domingo, 21 de janeiro de 2018

UMA OBRA-PRIMA DO MESTRE SERGIO LEONE: "ERA UMA VEZ A REVOLUÇÃO"

Se você estranhou o título deste post, tem toda razão: não existe no Brasil um filme intitulado Era uma vez a revolução.

Mas, se dependesse do magistral diretor italiano Sergio Leone, esta seria, em todos os países, a denominação da segunda obra da trilogia iniciada por Era uma vez no Oeste (1968) e encerrada com Era uma vez na América (1984).

Por razões que a própria razão desconhece –mas a indústria cultural conhece muito bem!–, o Once upon a time the revolution virou Duck You Sucker ou A Fistful of Dynamite nos EUA, Giù la testa na Itália e Quando explode a vingança no Brasil. Só os franceses respeitaram a vontade do criador: Il était une fois la révolution.

O que fez certo sentido, se levarmos em conta a intenção de Leone, de sempre atingir o grande público (oferecendo-lhe, contudo, algo além do mero entretenimento). Mas, para que lograsse o intento de atingir todo e qualquer público, era imprescindível evitar que o filme fosse proibido pelas ditaduras do 3º mundo e boicotado pelas empresas distribuidoras no 1º mundo.  Revolução  no título certamente atrairia atenções indesejáveis. Vai daí que...

Além do artesanato impecável de imagens e de músicas que se completavam às mil maravilhas, dos enquadramentos inovadores (com closes tão extremos que evidenciavam até as menores rugas de um Charles Bronson) e das atuações soberbas de atores que não tinham ainda recebido o merecido reconhecimento (foi ele quem projetou Clint Eastwood, p. ex.), Leone se destacava por embutir nos seus filmes mensagens e discussões as mais importantes e necessárias, mas que dificilmente tinham guarida no cinema dito comercial.

Era como um bolo em camadas: os espectadores medianos tinham ação de sobra para satisfazerem-se, enquanto os mais sofisticados captavam conteúdos como o antibelicismo de Três homens em conflito, o repúdio ao capitalismo monopolista em Era uma vez na América, etc.

Em Quando explode a vingança, o fio condutor é a amizade improvável entre um bandido mexicano que, ajudado por sua filharada, quer realizar um um grande assalto a banco (Rod Steiger) e um ex-militante do IRA que, foragido do seu país, ganha a vida como dinamitador a serviço da mineração (James Coburn).
Leone saúda os anônimos homens do povo como os verdadeiros heróis das revoluções, contrapondo-os aos líderes que acabam sempre traindo a causa –tanto no México (o médico interpretado por Romolo Valli) quanto na Irlanda (o dirigente do IRA, papel confiado ao ator neozelandês David Warbeck).

É uma produção de 1971, quando os dois maiores partidos comunistas do ocidente vinham de decepcionar terrivelmente os esquerdistas autênticos, seja voltando as costas aos movimentos de 1968 (o PC italiano), seja somando forças com o governo burguês para salvá-lo dos jovens rebeldes, ajudando a abortar uma revolução que já estava nas ruas (o PC francês).

O desencanto com tais traições impregna o filme, que parece também lançar um alerta de que as Brigadas Vermelhas e congêneres marchavam para um destino trágico.

Um detalhe significativo  é Leone ter mostrado de forma totalmente desumanizada o comandante das forças contra-revolucionárias (Antoine Saint-John), a ponto de ele não proferir uma única palavra.

É visto escovando repulsivamente os dentes, chupando um ovo, olhando pelo binóculo. Leone não lhe concede sequer a dignidade da fala para, de sua forma sutil, expressar o desprezo absoluto que sentia pela direita troglodita e seus jagunços fardados.

Outra grande sacada do mestre italiano é ressaltar que a História nunca fixa a versão correta dos fatos. A frase que o irlandês sempre repete, sobre "os grandes e gloriosos heróis da revolução" (aludindo a quem, na verdade, não o era), constitui-se num primor de sarcasmo.

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