sábado, 3 de abril de 2010

A SEGUNDA MORTE DE ORLANDO ZAPATA

Mandaram-me e-mail informando que há um abaixo-assinado "em defesa de Cuba" neste endereço. Pedem minha assinatura e ajuda na divulgação.

Não assinarei, porque jamais endosso falsidades.

Quanto à divulgação, está dada. Provavelmente, haverá até leitor deste blogue que concorde em admitir uma ou outra versão conveniente em nome do objetivo maior.
Minha mais enfática rejeição é aos seguintes trechos do documento:
"Que lamentamos profundamente, como ellos, el fallecimiento del preso común Orlando Zapata..."

"Zapata - delincuente común y de ninguna manera preso político -, coincide con las políticas contrainsurgentes que han estado aplicándose en América Latina para detener o distorsionar los procesos de transformación emancipadora que están en curso..."
OS GRIFOS SÃO MEUS E AS AFIRMAÇÕES NÃO PASSAM DE CRASSA MENTIRA: NO LONGÍNQUO JANEIRO DE 2004 A ANISTIA INTERNACIONAL JÁ ASSUMIA A DEFESA DE ORLANDO ZAPATA COMO OPOSITOR DE CONSCIÊNCIA! ESTÁ NESTE SITE, PARA QUEM QUISER CHECAR. EIS O TRECHO A ELE REFERENTE:
Orlando Zapata Tamayo
Date of arrest: 20 March 2003
Sentence: No trial yet, but charged with "desacato", "desordenes publicos", "public disorder", and "desobediencia".

Orlando Zapata Tamayo is a member of the Movimiento Alternativa Republicana, Alternative Republican Movement, and a member of the Consejo Nacional de Resistencia Cívica, National Civic Resistance Committee.

He has been arrested several times in the past. For example he was temporarily detained on 3 July 2002 and 28 October 2002. In November 2002 after taking part in a workshop on human rights in the central Havana park, José Martí, he and eight other government opponents were reportedly arrested and later released. He was also arrested on 6 December 2002 along with Oscar Elías Biscet(3), but was released on 8 March 2003.

Most recently, he was arrested on the morning of 20 March 2003 whilst taking part in a hunger strike at the Fundación Jesús Yánez Pelletier, Jesús Yánez Pelletier Foundation, in Havana, to demand the release of Oscar Biscet and other political prisoners. He was reportedly taken to the Villa Marista State Security Headquarters. He has not been tried yet, but the prosecutor is reportedly asking for three years' imprisonment for "desacato", "desordenes publicos", "public disorder", and "desobediencia".

He has reportedly been moved around several prisons, including Quivicán Prison, Guanajay Prison, and most recently, Combinado del Este Prison in Havana. According to reports, on 20 October 2003 he was dragged along the floor of Combinado del Este Prison by prison officials after requesting medical attention, leaving his back full of lacerations.
Ademais, é também uma INFÂMIA distorcer os motivos do sacrifício de quem morreu por seus ideais, mesmo se discordarmos desses ideais. Companheiros que fizeram greves de fome contra a ditadura dos militares já comentaram comigo que nenhum mercenário ou gusano seria capaz de levar até o fim um protesto tão sofrido. Só quem acredita na luta que está travando aguenta os 85 dias que Zapata aguentou.

Então, só me resta repetir o que já afirmei no dia 10 de março (artigo A satanização dos dissidentes cubanos), pois continua tudo como dantes no quartel de Abrantes. E eu não arredarei pé da minha posição de que o melhor serviço que podemos prestar à revolução mundial é convencermos os companheiros cubanos a deixarem de, por AUTORITARISMO, INTRANSIGÊNCIA e ESTUPIDEZ, consentir que haja ocorrências reais respaldando os exageros panfletários da indústria cultural:
"Cuba tem carradas de razão ao protestar contra o embargo comercial estadunidense, que asfixia sua economia há décadas.

"Mas, com sua insistência em manter um estado policial tipicamente stalinista, praticando violações grosseiras dos direitos humanos de dissidentes e insatisfeitos de todos tipos, afugenta os homens justos que tenderiam a simpatizar com sua causa, dando um ruinoso tiro no pé.

"As perdas irreparáveis que sofre na batalha pela conquista dos corações e mentes, ao fornecer de mão beijada trunfos valiosíssimos à propaganda inimiga, nem de longe são justificadas por um perigo real que as vítimas dessas perseguições e arbitrariedades estivessem causando.

"Então, não vejo proveito nenhum em ajudar a vender gato por lebre, satanizando um Orlando Zapata para livrar a cara dos desatinados que causaram sua morte e dão má fama à revolução em escala mundial, fazendo-a passar por liberticida.

"Lamentavelmente, vilificar a vítima para inocentar o algoz é o que boa parte dos esquerdistas virtuais está fazendo."

4 comentários:

Roberto São Paulo SP disse...

Eu também não endosso a parte de que diz lamentar a morte. Eu não lamento a morte de quem coloca seus interesses pessoais acima dos de seu país, ainda mais quando servem aos "democratas" de Miami e do Brasil ao mesmo tempo.

Morreu porque quis, Cuba não matou esse cidadão.

Por mais lamentável que seja do ponto de vista humano, há interesses bem maiores em jogo.

Carlos Lungarzo disse...

Bravo, Celso,
Um comentário digno e corajoso.
Estamos lutando por um mundo que seja DIFERENTE (e isso quer dizer MELHOR). Não estamos lutando para trocar de lugar com a burguesia, e nós passar agora a ser os opressores.
Zapata pode até ter estado errado ou ter sido manipulado. Não acredito, mas é possível, mas, como você diz, ninguém entrega sua vida, salvo que acredite em sua causa, mesmo se for errado.
Até os mais prestigiosos intelectuais de esquerda atuais, como Ali Tarik reconhecem que em Cuba há uma grande intolerância inclusive com aqueles que não são reais inimigos, que apenas querem compartilhar tanto as vantagens como os problemas do socialismo.
Abraços
Carlos

José A. de Souza Jr. disse...

Pena que os burocratas cubanos, a exemplo dos antigos burocratas da ex-URSS e do leste europeu não consigam lidar com as diferentes facetas da objeção de consciência, indiscriminadamente jogando todas na mesma (e cômoda) vala comum da contrarrevolução. Mas a história já demonstrou aonde isso leva: à crescente alienação com seu próprio povo e à eventual perda de sua legitimidade enquanto dirigentes nacionais e também como lideranças anticapitalistas internacionais. O império vizinho, mesmo ruim das pernas, deve adorar. Aconteceu há 20 anos atrás e hoje todos pagamos as conseqüências (sobrevida ao capitalismo decadente). A propósito, não há como não mencionar um filme alemão chamado "A Vida dos Outros", que ilustra bem os estertores da paranóia policialesco-burocrática daquilo que acabou se convertendo a Alemanha Oriental nos anos 80. Parabéns, Celso, você agiu como se espera de um ser humano.

celsolungaretti disse...

Roberto tocou num ponto nevrálgico: um indivíduo pode estar certo contra o coletivo?

Sim, simplesmente... se estiver certo.

Galileu estava certo contra a Inquisição.

Trotsky estava certo contra o PC stalinizado e o Estado soviético.

Eu estava certo contra a VPR, tive minha atuação prejudicada por 34 anos, mas acabei provando que havia sido injustiçado.

É claro que o coletivo tem mais e melhores meios para acertar. Mas, quando erra -- e sempre pode errar -- cabe ao verdadeiro revolucionário resistir, e não submeter-se, fazer autocríticas insinceras e endossar absurdos.

Os mais perspicazes já terão percebido por que defendo, e não poderia deixar de defender, a memória de Zapata.

É porque está em jogo exatamente o princípio que me fez resistir durante metade da vida a resignar-me à "razão de estado": o direito do indivíduo divergir do coletivo, em nome de sua verdade, quando a verdade está ao seu lado.

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