sexta-feira, 10 de setembro de 2010

RECUERDOS DE UM ASSESSOR DE IMPRENSA ACIDENTAL

Em artigo no Observatório da Imprensa, Eugênio Bucci, professor na Escola de Comunicações e Artes da USP, questiona um equívoco pelo qual passaram batidos os autores da Proposta de Emenda Constitucional visando inscrever na Carta Magna brasileira a exigência de diploma respectivo para o exercício da profissão de jornalista (como forma de resgatá-la do limbo no qual se encontra desde a desatinada decisão do Supremo Tribunal Federal, seguindo relatório com viés patronal -- como sempre! -- do ministro Gilmar Mendes):
"Ainda se acredita no Brasil que jornalistas e assessores de imprensa desempenham uma única profissão. Isso não faz sentido algum, nem aqui nem em nenhum outro lugar do mundo. Desconheço países de boa tradição democrática onde jornalistas se vejam como assessores de imprensa ou vice-versa".
Como os leitores podem conhecer a análise douta no texto do Bucci, eu me limitarei a dizer que tal atividade deveria ser enquadrada em  relações públicas  (que cumprem a função de  voz do dono) e não no  jornalismo (que, pelo menos em termos ideais, pressupõe compromisso com a verdade).

E partirei para  causos  e considerações mais prosaicas.

Salvo honrosas exceções, os assessores de imprensa servem para induzir os jornalistas dos veículos escritos e eletrônicos aos erros convenientes para o sistema.

No mínimo, ao enviarem uma notícia às redações, os assessores de imprensa destacam os aspectos favoráveis aos seus clientes e omitem ou minimizam os negativos.

Quando, para garantir a subsistência, atuei a contragosto nessas assessorias, era a segunda opção que eu adotava. Nunca omitia o lado ruim, apenas o relegava para o final do texto e expresso de forma sucinta.

Aos clientes, justificava a menção como um imperativo para se manter a credibilidade.

Mas, no fundo, o que eu queria mesmo era lançar os colegas das redações na pista certa. Apontava-lhes o rumo que deveriam trilhar se quisessem cumprir verdadeiramente o dever de jornalistas, disponibilizando para os leitores as informações que os poderosos tentavam ocultar.

Isto só servia como desencargo de consciência. Em 99% dos casos, o que saía publicado era a parte não conflitante com os interesses dominantes, ficando de fora o que causaria problemas às empresas e empresários.

Por quê? Ora, porque disponibilizar a verdade traria complicações também para esses jornalistas, já que os beneficiários da mentira tendem a ser os grandes anunciantes, com os quais os veículos evitam atritos.

E há também o mundo de benefícios que as assessorias de imprensa proporcionam aos jornalistas: brindes natalinos, viagens pagas, recebimento como cortesia de produtos ou serviços que estejam sendo lançados, avant-premières, acesso em primeira mão a novidades importantes, entrevistas com personalidades, etc.

Afora o sufoco. Muitos jornalistas têm trabalho demais para fazer e, na pressa, escolhem qualquer coisa que as assessorias lhe mandam, publicando (textualmente ou reescrito) o que vem no abre. Dificilmente leem mais do que os três primeiros parágrafos, aqueles nos quais está embutida a  mensagem do patrocinador.

Enfim, quem faz o jogo das assessorias, colhe benefícios de todo tipo e tem seu trabalho imensamente facilitado.

Quem vai contra a corrente, precisa ralar muito mais e acaba sendo malvisto pelas chefias e até por alguns colegas.

Casos extremos, fui testemunha de vários e citarei alguns, mas por alto, sem dar nome aos bois, pois alguns quadrupedes processam quem revela seus podres:
  • tive um patrão que, contratado por uma multinacional para abafar escândalo com vítimas fatais, alardeava ter conseguido fazer com que fosse retirada da edição uma notícia que já havia descido para as rotativas de um jornalão;
  • outra multinacional, esta da área de entretenimento, oferecia a quem privilegiasse seus lançamentos um jabaculê original, tardes de sexta-feira agradáveis na piscina do casarão no qual estava instalada, com direito a scotch, garotas de programa e cocaína;
  • uma assessoria brasileira ajudou um aventureiro estadunidense a lançar no Brasil produtos proibidos em países mais zelosos, como chiclete de emagrecer que provocava enjoo e saco de assar frango que eventualmente estourava, grudando na cara de quem abrisse o forno;
  • duas vezes, em assessorias diferentes, constatei que meus patrões prestaram serviço a vigaristas, o primeiro desconsiderando advertência plausível e o segundo ciente de que se tratava de antigo presidiário, tendo em ambas contribuído para o sucesso de golpes dados no mercado.
Quanto ao comportamento de jornalistas condescendentes ou totalmente oportunistas, o pior de todos foi um que trabalhava na editoria de Variedades de um jornal importante, mas conseguiu  atravessar o samba: mexendo os pauzinhos dos dois lados, acabou incorporado ao grupo de repórteres e comentaristas econômicos que uma assessoria organizou para visita às instalações de uma multinacional européia.

Afora as mordomias normalmente concedidas a todos, ele extrapolou: em cada uma das cidades pelas quais a comitiva passava, adquiria tudo que lhe dava na telha, colocando na conta do hotel... para os anfitriães pagarem.

Um  veterano jornalista carioca, envergonhado, disse que nunca mais aceitaria viajar ao lado de mendigos...

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails