terça-feira, 19 de abril de 2016

O TORTURADOR BRILHANTE USTRA E A BANALIDADE DO MAL

Para minha surpresa, houve uma avalanche de visitas a este blogue por parte de internautas que, depois da performance canastrônica de Jair Bolsonaro no domingo do impeachment, queriam saber quem foi, afinal, o militar Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Fiquei espantado por tantos desconhecerem uma figura tão emblemática dos anos de chumbo e que morreu há tão somente seis meses, quando muito se publicou e falou sobre sua trajetória inglória.

Escrevi constantemente sobre ele no passado, quando teimava em convencer o mundo de que o DOI-Codi não passava de uma inofensiva colônia de férias para adultos rebeldes.

Depois, conforme a idade e a doença se fizeram sentir, minando as energias com que travava o mau combate, eu o fui deixando de lado. Não sou de bater em cachorro morto, ou quase.

Quando faleceu, aos 83 anos mal vividos, não tive sequer vontade de noticiar o acontecimento. Valeria a pena desperdiçar meu tempo com personagem tão medíocre? Tudo que havia para ser dito, já não o teria sido por Hannah Arendt ao discorrer sobre a banalidade do mal?

O velho e bom arquivo me socorreu. Repassando antigos textos, encontrei um de 2006, no qual fiz uma espécie de epitáfio precoce do Brilhante Ustra, colocando-o no lugar que merecia: um mero pau mandado da bestialidade, tão obtuso que acreditava estar servindo a pátria ao cumprir as ordens mais hediondas. 

Vale a pena reproduzi-lo aqui.

OS MOTIVOS DO TORTURADOR

Embora seja impossível simpatizar com os motivos de um Brilhante Ustra ou, sequer, aceitá-los, eu compreendo muito bem o que o leva a sentir-se traído e injustiçado.

Ao comandar o DOI-Codi, ele fez exatamente o que dele esperava o Exército: combateu o inimigo por todos os meios a seu dispor, sem importar-se com os direitos humanos, as convenções de Genebra e outras perfurmarias. Saiu-se vitorioso e foi aclamado por seus pares.

Veio a redemocratização e ele passou a ser estigmatizado como um monstro... sozinho! Levou merecidamente a culpa por tudo aquilo que seus comandados fizeram. Mas, ninguém se lembrou de cobrar de seus superiores a responsabilidade maior que tiveram nas atrocidades perpetradas pelo DOI-Codi durante os anos de chumbo. As conveniências políticas falaram mais alto do que o senso de justiça.

Se fosse um homem de princípios, Brilhante Ustra se rebelaria contra aqueles que lhe ordenaram que cometesse crimes contra a humanidade e depois se puseram a salvo, não carregando juntos com ele o fardo do opróbrio. 

Mas, de quem fez o que ele fez durante 1970/1974 só poderia esperar-se o caminho tortuoso que preferiu trilhar: tentar convencer o Brasil inteiro de que as vítimas é que eram os algozes e ele, um pobre coitado sem culpa nenhuma no cartório.

Seus dois livros repulsivos, entretanto, atraíram contra ele a ira dos justos. Porque são montados a partir das informações arrancadas dos prisioneiros mediante as torturas mais cruéis, seja no próprio DOI-Codi, seja nos aparelhos clandestinos da repressão, de onde não se saia vivo. Era muita impudência utilizar o espólio de sua ignomínia para tentar justificar-se. 

Então, eis Brilhante Ustra, mais do que nunca, sendo visto pelos brasileiros como o torturador-símbolo da ditadura militar.

Mas, não serei tão injusto com ele como ele sempre foi com os outros: afirmo, e assino embaixo, que seus superiores tiveram culpa ainda maior pelas práticas desumanas e desonrosas do DOI-Codi, nessa que foi uma das páginas mais vergonhosas da História do Brasil.

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