sexta-feira, 9 de março de 2018

A LAMBANÇA DO DEOPS, A DESDITA DE LOVECCHIO E UMA IRONIA DO DESTINO

Lovecchio sempre omitiu o papel dos policiais na sua perda
Conforme informei nesta 5ª feira (8), o aposentado Orlando Lovecchio Filho novamente tenta receber uma reparação mais expressiva do Estado brasileiro por haver perdido sua perna em março de 1968, após ser atingido pela bomba que quatro militantes da ALN deixaram para explodir durante a madrugada no estacionamento do Conjunto Nacional, na capital paulista.

Remexendo nos meus arquivos, encontrei este relato do arquiteto Sérgio Ferro (que está vivo e se tornará octogenário em julho), o único dos quatro que conseguiu sobreviver às matanças dos anos de chumbo, explicando quais foram os dois laudos que ele apresentou em juízo quando Lovecchio o processou, exigindo indenização
"No primeiro, feito quando o Sr. Orlando Lovecchio Filho deu entrada no Hospital para tratar seus ferimentos, a cura parece possível. Entretanto ele não pôde receber então tratamentos, pois foi levado para o Deops. Não sei o que passou durante seu interrogatório.  
Quando pôde ser enfim tratado, o segundo laudo, feito então, declara que sua perna havia gangrenado, tornando a amputação inevitável. 
Sérgio Ferro trouxe à tona a conduta inadmissível do Deops
Sem que eu negue minha responsabilidade quanto a seu ferimento – o que pesa em mim ha 40 anos – penso que sua amputação o faz também vitima do poder de então".
É possível que os agentes da repressão, depois de o arrancarem das mãos dos médicos em função da suspeita infundada de que ele fosse um carbonário atingido pela própria bomba, comprometendo de forma irremediável a possibilidade de salvação de sua perna, o tenham ameaçado com retaliações caso revelasse a verdade. Era sempre assim que eles agiam quando cometiam tais lambanças.

É possível que, mais tarde, Lovecchio haja tido vergonha de reconhecer que se vergara a tal intimidação. Ou, talvez, ele tenha optado pelo lado mais forte por sincera convicção política, sabe-se lá... 

O certo é que ele está prestes a completar 50 anos de acusações monocórdias aos antigos resistentes. E a imprensa burguesa, durante todo esse tempo, sempre empurrou para debaixo do tapete a verdade: a ALN não tinha intenção nenhuma de ferir um civil, mas os policiais do Deops conheciam muito bem o risco a que o estavam expondo ao interromperem o seu atendimento médico com um murro na mesa.
Lovecchio sendo citado no blog Resistência Militar
Repito que a reparação mais vultosa que ele busca é justa, tomara que finalmente a obtenha.

Mas, Lovecchio foi injusto com os que lutavam em condições de extrema inferioridade de forças contra uma ditadura assassina e, ao tomar o partido  dos principais responsáveis por sua desgraça, ele paradoxalmente abriu mão do melhor motivo jurídico de que dispunha para reivindicar indenização de maior monta. Uma ironia do destino.

Por último, eis artigos relevantes que escrevi sobre este mesmo assunto em março/abril de 2008, quando o Elio Gaspari foi buscar lã e saiu tosquiado, tendo até de indenizar a companheira Dulce Maia por acusação infundada: 1, 2 e 3.

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