AS MENTIRAS PARAGUAIAS DAS ELITES BRASILEIRAS
João Pedro Stédile (*)
Mal havia terminado o golpe de Estado contra o presidente Fernando Lugo e
flamantes porta-vozes da burguesia brasileira saíram em coro a defender
os golpistas.
Seus argumentos eram os mesmos da corrupta oligarquia paraguaia,
repetidos também de forma articulada por outros direitistas em todo
continente. O impeachment, apesar de tão rápido, teria sido legal. Não
importa se os motivos alegados eram verdadeiros ou justos.
Foram repetidos surrados argumentos paranoicos da Guerra Fria: "O
Paraguai foi salvo de uma guerra civil" ou "o Paraguai foi salvo do
terrorismo dos sem-terra".
Se a sociedade paraguaia estivesse dividida e armada, certamente os
defensores do presidente Lugo não aceitariam pacificamente o golpe.
Curuguaty, que resultou em sete policiais e 11 sem-terra assassinados,
não foi um conflito de terra tradicional. Sem que ninguém dos dois lados
estivesse disposto, houve uma matança indiscriminada, claramente
planejada para criar uma comoção nacional. Há indícios de que foi uma
emboscada armada pela direita paraguaia para culpar o governo.
Foi o conflito o principal argumento utilizado para depor o presidente.
Se esse critério fosse utilizado em todos os países latino-americanos,
FHC seria deposto pelo massacre de Carajás. Ou o governador Alckmin pelo
caso Pinheirinho.
O Paraguai é o país do mundo de maior concentração da terra. De seus 40
milhões de hectares, 31.086.893 ha são de propriedade privada. Os outros
9 milhões são ainda terras públicas no Chaco, região de baixa
fertilidade e incidência de água.
Apenas 2% dos proprietários são donos de 85% de todas as terras. Entre
os grandes proprietários de terras no Paraguai, os fazendeiros
estrangeiros são donos de 7.889.128 hectares, 25% das fazendas.
Não há paralelo no mundo: um país que tenha "cedido" pacificamente para
estrangeiros 25% de seu território cultivável. Dessa área total dos
estrangeiros, 4,8 milhões de hectares pertencem brasileiros.
Na base da estrutura fundiária, há 350 mil famílias, em sua maioria
pequenos camponeses e médios proprietários. Cerca de cem mil famílias
são sem-terra.
O governo reconhece que desde a ditadura Stroessner (1954-1989) foram
entregues a fazendeiros locais e estrangeiros ao redor de 10 milhões de
hectares de terras públicas, de forma ilegal e corrupta. E é sobre essas
terras que os movimentos camponeses do Paraguai exigem a revisão.
Segundo o censo paraguaio, em 2002 existiam 120 mil brasileiros no país
sem cidadania. Desses, 2.000 grandes fazendeiros controlam áreas
superiores a mil ha e se dedicam a produzir soja e algodão para empresas
transnacionais como Monsanto, Syngenta, Dupont, Cargill, Bungue...
Há ainda um setor importante de médios proprietários, e um grande número
de sem-terra brasileiros vivem como trabalhadores por lá. São esses
brasileiros pobres que a imprensa e a sociologia rural apelidaram de
"brasiguaios".
O conflito maior é da sociedade paraguaia e dos camponeses paraguaios:
reaver os 4,8 milhões de hectares usurpados pelos fazendeiros
brasileiros. Daí a solidariedade de classe que os demais ruralistas
brasileiros manifestaram imediatamente contra o governo Lugo e a favor
de seus colegas usurpadores.
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