Na 4ª feira (10/03), lendo a declaração em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia comparar dissidentes cubanos com bandidos de São Paulo, percebi que não era bem isso o que ele tinha em mente.
O fato é que Lula, em função da simpatia que nutre pelo regime dos irmãos Castro, assumiu a difícil tarefa de defender uma posição indefensável. E, claro, raciocínios tortuosos acabam levando a escorregadelas ideológicas.
A mim me pareceu que ele quis, simplesmente, dizer que não se podem abrir as portas das prisões para todo e qualquer detento que fizer greve de fome. E não soube expressar esta idéia, recorrendo ao exemplo errado para ilustrar seu pensamento.
Vai daí que, para não somar minha voz à grita ensurdecedora dos reacionários da grande imprensa, mas também para não deixar de manifestar meu inconformismo com a estranha prática de se defender algozes em lugar das vítimas, reproduzi e endossei o artigo com o qual Carlos Lungarzo dignamente rebateu a descaracterização do personagem Orlando Zapata.
Um dia se passou e as lágrimas de crocodilo dos jornalões só fizeram aumentar: editoriais, colunas, artigos, notícias e charges martelam a idéia de que Lula não só é cúmplice das ditaduras de esquerda, como gostaria de implantar uma dessas no Brasil.
O exagero salta aos olhos, assim como é evidente que alguém na posição de Lula não deve conceder, de mão beijada, tais trunfos aos inimigos. Cala-te, boca!
E eu acabei encontrando o enfoque certo para a questão: aquele a que o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony chegou em sua coluna, avaliando a declaração infeliz de Lula como uma pisada de bola.
O Cony tem minha irrestrita admiração até a década de 1960. Mas, quando as perseguições da ditadura militar o conduziram à rua da amargura, não se conformou com a omissão dos amigos e companheiros de ideais, que realmente deixaram de estender-lhe a mão no momento em que mais necessitava.
Tornou-se um homem amargo e até egoísta, como se viu em 2004, quando não só furou a fila da sopa dos pobres (a anistia federal), como usou sua influência para receber um prato bem melhor do que os pobres recebiam.
Lá com seus botões, talvez considere dispensável ser solidário com aqueles que não se solidarizaram às suas agruras. Mas, grandes homens são os que conseguem superar tais mágoas.
A escorregadela -- no caso de Cony, moral -- incide sobre sua biografia, mas não sobre sua capacidade intelectual. Continua sendo um de nossos mais brilhantes homens de texto, como se pode constatar na coluna desta 5ª feira, na qual nem compactua com o deslize de Lula, nem o superdimensiona:
"Que Lula pisou na bola, pisou. Sua declaração a propósito da greve de fome de um dissidente cubano foi infeliz - e, além de infeliz, oportunista e contrária à sua própria biografia.
"Infeliz porque se espera de Lula uma coerência mínima com o seu passado, passado de luta na oposição. Ele próprio chegou a ser um preso político e sabe melhor do que ninguém a diferença entre um deles e o preso comum.
"A greve de fome é antes de mais nada um recurso à propaganda contra um regime ou contra as condições subumanas das prisões. É um recurso válido até mesmo para os presos comuns, e muito mais para os presos políticos.
"O oportunismo de Lula está claro: as suas relações com o regime cubano são estridentes e até louváveis, pois, de certa forma, sem o apelo à violência, a cartilha do petismo não é tão diferente da cartilha castrista, seja ela administrada por Fidel ou por Raul.
"Ele sabe compensar essa predileção pelos governos de esquerda indo visitar amistosamente velhos ditadores de direita, o que lhe dá uma aura de equidistante, de cidadão do mundo.
"Mas condenar a greve de fome de um dissidente de um regime antidemocrático, como o de Cuba, é ir além da imagem que ele procura firmar, de político mais importante do mundo.
"A comparação que ele fez também foi infeliz. Se os presos comuns de São Paulo fizessem greve de fome, não deveriam ser soltos, mas atendidos em suas exigências de tratamento carcerário, que, como sabemos, não é lá essas coisas.
"Em resumo: a declaração de Lula sobre o dissidente cubano mostra que cada vez mais ele se afasta de suas origens pessoais e políticas, tornando-se não um preso comum, mas um político comum".
6 comentários:
Meu caro Celso, sigo seu blog e o tenho na minha lista de preferencias em meu blog.
Só uma questão, se me permite: Zapata era mesmo dissidente ou prisioneiro comum?
Claro que para a sua morte isso não importa. Foi uma vida que se foi.
Mas, contudo, creio que está havendo um oportunismo da mídia contrária ao regime cubano, juntamente com os dissidentes financiados pelos americanos, para desmoralizar Cuba.
Nossa mídia tenta agora envolver Lula nesta polêmica e, pelo jeito, Cony embarcou nessa canoa.
Um abraço.
Meu caro Zé Carlos,
não acredite nas versões dos assassinos, são mera tentativa de tapar o sol com a peneira.
Você não leu o excelente artigo do Carlos Lungarzo? Dei o link ontem.
Zapata estava catalogado pela Anistia Internacional como opositor do regime cubano por motivos de consciência muito antes da greve de fome e de sua morte.
A nossa ditadura também nos apresentava como criminosos comuns. E a quadrilha do Berlusconi faz o mesmo com o Cesare.
Daí minha indignação contra companheiros de esquerda que estão utilizando ficções convenientes para justificar um crime e uma terrível lambança.
Compensaria mais Cuba libertar mil igual ao Zapata do que fornecer um trunfo tão valioso aos reacionários.
E se continuarmos abonando suas mentiras, morrerá outro, causando mais estrago ainda.
Quem age com má fé (e, neste caso, também burrice...) quase sempre colhe resultados catastróficos.
Um abração!
Essa discussão toda sobre Cuba é conveniente para a direita e para os que querem uma mudança no Brasil a moda hondurenha. Enquanto ficamos aqui indagando se Lula disse isso ou aquilo, e nos dividindo, houve hoje um encontro no clube militar bem interessante.
Ives Gandra, um jurista, disse o que os golpistas queriam ouvir: O Brasil caminha em passos largos para o totalitarismo e que o PNDH é copiado da Venezuela, Equador e Bolívia e por aí vai.
Cuba vai continuar existindo com seu regime quer nós queiramos ou não. Se houver alguma mudança vai ser lenta e gradual. Por mais que grupos opositores estejam se organizando a maioria da população, que deve estar ansiosa por mudanças, não parece disposta a fazer uma contra-revolução.
Portanto, isso é uma cortina de fumaça pra que a gente se divida ainda mais por aqui enquanto acontecem reuniões e planejamentos como o de hoje com direito a ampla cobertura midiática numa mostra de que esse ano promete.
Aqui os reacionários não se preocupam com Cuba. A única preocupação é ligar a figura de Lula a de um ditador porque assim fica mais fácil.
Orlando Zapata é o boi de piranha da vez. Mas penso que eles vão precisar de um boi maior.
Wilson,
quem deu trunfo para os inimigos, lamentavelmente, foram os companheiros cubanos, que jamais deveriam ter deixado a situação chegar ao ponto de Zapata morrer; o Marco Aurélio Garcia e o Lula, cujas frases totalmente infelizes foram tudo que a direita precisava para deitar e rolar em cima de nós.
Eu e o Lungarzo estamos apagando o incêndio que outros atearam. É importante que alguém na esquerda não avalize práticas que recebem repúdio universal.
Quanto ao Gandra, já dei uma boa cacetada nele (http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2010/01/folha-faz-mais-nova-provocacao.html) e outras estão a caminho.
Um forte abraço!
Celso, fiquei e continuo decepcionado com a sua postura de cerrar ombros com o império, afinal o Zapata era ou tinha conivencia com os objetivos do império? Recebia ajuda financeira do império? Nesse caso você está de ombros com o império, em troca de quê ? nelc.
O Zapata era um perseguido político, mais nada. Reconhecido como tal pela Anistia Internacional muitos anos antes de sua morte.
A propaganda vem dos dois lados, Norton. E quem erra sempre espalha versões falaciosas para encobrir seu erro.
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