sábado, 4 de julho de 2009

DUAS VISÕES REVOLUCIONÁRIAS

Rosa Luxemburgo: "A verdade é revolucionária".



Caro Lungaretti

Volto a insistir, não podemos exigir dos outros, aquilo que não podem oferecer. Você está sendo muito rigoroso com esse cidadão que sofreu um golpe de Estado no estilo clássico e que está reagindo de forma corajosa e levando de roldão para a condenação do golpe militar acontecido em Honduras meio mundo (ou mundo inteiro para ser mais exato). Vi agora pela Telesur uma grande manifestação de apoio a Zelaya na chegada do Sr. Insulsa, representante da OEA. Vi milhares de pessoas gritando o nome de Zelaya e pedindo o seu retorno imediato para assumir a presidência do país - mesmo o país estando em Estado de Sítio e o povo sofrendo forte repressão policial. Também não podemos exigir muito desse sofrido povo para que seja muito combativo e enfrente o poderoso e armado exército usando apenas paus e pedras - pois Honduras esteve (e está ainda) sob controle da direita durante décadas (com forte influencia da CIA e Pentágono) e todos nesse país estão afetados ideologicamente.

Isso é pouco para você? Queres mais?

Por que então és tão exigente com Zelaya e condescendente com Lula? Pois esse pela sua história, pelas lutas que realizou no passado poderia ser sim mais combativo e menos conciliador.

Um pouco mais de pragmatismo nas análises não faz mal a ninguém

Um abraço

Jacob David Blinder

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Jacob,

só avestruzes enterram a cabeça na areia. Não invento os fatos, comento-os. Mas, nunca deixo de ser fiel ao que vejo, sinto e avalio. Caso contrário, eu me tornaria um propagandista. O monolitismo da posição única saiu de moda junto com o stalinismo.

Dezenas de presidentes esquerdistas foram derrubados pelos golpes de direita na América Latina. A opção de morrer pelos ideais é exceção irrisória, fazendo-me prezar imensamente os Allendes e Vargas.

Quanto aos que não têm grandeza histórica para fazer o que é certo no momento crucial, quase sempre a conta acaba sendo paga pelo povo. E é isto que mais me revolta.

Volto a 1964: Brizola se dispôs a resistir, João Goulart preferiu desertar do País, aceitando a derrota. Sua fuga desmobilizou de vez o nosso lado e foi a pá de cal na democracia brasileira, condenando-nos a 21 anos de humilhações e atrocidades.

Ficou para o cidadão comum a imagem de que a esquerda não tinha coragem para sangrar por seus ideais. E tanto os que já militavam em 1964 quanto os que viemos depois da rendição sem luta, tivemos de provar o contrário ao povo, para reconquistar seu respeito.

É algo que não leio em livro nenhum, mas era sentido claramente por quase todos nós: a obrigação de provarmos que não éramos iguais aos burocratões covardes.

Imolamo-nos por causa disso. Até alguns de nossos líderes mais importantes expuseram-se demais por causa disso. Muitos continuaram lutando quando já não havia chance de vitória por causa disso.

Então, companheiro, não devemos desculpar tão facilmente a tibieza dos Zelayas.

O certo é que, se ele cumprisse a palavra de voltar na 5ª feira, fosse preso e em seguida libertado por força da pressão internacional, reconquistaria a presidência DE FATO, com moral em alta, para aprofundar o processo que ele mesmo desencadeou.

Deixando a iniciativa para um representante da OEA, corre o risco de ter de aceitar uma solução meia-boca, como a convocação imediata de novas eleições.

E, mesmo que lhe devolvam o poder, ficará a imagem de que foi uma imposição da OEA e da ONU. Voltará enfraquecido, para fingir que governa durante os 200 dias que faltam até a transmissão da faixa.

Se não formos nós a mostrarmos a realidade nua e crua, outros o farão. Então, repito, prefiro ser um jornalista com visão de esquerda do que um propagandista da "única posição aceitável". O stalinismo já era, felizmente.

Abs.

Celso

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Lungaretti,

Todos nós somos propagandistas de uma causa, mesmo quando que dizemos que não somos. Você o é e creio que faz isso muito bem, quando defendes o governo Lula ou que criticas a violação dos direitos humanos do passado e no presente. Eu o sou quando defendo a revolução bolivariana da Venezuela e as mudanças estruturais que ocorrem na AL (que quando elas não estão na medida dos meus desejos)

Não podemos também comparar fatos históricos diferentes ocorridos em épocas passadas com fatos presentes e exigirmos igualdade de atitudes em seus personagens. Brizola foi sim arrojado em sua época e sem dúvida Zelaya o é na atual.

Zelaya um Chefe de Estado do presente agiu dentro da conjuntura do presente e o fez muito bem. Sua atitudes são impecáveis ao seu nível inclusive no uso que faz da mídia mesmo a burguesa. Ninguém duvida que haja desdobramentos quando esse Chefe de Estado e de Governo retornar ao seu país - seja através da clandestinidade ou da ação aberta. E com isso ajudar a incrementar resistência popular que já ocorre. E note que Zelaya é um homem de linha conservadora, pacata como ele próprio diz. E aí podemos tirar outra conclusão que indica o poder dos acontecimentos moldando o homem (ser humano) e o fazendo a cada momento radicalizar suas posições políticas.

Esse é a grande lição que podemos tirar nesse momento de ampla agitação política que ocorre na AL. Nenhum chefe de Estado é igual ao que era em relação ao inicio do seu mandato, desde que ele não seja alienado e tenha um mínimo de bom senso. Isso está ocorrendo com quase todos, que vai de Bachelet no Chile a Cristina Kirchner na Argentina. De Chávez a Evo Morales e indo até Lugo no Paraguai. Sem contar a grande surpresa na AL que é Correa no Equador e Zelaya em Honduras.

E você há de convir que Lula, mudou pouco, continua o mesmo articulador de sempre, muito conservador, limitado e pouco arrojado, pensando apenas na auto denominada governabilidade (a conservadora!!!) e defendendo publicamente figuras nojentas como Sarney e aceitando inclusive apoios espúrios como o de Collor. E isso é lamentável, pois esperava-se mais dele e até mesmo alguma coisa diferente de seus defensores abertos, na qual você é um bom representante.

Enfim criticar os outros é fácil – o difícil mesmo é a auto-avaliação e a autocrítica.

Um abraço

Jacob David Blinder

PS - Os golpistas não vão entregar o poder tão facilmente e tal fato terá desdobramentos que atingirá toda a AL. E já anteciparam afirmando que não querem mais participar da OEA.

* * * * * * *

Blinder,

fale por si. Propagandistas, por dever de ofício, apresentam versões distorcidas dos produtos que estão promovendo: exageram os pontos positivos e omitem, ou minimizam, os negativos.

É bem o que fazia o stalinismo: engrandecia os seus e demonizava os revolucionários discordantes. Falsificava a História, a ponto de maquilar as fotos de acontecimentos gloriosos, apagando a imagem de Trotsky e de outros bolcheviques incompatibilizados com o regime.

Estou nesta estrada desde 1967 e me orgulho de nunca ter escondido a verdade debaixo do tapete por achar que isso favorecia a causa. Num Brasil em que até a esquerda cultiva o hábito do "jeitinho", de aliviar para os amigos, de fazer favores imorais ou amorais para receber a contrapartida adiante, eu sempre procurei agir como era certo e não como era conveniente.

Meus caminhos foram mais difíceis por causa dessa opção? Sem dúvida. Mas, eu não saberia viver de outra maneira. De todas as frases imortais de nossos profetas, aquela com a qual mais me identifiquei foi a de Rosa Luxemburgo: "A verdade é revolucionária".

Então, por mais conveniente que seja omitir a falta de grandeza histórica de Zelaya e o preço que isto acabará custando ao povo hondurenho, eu optarei sempre por relatar os episódios aos meus leitores como eles realmente se passaram. Porque jamais abrirei mão do meu compromisso com a verdade.

Também não pretendo formar fanáticos, mas sim revolucionários conscientes. Então, os meus seguidores sabem muito bem que devemos lutar até o fim para que o poder seja restituído plenamente a Zelaya, seja ou não ele um poltrão.

Não defendemos pessoas, mas sim princípios, como o de que o golpismo é um ovo da serpente que deve ser sempre esmagado. O ator histórico Zelaya pode não ter correspondido ao que esperamos de um líder da causa do povo, mas seu direito de cumprir até o último dia do mandato continua sendo intocável. Somos revolucionários, não torcedores de futebol. Para quem não compreende a diferença, nem vale a pena explicar.

Por último, Blinder: de onde você tirou a estapafúdia idéia de que eu defendo o Lula? No meu blogue você achará mais de uma dezena de artigos em que coloco claramente: do ponto de vista de um revolucionário, o que mais conta na avaliação de qualquer governo é sua política econômica, que, no caso do governo lulista, desde o primeiro dia foi neoliberal.

Se eu considerasse importante a Presidência da República, certamente criticaria Lula todos os dias. Mas, não considero. Para mim, nada mais faz do que gerenciar os interesses capitalistas em território brasileiro.

Já cansei também de falar que aposto todas as minhas fichas na organização autônoma e não-coercitiva dos cidadãos, contra o capitalismo e CONTRA O ESTADO.

Sou totalmente cético em relação à velha estratégia de tomarmos governos pela via democrática, para depois tentarmos tomar o poder pela via golpista e só então agregarmos a maioria dos trabalhadores à revolução. Com isto, o povo começa como OBJETO da revolução, na esperança de que se consiga transformá-lo em SUJEITO adiante... e isto nunca acontece. Terá sempre dirigentes decidindo em seu nome, ao invés de escolher ele próprio seus caminhos.

Acredito que o povo deva ser o sujeito da revolução desde o primeiro momento. E que devamos organizá-lo fora do Estado, não infiltrando-nos no Estado. E tenho reiterado esta convicção num sem-número de artigos.

Daí a pouca importância que dedico a Lula e a tudo que ocorre em Brasília. Pois, como diz o título de um artigo que escrevi nesta semana, NÃO SERÁ EM BRASÍLIA QUE VAI CHEGAR NOSSO CARNAVAL.

Abs.

CELSO

5 comentários:

Anônimo disse...

Celso,

Concordo com o Jacob na questão Honduras - não acho justo espinafrar o Zelaya quando sofre um golpe de Estado clássico, por menos revolucionário que seja o sujeito.

Um abraço,

Luis Henrique

Anônimo disse...

Com respeito aos dois companheiros em questão, todos dois admiraveis e combatentes, acho que o JACOB tem razao em suas colocações sobre Honduras.

Tomando por base a constituição de HONDURAS: 1http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Honduras/hond05.html
1) Diga-nos onde está na Constituição de Honduras que o Exército pode remover o presidente da república ou mesmo que a Justiça tem poder fazê-lo sem autorização prévia do Congresso (note, PRÉVIA) ou processo de impeachment?

Então... Zelaya sofreu um golpe sim, o Povo de Honduras tb. e um golpe que se não lutarmos juntos , complicará todo o cenário da AL e perderemos a oportunidade de fato de avançarmos na luta de liberdade. Juntos somos fortes

Abraços a vcs. dois lamentando o fato que as forças de dois grandes companheiros de luta estejam nesse importante momento em campos antagonicos.

Fernanda Tardin
nandatardin@yahoo.com.br

Anônimo disse...

Não acho que o Lungaretti tenha 'espeinafrado' o Zelaya.

Para mim está clara a posição dele. Contra o golpe, evidentemente, mas ao mesmo tmpo apontando as falhas na posição de Zelaya.
Se ninguém alertar para os erros, a probabilidade que eles se repitam num futura é muito maior.

Dito isso, concordo totalmente com a parte da resposta do Lungaretti sobre o mais importante ser a organização popular e não presidentes, deputados etc.

Luiz Brasileiro disse...

Analiso, em confronto, os artigos de Blinder e de Lungaretti e vejo que os artigos de Celso são mais densos do ponto de vista dos valores e princípios usados na interpretação dos fatos e da ação do Presidente Zelaia.
Celso interpreta os fatos mostrando que se o sujeito não está disposto a pagar o preço pelo que acredita e defende será vergado, intimidado, e obrigado a renunciar ao que acredita.

Celso tem razão, pois firma seu julgamento na liberdade e nos valores que orientam a vida de cada um de nós, donde, por consequência escolhemos também como queremos ser julgados e lembrados.

Blinder merece consideração pela maneira cortês com que defende seus pontos de vista, que considero limitados e por demais lenientes com quem chamou para si uma grande responsabilidade como líder político que ocupou a presidência da República de um país, tal o caso do Presidente Zelaia.

Blinder se equivoca também quando afirma que Celso defende o presidente Lula; equívoco primário pois Celso o considera um neoliberal, um termo sem sentido no Brasil, que nunca teve uma tradição liberal, nem na economia, nem na política, nem nas idéias filosóficas, seja de esquerda seja de direita. A liberdade, e sua defesa, não faz parte da herança de Marx e Lenin, nem da direita herdeira do legado escravocrata.

Em síntese,os textos de Celso nesta questão iluminan defendendo valores e aceitação da responsabilidade por nossos atos, preço que pagaremos se quisermos ser livres, o que põe Celso em contradição com a herança marxista.

William Wollinger Brenuvida disse...

É um debate de dois grandes esquerdistas. Celso leva uma vantagem porque se orienta por um caminho ousado, tortuoso, mas salutar: a verdade deve ser mostrada, e é preciso ser livre, é preciso almejar a liberdade para expor os fatos como eles são. Também escrevi um artigo me manifestando ao lado do povo hondurenho, e mencionando o histórico golpista naquele pequeno país da América Central. Zelaya deveria ter retornado na quinta-feira como anunciou, mesmo correndo o risco de ser preso. Zelaya frustrou-nos. Ele se acovardou esperando uma decisão da OEA. Não concordo com o que se tem na Venezuela, como também não concordarei nunca com Stalin - aquilo nunca foi socialismo. O caminho para o Socialismo se faz com consciência, com amor a humanidade, com luta, e com inteligência. Zelaya nunca será comparado com Alliende, por exemplo. E por último, não vejo que Zelaya seria morto na atual conjuntura do mundo, e das Américas...

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