quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

MÁRIO SOARES (1924-2017): ERA TEMPO DE NOVAS ESPERANÇAS E ELE AINDA NÃO SABIA

Por Luiz Salgado Ribeiro (*)
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Na tarde de 25 de abril de 1974, toda a redação do Estadão levantou-se para saudar, com gritos e palmas, a chegada de Miguel Urbano Rodrigues, líder comunista português, que lá trabalhava como editorialista. 

O motivo para aquela grande alegria era a surpreendente Revolução dos Cravos, que fizera Portugal amanhecer livre de uma ditadura que anoitecera o país desde 1926.

Cessados os aplausos, muita gente foi perguntar ao Miguel se ele tinha tido algum sinal de que a revolução iria eclodir. Muito ligado a antigos revolucionários portugueses, Miguel disse que os comunistas não sabiam de qualquer gestação de movimento armado. Também era total a ignorância, por parte dos socialistas, disse.

Depois, em tom de confidência, me chamou para um canto da redação e me mostrou uma carta de letras miudinhas, vinda de Paris e recebida pelo  editorialista ao sair do prédio onde morava, a caminho da redação. A carta era de Mário Soares, adversário político de Miguel Urbano, mas irmanado a ele pelos ideais de  derrubar a ditadura salazarista e pelas agruras que ambos sofriam como exilados.

Lembro-me muito bem da carta, porque ela me emociona até hoje. Mário Soares se confessava completamente desesperançado de poder viver numa pátria democrática. Dizia já estar atravessando a meia idade (à época, tinha 52 anos) e já estava cansado de esperar a queda da ditadura, ideal pelo qual lutava desde sua adolescência.

Achei uma grande ironia ver Mario Soares expressar-se com palavras tão amargas, justamente no momento em que multidões enchiam praças lusitanas para pular e cantar Grândola, vila morena, a música de Zeca Afonso que tinha servido como senha da revolução.

O episódio me ensinou que nunca é tarde para se ter esperanças e para continuar lutando por aquilo em que se acredita. 

Mário Soares não só voltou triunfalmente ao seu Portugal democratizado, como governou seu país por três vezes como primeiro-ministro e duas como presidente da República. 

Miguel Urbano também voltou a Lisboa para dirigir o jornal do Partido Comunista, retomando suas brigas com o líder socialista, interrompidas apenas enquanto ambos estavam exilados.

Agora, aos 92 anos, Mario Soares encerra sua carreira política e deixa ao mundo o grande exemplo de um estadista admirado e respeitado por todos.
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* Em sua longa e vitoriosa carreira jornalística, Luiz Salgado Ribeiro trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo, Agência Estado, Folha de São Paulo, Correio Braziliense, Jornal de Brasília e Tribuna do Norte, além de serviços de imprensa governamentais. É autor de Andanças: histórias de um jornalista à moda antiga (Primavera Editorial, 2010, 320p)

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