terça-feira, 1 de maio de 2018

MAIO DE 68: A FORÇA DA REVOLTA

Por Vladimir Safatle
A partir desta semana faz 50 anos que ocorreu o maio de 68. Neste contexto, é relevante lembrar que há várias maneiras de tentar apagar um acontecimento, em especial quando ele é um acontecimento complexo.

A primeira delas é fazer como fizera Raymond Aron e dizer que maio de 68 não ocorreu, que foi uma espécie de grande psicodrama social cujos resultados efetivos serão nulos. Outra maneira, mais utilizada, é criar um pseudo-acontecimento. Por exemplo, quando falamos que maio de 68 foi, principalmente, uma revolução sexual e de costumes.

Pois se trata de uma maneira de transformá-lo em uma espécie de antecâmara para a pretensa liberalização da sociedade e para a integração mais efetiva das aspirações juvenis à sociedade de consumo.

Ou seja, o que se queria era aquilo que nossas sociedades liberais já realizariam naturalmente, no sentido de uma maior liberdade individual e maior poder de decisão pessoal.

No entanto, maio de 68 foi um acontecimento que ainda ressoa hoje, que nos coloca questões por ter permitido a emergência de lutas e desejos que ainda não fomos capazes de realizar.

Neste sentido, ele lembra todos esses acontecimentos reais que, a sua maneira, aparecem cedo demais e acabam por serem repetidos décadas depois, quando menos se espera.

Lembremos como maio de 68 não foi apenas uma revolta estudantil. Tratou-se também da maior greve geral espontânea da história, com a paralisação completa da França e a ocupação viral de fábricas por operários.

Esta greve geral escapa do modelo de reivindicação sindical (aumento de salário, negociação sobre o tempo de trabalho) por incorporar temas como cogestão das empresas, autonomia etc. 

A convergência entre revolta estudantil e greve geral demonstra como o real eixo de maio de 68 encontrava-se na crítica radical à sociedade do trabalho.

O regime de integração social em vigor na Europa, até então baseado no Estado do bem-estar social e na consolidação de um capitalismo de estado, aparecia como um modelo perfeito de gestão social.

A era chamada as 30 gloriosas, marcada por forte crescimento econômico e integração das classes desfavorecidas através da constituição de redes de assistência social, era vendido como um modelo capaz de eliminar conflitos sociais mais radicais.
No entanto, maio de 68 mostrou o contrário: a integração não era perfeita, a adesão aos valores da sociedade do trabalho estava longe de representar um ideal partilhado de autorrealização. O anticapitalismo do movimento era estrutural e virulento. Ou seja, o Estado do bem-estar social não servia para anestesiar conflitos sociais.

Além de uma recusa radical da sociedade do trabalho, maio de 68 representou também a primeira vez que a universidade aparecia como polo fundamental de sedição social. A universidade ocidental, cujo modelo foi criado por Alexandre von Humboldt no começo do século 19, tinha uma função clara de formação de elites e de integração da classe intelectual à condição de funcionário público.

Tratava-se de uma estratégia típica da lógica da Restauração, que visava eliminar os riscos de deriva revolucionária da classe intelectual, como se viu na Revolução Francesa.
No entanto, a universidade havia se transformado em um bastião de revolta, principalmente após a passagem da condição de universidade burguesa à universidade de classes médias.

Lembremos, por exemplo, como em 1900 o número de estudantes nas universidades francesas era de 30 mil. Em 1950, 135 mil e, em 1968, 587 mil. Este reposicionamento da universidade no interior da vida política e social dava a ela uma nova importância.

Tudo isto não poderia ser indiferente em um país como o Brasil, cuja juventude sentia-se particularmente sufocada por uma ditadura que demonstrara não ter dia para acabar.

Por isto, entre nós, maio de 68 ganhará uma dimensão de reorganização da luta contra a ditadura e o totalitarismo que merece uma discussão a parte.

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