quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A CENSURA VESTE TOGA

Leio no noticiário desta 5ª feira (31) que o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, corrupto com carteirinha assinada que está merecidamente mofando na prisão, foi proibido de conceder entrevistas à imprensa pelo Tribunal Regional Federal do Rio.

Cabral é um exemplar paradigmático da fauna que o jurista Edwin Sutherland catalogou como criminosos do colarinho branco: trata-se de "uma pessoa respeitável, e de alta posição (status) social de Estado", que cometeu crimes "no exercício de suas ocupações". 

Evidentemente, não tenho por ele o mais remoto apreço. Discordo, contudo, de que seja tratado como cão feroz no qual se põe focinheira, pois é o primeiro passo na estrada de sua anulação como indivíduo e como cidadão; o último, claro, será abaterem-no como cão raivoso. Mesmo sendo improvável tamanho retrocesso nos dias de hoje, todo cuidado é pouco num país que passou mais de um terço do século passado sob ditaduras!

E é simplesmente chocante a justificativa do juiz Marcelo Bretas, de que não haveria "interesse público na concessão da entrevista do ora custodiado".

Ora, o verdadeiro interesse público é de que haja transparência nessas situações, caso contrário um prisioneiro poderá estar sendo silenciado apenas e tão somente para não revelar informações melindrosas que detenha. Ditaduras agem assim. O Brasil jogou sua última na lixeira da História, há mais de três décadas.

Quem delegou ao juiz Bretas a função, inexistente à luz da Constituição Brasileira, de censor? Ninguém! É inaceitável que ele se arrogue a decidir que as declarações de Cabral serão contrárias ao interesse público antes mesmo de o prisioneiro proferir uma única palavra. 

Sabe-se lá se tem bola de cristal ou, apenas, autoritarismo entranhado. O que não podemos é admitir o restabelecimento da censura prévia, uma erva daninha que acreditávamos ter extirpado para sempre!

Se é extremamente discutível o tal interesse público a que recorre o magistrado para defender o indefensável, não há dúvida nenhuma de que há interesse do público em conhecer o que Cabral tem a dizer, caso contrário veículos da grande imprensa não o estariam procurando. 

São empresas jornalísticas que conhecem muito bem as regras do jogo e certamente gravarão a entrevista, só colocando-a no ar depois que suas áreas jurídicas passarem um pente fino nas falas de Cabral, excluindo qualquer afirmação que configure incitação ao crime, difamação, calúnia, etc.

Mas, se Cabral for revelar fatos novos que impliquem outros corruptos ou, digamos, alegar ter sido feito de bode expiatório, apontando os verdadeiros responsáveis por delitos a ele imputados, o interesse público não será contemplado calando-o, mas sim permitindo que fale. 

Afinal, o mar de lama que o noticiário nos atira na cara desde 2004 nos leva a suspeitar de tudo e de todos; a mordaça em Cabral necessariamente será interpretado pela maioria das pessoas bem informadas como acobertamento. Duvido que deixar que fale, nas atuais circunstâncias, cause mais danos do que permitir que fale, meritíssimo!

Por último, é patética a alegação do relator do caso, desembargador Abel Gomes, de que a Justiça deva proteger o acusado "contra qualquer forma de sensacionalismo". 

Nem Cabral se tornou, da noite para o dia, um incapaz a ser tutelado, nem cabe a desembargadores decidirem com base em meras suposições. 

Quem lhe garante que o tratamento da entrevista será sensacionalista? Será que ele viu isto na mesma bola de cristal do juiz Bretas?

Censura nunca mais!

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