, cena de bullying, bicho. É coisa que não dá pra mim nem que seja em filme, eu passo mal, fico desesperado mesmo. O melhor filme americano que já vi até hoje é O homem elefante. Mas não dá pra eu assistir de novo, passo mal.

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