sexta-feira, 24 de agosto de 2012

QUANDO SÓ HAVIA INJUSTIÇA E NÃO HAVIA REVOLTA

Há muito compenetrei-me não só da inexorabilidade da morte, como de que estou mais propenso a morrer de repente do que a maioria das pessoas, por força das opções que fiz na vida e dos inimigos que elas me granjearam.

Então, às vezes me sirvo deste blogue para deixar registrados alguns episódios importantes da minha trajetória, mesmo os que talvez não conviesse tornar públicos. Opto por garantir que fique uma lembrança das agruras pelas quais passa quem trava o bom combate neste Brasil de Poderes imperiais e cidadãos resignados a todos os desmandos.

Em janeiro de 2006, quando comecei a receber minha pensão vitalícia de vítima da ditadura com lesão permanente causada por torturas em estabelecimentos militares, tinha também direito a uma indenização retroativa, correspondente aos 35 anos transcorridos desde que meus direitos haviam sido violentados pelos usurpadores do poder.

As regras do programa estabeleciam que tal indenização retroativa deveria ser quitada em 60 dias. Não o foi.

Passado um ano sem que nada acontecesse, entrei com mandado de segurança para receber o que me era devido e fazia imensa falta, pois ainda não me recuperara dos prejuízos e dívidas acumuladas em dois anos de desemprego (2004 e 2005) e tenho muitos dependentes.

Logo depois, a União mandou correspondência propondo-se a quitar seu débito em suaves prestações mensais até 2014 quando, no pagamento final, seria saldado tudo que ainda estivesse pendente (no meu caso, aproximadamente metade do que me cabia).

Só que meu processo já tinha sido protocolado e autuado no Superior Tribunal de Justiça, então a proposta chegou tarde demais. Provavelmente eu a teria aceitado, dois meses antes.

Os trâmites foram de uma morosidade exasperante --e aberrante, em se tratando de um mandado de segurança.

Em 2009, o ministro relator pediu à Corte Especial que unificasse a jurisprudência, já que havia três câmaras do STJ  julgando tais processos e elas davam decisões discrepantes.

Só em fevereiro de 2011 o mérito da questão foi julgado. Relatando o caso de acordo com o parâmetro fixado pela Corte Especial, ele decidiu pelo acatamento do meu pedido. Os outros oito ministros acompanharam seu voto.

Como ele se transferiu para o STF,  coube a seu substituto apreciar o embargo de declaração da União, a qual reapresentou argumentação que havia sido rechaçada na primeira decisão tomada sobre o caso, ainda em 2007 (!!!), bem como desconsiderada em vários outros processos submetidos ao STJ.

Incrivelmente, o novo titular acatou a velharia que a AGU, à falta de trunfo melhor, exumou. Sozinho, modificou o que nove colegas haviam sentenciado em consonância com o paradigma definido pela Corte Especial.

Não há base para concluirmos nada sobre o motivo de tão grotesca decisão. Mas, como cidadão, sinto-me extremamente atingido por TÃO FLAGRANTE INJUSTIÇA. E pela SEQUÊNCIA DE INJUSTIÇAS que marca minha passagem pelos tribunais e outras burocracias do Estado (a Receita Federal, p. ex.), sempre me deixando com a pulga atrás da orelha.

Perseguição política é uma hipótese óbvia, mas  há outras, como o fato de que os burocratas arrogantes detestam ser confrontados por quem conhece e sabe defender seus direitos, não se prostrando à postura majestática por eles adotada. Onde a grande maioria se verga à  otoridade, os altaneiros tendemos a ser retaliados.

O certo é que, se pudesse levar esta pendenga jurídica adiante, inevitavelmente venceria. Mas, minha situação financeira crítica e a necessidade de garantir um lar para minha esposa e filhinha talvez me obriguem a engolir um sapo gigantesco, para destravar um processo que, nos tribunais, tende a alongar-se por anos a fio --tempo do qual já não disponho, porque mandados de segurança no Brasil  simplesmente deixaram de cumprir sua função.

Ademais, quem me mandou nascer num país onde a proteção dos caprichos de locadores pesa mais do que os direitos de idosos e de crianças?!

Disse Brecht: "E vós, que vireis na crista da onda em que nos afogamos, pensai também nos tempos sombrios de que haveis escapado... quando só havia injustiça e não havia revolta".

2 comentários:

Anônimo disse...

a lei diz o que o juiz diz que a lei diz

CARLO PONTI disse...

Mais parecido com Josef K personagem do livro de de Franz Kafka, "O Processo", impossível.

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