Hoje é dia de se derramar lágrimas por Michael Jackson. As da indústria cultural, claro, são lágrimas de crocodilo. As dos fãs, sinceras.
Mas, daí a sentir-me obrigado a acompanhá-los na superestimação dos talentos do seu ídolo vai uma grande distância.
Então, também vou embarcar na onda nostálgica. Só que minha evocação é outra: do período em que exerci a crítica roqueira, tentando ir além da superficialidade dominante e evitando fazer média com o sucesso comercial.
Foi imbuído do mesmo espírito que, 25 anos depois, escrevi o artigo abaixo, tão execrado pelos fãs do artista -- que não entenderam patavina...
Do boi só se perde o berro, diziam os antigos. Foi o que me veio à cabeça ao assistir à overdose de Michael Jackson em jornais, revistas, rádios e tevês.Mas, daí a sentir-me obrigado a acompanhá-los na superestimação dos talentos do seu ídolo vai uma grande distância.
Então, também vou embarcar na onda nostálgica. Só que minha evocação é outra: do período em que exerci a crítica roqueira, tentando ir além da superficialidade dominante e evitando fazer média com o sucesso comercial.
Foi imbuído do mesmo espírito que, 25 anos depois, escrevi o artigo abaixo, tão execrado pelos fãs do artista -- que não entenderam patavina...
MICHAEL JACKSON (1958 - 2009)
A mesma indústria cultural que deu projeção exageradíssima a quem tinha talento, é verdade, mas nunca foi um revolucionário da música como os Beatles; que tanto glamourizou suas esquisitices de adulto malresolvido, como se fosse desejável que quarentões se comportassem à maneira de impúberes; que foi de uma crueldade ímpar ao expor o que me pareceu ser mais uma atração platônica pelos jovens do que pedofilia propriamente dita (ou seja, ele continuaria estacionado na sexualidade infantil, impotente para chegar às vias de fato); e que o relegou ao ostracismo quando sua imagem se tornou politicamente incorreta - agora transforma sua morte num repulsivo espetáculo de canonização midiática.
Nunca apreciei a música do Jacksons 5, nem a que ele fez depois na sua carreira-solo. Comercial demais para o meu gosto de rockeiro apegado às origens bluesísticas.
Ademais, os malditos videoclips, de quem Jackson foi o rei, marcam a retomada do controle por parte da indústria cultural, depois de ter sido obrigada a submeter-se à explosão roqueira durante alguns anos gloriosos, entre o final dos '60 e o início dos '70.
Nunca esquecerei de Joe Cocker, depois de um animado passeio por São Paulo, entrando diretamente no palco, com a roupa que vestia. Para arrasar, com sua entrega incondicional à música.
Nunca esquecerei da temporada do Cream em que os fulgurantes improvisos de Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker faziam com que, noite após noite, os números tivessem duração diferente.
Nunca esquecerei de Jimi Hendrix, com sua beleza selvagem, implodindo o hino estadunidense em Woodstock.
Os clips dos anos 70 significaram a substituição do talento bruto pela produção onerosa, da paixão pelo ensaio, da arte pelo espetáculo. E Michael Jackson acabou simbolizando essa domesticação.
Mas, seu destino como ser humano vitimado por essa engrenagem perversa sempre me inspirou compaixão. É triste vermos como um menino bonito, simpático e espontâneo, após receber o toque de Sadim (Midas às avessas) do sistema, tornou-se um adulto descaracterizado e sofredor.
Até sua cor quis negar, ao invés de orgulhar-se dela como o grande Muhammad Ali. Acabou ficando com imagem idêntica à dos vampiros mutantes de um clássico do terror, A Última Esperança da Terra (d. Boris Sagal, 1971), como se castigado pelos deuses.
Foi sugado, espremido e jogado fora. Aí a comoção causada por sua morte deu chance a um reaproveitamento do bagaço, para faturarem mais um pouquinho.
A indústria cultural é um dos componentes mais doentios e malignos do capitalismo putrefato. Casos como o de Michael Jackson dão uma dimensão total de sua capacidade de destruir seres humanos para saciar a curiosidade mórbida de seus públicos, movida pelo amoralismo do lucro.
A música que o sistema não conseguia domesticar: Joe Cocker em Woodstock.
3 comentários:
MICHAEL JACKSON UM ARTISTA ÚNICO, ETERNO E INSUBSTITUÍVEL..INSUPERÁVEL SEM DÚVIDA.
O QUE A INDÚSTRIA FATUROU NÃO ENCOBRE O TALENTO GENIAL DE MJ.
INSUBSTITUÍVEL, ACIMA DE BEATLES E ELVIS.
LAMENTO.SEU TEXTO FOI MEDÍOCRE.
ROSANE
MJ VIVE PARA SEMPRE, E PARA SEMPRE É MUITO TEMPO.
Tá assitindo This Is It na Globo? é uma boa hora pra repensar tudo o que tu disseste nesse post.
Francamente, não.
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