Repassando velhos textos deste blogue, encontrei um do qual me esquecera por completo: o que escrevi quando Fernando Gabeira começou a despencar ladeira abaixo.
Infelizmente, tudo que eu disse em 27/08/2008 acabou se confirmando, até chegar ao ex-Gabeira de hoje, cuja degringola ideológica vai ao ponto de ele encampar as teses mais falaciosas da direita troglodita.
Henfil certamente o despacharia para o cemitério dos mortos-vivos. Então, faço-o eu.
Henfil certamente o despacharia para o cemitério dos mortos-vivos. Então, faço-o eu.
Vale a pena vocês darem uma relida neste texto, que, como Freud, explica muita coisa.
Fernando Gabeira fez carreira política defendendo a descriminalização da maconha. Às vezes de forma assumida, às vezes com subterfúgios para contornar os obstáculos, como sua proposta de que se autorizasse o plantio para usos medicinais e industriais.
Esteve até ameaçado de prisão por importar sementes da Europa. E seu site dá grande destaque ao tema, inclusive tendo como vaso comunicante um site de defesa da legalização da maconha.
Então, foi repulsivo seu recuo oportunístico de ontem, ao ser sabatinado pelo jornal O Estado de S. Paulo, como candidato a prefeito do Rio de Janeiro.
Disse que essa discussão toda foi "um pouco inútil" e se declarou contrário à liberação do consumo da maconha enquanto a polícia não for modernizada:
"Se não tiver uma polícia treinada, eficaz, transparente e honesta, não consegue nem reprimir nem legalizar. A repressão é extremamente minada pelo processo de corrupção. E a legalização, que seria feita com polícia competente, não conseguiria conter os efeitos colaterais".
Ou seja, para conquistar cadeiras no Legislativo, o eleitorado desbundado bastava, então ele foi de mandato em mandato como porta-estandarte da maconha.
Agora, para alçar um vôo maior, precisa do eleitorado conservador, então dediz tudo que dissera antes.
Aliás, em termos de reescrever a biografia, Gabeira está indo mais longe até do que o Lula.
Quando da ocupação da reitoria da USP, chegou ao cúmulo de sugerir ao governador José Serra que cortasse a luz e a água do prédio, para forçar os estudantes a desistirem.
Ontem, não teve pejo de prometer que, no seu hipotético mandato de burgomestre da Cidade Maravilhosa, liberará o uso de armas letais por parte da Guarda Municipal.
Veio-me à lembrança o clássico de Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray. Trata-se daquele romance em que o personagem central se deslumbra com a própria imagem numa pintura e diz que daria a alma para permanecer para sempre jovem e belo.
Seu desejo é atendido pelo diabo. Dorian continua igual a um anjo, enquanto sua imagem no retrato é que vai envelhecendo e exibindo as marcas da corrupção em que ele chafurda.
Até que um dia, enojado com a figura repugnante que o retrato exibe, Dorian resolve praticar o bem, para ver se há alguma melhora.
Quando vai checar o resultado, fica horrorizado: o retrato mostra o mesmo velho asqueroso, com uma mudança para pior, o sorriso hipócrita.
Distribuindo afagos retóricos para os inimigos de ontem, Gabeira não será visto por eles de outra forma; quanto muito o sistema o usará, como faz com os hipócritas que se deixam cooptar.
Quando encontro uma matéria-de-capa apologética na Veja atual, imediatamente concluo que o beneficiado vendeu a alma ao diabo...
Uma frase terrível do novelista francês Maurice Druon: "viver envilece". Serviria como epitáfio para Fernando Gabeira.
Um comentário:
Excelente analogia do ex-esquerdista com o protagonista do clássico de Wide.
O foda é que o Gabeira ainda tem um livro sobre a maconha e, em entrevista recente, falou que era a favor - isso em um canal de TV de pouca audiência na madrugada mais inóspita.
Belo texto, abraço!
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