Pode-se lançar mil e um argumentos, alguns até ponderáveis, para ser contra a decisão do Conselho de Segurança. Mas quem usa qualquer um desses argumentos deveria dar-se ao trabalho de contar também o que aconteceria se a proposta fosse rejeitada.
Aconteceria mais um massacre. Simples assim."
Estas obviedades foram escritas por Clóvis Rossi, na sua coluna desta 5ª feira, O Itamaraty tucanou.
Entre nós dois não existe exatamente uma comunhão de idéias, mas sim uma convergência de idade. Por já termos percorrido muito chão, aprendemos a ver as coisas como elas são, e não como deveriam ser para encaixar-se em certas elocubrações de torcedores.
Caso dos que, para entoarem a habitual ladainha contra as potências ocidentais, compactuam com algo pior ainda: a barbárie em sua forma mais bestial, que atende pelo nome de Muammar Gaddafi.
Então, Rossi repetiu exatamente o que eu dissera: sem a intervenção autorizada pela ONU, as tropas militarmente superiores do tirano venceriam os revoltosos e, ato contínuo, desencadeariam um banho de sangue de fazer inveja a Vlad Dracul.
De onde vem esta certeza? De várias décadas de acompanhamento da política internacional, atento e sem antolhos ideológicos.
E de haver tido o marxismo bem aprendido como ponto de partida de minha trajetória: nunca abri mão da proposta original de Marx e Engels, de conduzirmos a humanidade a um estágio superior de civilização, o que implica uma incompatibilidade visceral com aberrações como as tiranias pessoais e com regressões como os estados teocráticos.
E de haver tido o marxismo bem aprendido como ponto de partida de minha trajetória: nunca abri mão da proposta original de Marx e Engels, de conduzirmos a humanidade a um estágio superior de civilização, o que implica uma incompatibilidade visceral com aberrações como as tiranias pessoais e com regressões como os estados teocráticos.
Sou e sempre serei um revolucionário. Mas, do tipo de Rosa Luxemburgo.
Não acredito em versões convenientes, nem compactuo com o maniqueísmo primário dos desnorteados de esquerda -- o retrocesso do pensamento crítico da geração 68 para o velho dogmatismo stalinista, como consequência do isolamento dos movimentos de contestação do status quo a partir dos avanços tecnológicos da década de 1990 e da globalização econômica.
Isolamento que só será rompido se e quando conseguirmos transcender tal maniqueísmo e voltarmos a nos comunicar com o cidadão comum, sensibilizando corações e dizendo coisas que façam o mínimo sentido para quem sabe usar as mentes.
Enquanto formos condescendentes com os Gaddafis e Ahmadinejads da vida, continuaremos falando com bem poucos e sendo ignorados pelos muitos.
Isto também é simples assim.
3 comentários:
Prezado Lungaretti:
Você se agarra aos seus pontos de vista e os defende com muita insistência. Parabéns.
Em alguns casos concordo com você.
Não agora, quando se trata da situação na Líbia.
Vamos ver isso um pouco mais de perto, está bem?
Há poucos dias, você transcreveu matéria de certo correspondente da Folha, não lembro direito, contando a história muito triste do "Ronaldinho" (?) líbio, que jazia sem uma das pernas (ou muito ferido) em um hospital qualquer.
O relato me pareceu absolutamente estapafúrdio. Segundo o tal correspondente, o pobre rapaz, apenas com Alá no coração, teria partido para cima de metralhadoras .50 (ou equivalentes) das forças de Kadafi.
Nos últimos anos, temos visto homens-bomba, carros-bomba etc. etc. Mas, digamos, homem-bomba-alá ou homem-alá-bomba é novidade fantástica.
A matéria também nos informava que o Ronaldinho era camponês de profissão. Ora, nos últimos dias li que Kadafi fez o possível para incrementar a produção agrícola da Líbia. Então, se o Ronaldinho era campônio, imagino que tenha sido bem tratado, que tenha recebido algum tipo de apoio para tornar o suor do rosto menos sofrido... E justo um campônio, assim, de repente, larga a enxada e avança contra as metralhadoras?
Lungaretti, Lungaretti... Com tantos anos de janela você não pode se dar ao luxo de ser ingênuo.
(Lá vai o resto)
Mas, retomemos a nossa toada: duvido que o tal correspondente conheça o árabe ou o possível dialeto falado pelo Ronaldinho. Assim, não teria meios de checar a história do ex-craque.
Para mim, basta o indivíduo ter mentido sobre como se feriu para não dar crédito a mais nada que tenha dito.
A imprensa ocidental está muito apressadinha para derrubar Kadafi. Observe que, ao contrário do que foi visto no Egito, e se pode assistir nos paisecos tipo Iêmen e Barhein, o povão não saiu às ruas do Cairo com fuzis de assalto, fuzis antitanques e metralhadoras nas mãos. Esse é um dado relevante.
Também estou surpreso com seu apreço por Clóvis Rossi. É possível que você tenha simpatia por ele (dos tempos do Estadão, é isso?). Nada contra. Rossi, de fato, é conversável. Mas não dou a menor importância ao que ele escreve - tenho fontes melhores (e não apenas porque concorde com a maioria). Não esqueça que o grandalhão Rossi se perdeu de amores pelo tampinha Octávio Frias. Por quem Rossi tinha grande admiração (tanto assim que mais de uma vez chamou o velho sacripanta de "sábio do 9° andar", ou algo parecido, em sua coluna). Ou seja, graças a essa "paixão", Rossi continua lá na Barão de Limeira até hoje, com gordos proventos. É, verdadeiramente, um profi$$ional.
Depois, não acho apropriado chamar Kadafi de "cachorro louco", "bárbaro", "bestial", entre outros adjetivos. Se formos usar sempre tais qualificativos, os textos ficarão muito chatos. Isso porque, se Kadafi é "cachorro louco", o que diríamos sobre Tony Blair, Bush, Obama, Sarkozy e outros dirigentes que estão por aí? (Há poucos dias escrevi para você xingando os ditadores árabes em geral de escrotos, agora me penitencio.)Fora isso, sempre é bom lembrar que poucas semanas atrás Kadafi nem sequer era tachado de ditador pela imprensa mundial. Aliás, ninguém escrevia nada sobre a Líbia.
Eu também não confio em Kadafi. Mas, se ele fosse o monstro que estão pintando, abriria os arsenais para distribuir armas ao povo? [Disso não tenho confirmação - estou apenas especulando] A propósito, lembre-se de que os iraquianos, sob Satã Hussein (de quem eu também não gostava), tinham seus fuzis em casa, com bastante munição - costume de sociedade tribal? Não sei. Mas o país apresentava índices baixíssimos de criminalidade e miséria.
Agora que o mundo está livre das armas de destruição em massa e o Iraque vive em paz, na tão sonhada democracia, chegou a vez da Líbia?
O mundo, meu prezado Lungaretti, é um campo de batalha. E vai continuar assim sabe-se lá até quando. Eu, que sou um "desnorteado", te recomendo manter a utopia na cabeça e um porrete sob o paletó. É mais ou menos o que faz Tio Sam, segundo Teddy Roosevelt nos avisou há tanto tempo.
Pode-se escrever um milhão de palavras para defender um ditador, mas ele continuará sendo indefensável, do ponto de vista revolucionário. Não existe tirano bom. Nosso compromisso é com a civilização, não com a truculência.
Também não temos nada, absolutamente nada, a ver com homens fortes. Existimos para fazer dos explorados os sujeitos da revolução, não para tangê-los até a revolução com um chicote.
Por último, entre TIRANIAS PESSOAIS como a de Gaddafi e as potências ocidentais, a única posição admissível e defensável para nós é... CONTRA AMBAS. Para revolucionários da tradição marxista, caudilhos jamais foram a resposta ao capitalismo.
Então, eu represento, sim, uma referência moral do que a esquerda deveria ser, mas, lamentavelmente, não está sendo mais: a alternativa a toda essa podridão dos Obamas e a toda essa bestialidade dos Gaddafis. Nós acabamos nos tornando parte dessa realidade sórdida. E, como tal, não conseguimos mais atrair os melhores seres humanos para o nosso lado, daí a impotência em oferecermos realmente uma opção revolucionária para toda a humanidade.
Quanto à reportagem sobre o coitadeza que jogava futebol, não era nenhum craque, foi dito que se tratava de um pobre peladeiro. Mas, jamais colocarei em dúvida o trabalho de jornalistas profissionais com meras conjeturas como a sua. Respeito os colegas. Ou tenho provas de que falsearam a verdade, ou fico calado.
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