domingo, 19 de julho de 2009

PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA

Tal qual a gripe suína, a praga das telenovelas também nos chegou do México, com "O Direito de Nascer" (1964)

Neste sábado, passei por uma experiência nova na minha vida: fiz um curso para poder batizar minha filhinha.

Foi pitoresco. Primeiramente, por terem dado uma roupagem nova ao que eu pensava que seria apenas uma tediosa aula de catolicismo. Houve debate, uso de power-point, etc.

Achei meio decepcionante que o padre não desse o ar de sua graça, deixando a incumbência para os voluntários da pastoral respectiva. Meio assim como se fôssemos segunda divisão, só merecendo atenções especiais no próprio dia do batismo.

Mas, a senhora que conduziu os trabalhos levava jeito para a coisa. O treinamento de professora ajudou.

Fiquei pasmo ao perceber que, depois de pedir aos participantes, umas 30 pessoas, que falassem um pouco sobre si mesmos, ela começou a chamar cada um para o diálogo... pelo nome!

Em situações análogas, eu seguramente não consigo associar o nome à imagem de 10 pessoas. Sou sempre obrigado a disfarçar, pois sei que cada um acredita ter importância suficiente para merecer um desempenho melhor da minha memória.

Mas, são facetas que nos acompanham desde o início. No primário, já levava mais tempo que os demais para memorizar o nome dos colegas. Talvez como contrapartida por ter memória excelente em outros departamentos.

DA PIEGUICE MEXICANA À LAVAGEM CEREBRAL DA GLOBO - Debateu-se o que está errado no mundo de hoje e o que fazer para melhorá-lo, com cada um tendo oportunidade de proferir frases muito originais sobre Deus, amor, paz, família, etc.

Parece que tudo mudará da água para o vinho se nos comportarmos melhor nas esferas social e familiar.

Foram citadas situações de telenovelas para ilustrar algumas ponderações. Eu, apaixonado pelo cinema desde as matinês do pulgueiro do meu bairro, nunca as suportei.

Quando estreou a chatíssima O Direito de Nascer, importada do México pela então TV Tupi no sintomático ano de 1964, vi metade do primeiro capítulo e concluí: é melodrama arrastado. Desde então, e já lá se vão quatro décadas e meia, nunca precisei alterar minha opinião quanto ao ritmo arrastado e à mediocridade intrínseca (só deixou, em parte, de ser melodrama).

É claro que, visitando pessoas, tive de suportar o que assistiam, então nunca perdi totalmente o contato com as novelas. E também nunca deixei de ser acometido por bocejos, que, por educação, disfarço o melhor que posso.

Pude perceber que, quando o filão passou a ser dominado pela rede Globo, as novelas redefiniram o seu papel: saíram dos clichês melosos/folhetinescos apropriados para pessoas simplórias (escola mexicana) e viraram um reforço da auto-estima para quem vive existências insípidas.

Ou seja, mostram personagens comuns fazendo coisas comuns e vivendo situações comuns, como se isso fosse importante.

Deixaram de destacar o inusitado, o aventureiresco, o genial, aquilo que são e fazem os indivíduos superiores.

Passaram a ser um mero espelho dos telespectadores. Para que estes fiquem iludidos, achando que sua existência banal e insípida não é tão banal e insípida assim. Que a poça de água parada em que o capitalismo os condena a viver é, pelo contrário, um mar grandioso.

TRABALHO ALIENADO, O DOMÍNIO DE SATÃ? - Voltando ao catecismo modernizado de ontem, chamou-me também a atenção que ninguém, absolutamente ninguém, falou sobre aperfeiçoar-se e melhorar como ser humano em sua esfera profissional.

Será que não têm consciência de que a sociedade em que vivem os obriga a utilizarem suas piores aptidões na luta pela sobrevivência?

Ou, o que é mais provável, já não conservam a mínima ilusão quanto a isto, admitindo que, na caça à grana, vale tudo e tudo se justifica?

É uma das acusações mais terríveis que Marx lançava ao capitalismo: de ter aniquilado a possibilidade do trabalhador realizar-se com seu trabalho.

O artesão medieval enxergava-se naquilo que produzia. Seu talento e sua sensibilidade estavam incorporados aos frutos do seu labor. Cada um deles tinha uma maneira própria, diferente, de fazer as mesmas coisas (móveis, objetos).

Essa mentalidade sobreviveu durante as primeiras etapas do capitalismo, pelo menos fora do ambiente das grandes fábricas -- nas quais a produção em série já tornava o proletário totalmente alienado do produto final, em que nada via de realmente seu. O grande cineasta René Clair, depois plagiado por Charlie Chaplin (Tempos Modernos, 1936), fez uma crítica devastadora das linhas de montagem, em A Nós, A liberdade (1931).

Lembro-me do meu avô, pequeno fabricante de móveis, depois de um dia estafante, recusando uma mesinha de jogo já embalada e pronta para zarpar. Quando terminava o expediente dos funcionários, o dele continuava, saindo com sua kombi para fazer as entregas.

Mesmo assim, não aceitou que a mercadoria seguisse com um risquinho que provavelmente passaria despercebido ao cliente. Disse, aludindo ao fato de que a empresa levava o sobrenome da família: "Esta mesa tem meu nome. E meu nome não circula riscado por aí".

Ahora, no más. São raríssimos os profissionais que têm orgulho e verdadeiro zelo em relação ao que fazem. A imensa maioria só quer ganhar logo a grana para poder ir fazer aquilo de que realmente gosta. O trabalho, mais do que nunca, virou castigo bíblico, a canga que se suporta para sobreviver.

Ou, simplificando o que disse o filósofo Norman O. Brown: nos desempenhos profissionais, pertencemos inteiramente ao diabo (para ele, sinônimo do capitalismo).

O que ainda temos de Deus dentro de nós, só pode aflorar, esporadicamente, nas esferas social, familiar e amorosa.

5 comentários:

Anônimo disse...

Celso, não sei quantos anos possui sua filinha, mas deixe que ela cresça, tome consciência e deixe que ela faça as escolhas dela sobre religião, não que eu ache que uns pingos de água na cabeça de uma criança mudará alguma coisa em relação a sua existência como católica, mas isso é apenas não e bom e quando crescer ela se sentir compelida a outra religião, se sentirá presa pelo catolicismo.

celsolungaretti disse...

A Laurinha está com um ano e dois meses. Como o batizado é muito importante para meus sogros, não vejo motivo para negar-lhes isto.

Mais adiante, espero que ela faça suas escolhas em tudo, inclusive política. Torcendo para que se torne uma mulher justa e solidária.

É complicado. Um grande amigo meu deixou seu filho com a esposa, na separação, e depois constatou que estava virando um bunda-mole obeso.

Assumiu a educação do menino e tornou-o um forte, um vencedor.

Mas, certo dia se lamentou comigo que pretendia algo mais do filho, além de que se tornasse um bom ganhador de dinheiro: queria que ele tivesse também interesse pelo destino das outras pessoas, alguma sensibilidade social.

Enfim, as escolhas quem faz mesmo são nossos filhos. Nós devemos dar-lhes bons subsídios, um quadro honesto das opções existentes e apoiá-los, sem nunca tirar-lhes o direito de escolha... creio.

Gabriel disse...

Engraçado. Fico pensando se a mulher com quem for casar quiser essa história de igreja (e não poder ser dissuadida da idéia). Ouvir que falta Deus no coração das pessoas, da família. Sou meio Caeiro nessas horas: se queres falar da montanha, chame-a de montanha, e assim o mar deve ser mar, os campos são os campos e assim por diante.

Talvez a igreja pudesse falar mais com as pessoas se largasse um pouco dos dogmas e se voltasse, especialmente, para a discussão dos valores.

celsolungaretti disse...

Prezado Gabriel,

o velho materialismo histórico nos ensina que, quando existe uma função a ser cumprida, existem sempre os que a cumprem.

Então, a demanda de religiosidade do povo terá de ser preenchida por alguém, até que o povo se decida a criar seu paraíso na Terra, ao invés de se consolar com paraísos etéreos. E isto, infelizmente, não acontecerá tão cedo.

O catolicismo se tornou mal menor, neste tempo em que escroques se organizam para explorar a fé popular, incidindo em estelionato e curandeirismo, além de utilizarem lavagem cerebral para retirar de suas vítimas o livre arbítrio.

Ademais, à maneira nazista, inventaram um Bicho-Papão contra o qual unem seu rebanho, estimulando a intolerância e incentivando vandalismo contra outros cultos.

Então, neste momento, não vejo sentido em antagonizarmos qualquer religião que seja realmente religião.

Devemos reservar nossa munição contra o inimigo maior: as organizações criminosas que se mascaram de religiões para arrancar até o último centavo de indivíduos fragilizados.

Um forte abraço!

Anônimo disse...

Aqui na Bahia a igreja católica ainda é muito parecida com o que Marx descreveu no passado: o ópio do povo.

Ontem, contribuiu com a escravidão negra de forma avassaladora; hoje é omissa quando a Igreja Universal de Edir Macedo tenta destruir as religiões de origem africana, que têm um respeito grande pelo catolicismo.

Ismar C. de Souza

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