segunda-feira, 11 de abril de 2016

DALTON ROSADO: "O ETHOS REPUBLICANO".

Ultimamente se tem usado a expressão procedimento republicano para ações dos poderes governamentais (executivo, legislativo e judiciário) como referência de boas ações supostamente isonômicas, ou seja, dentro de um padrão de suposta igualdade, isenção e qualidades éticas respeitosas da lei. 

Assim, o agir republicano passou a ser sinônimo de correção dos atos estatais em suposto benefício de todos. Esquerda e direita, idênticas dentro e fora do poder, e profissionais, referem-se a tal comportamento como algo inquestionavelmente bom. 

Contudo, nada existe de mais inconsistente que o conceito de que “ser republicano é ser correto”.
  
A postura republicana traz consigo um ethos constitutivo negativo na essência, o qual é considerado, equivocadamente, como sinônimo de correção para comportamentos; é a referência do que se supõe ser politicamente correto

Ora, o politicamente correto já merece ser questionado quanto aos seus próprios valores (a lei é injusta porque decorre de um padrão de relação social injusto na sua essência constitutiva, e apenas a legitima), e é o próprio conteúdo do agir republicano aquilo que deve ser criticado por ter como função precípua regulamentar coercitivamente a vida capitalista, segregacionista por sua natureza. 

A razão iluminista republicana, falaciosamente promotora da igualdade, da liberdade e fraternidade, sempre contrariou empiricamente aquilo a que se propunha defender. Não é o desvirtuamento dos bons valores republicanos a causa da crise econômica, social, ética, moral e ecológica aquilo que está a solapar a vida em todos os seus termos, mas a sua essência contraditória e excludente que se expressa na empiria da sua insustentabilidade político-econômica.

Como defesa, alguém pode invocar o caráter civilizatório da ordem republicana que sustenta o capitalismo (aliás, Marx o reconheceu criticamente – Grundrisse, pág. 334, Editora Boitempo, 2011). 

Isso realmente existiu se compararmos seu nível de produção com todos os anteriores que se cingiram a desenvolvimentos regionalizados, uma vez que o capitalismo, na sua necessidade de expansão contínua atingiu todas as fronteiras territoriais mundiais e impulsionou o saber tecnológico como decorrência dessa necessidade. Mas o fez negativamente, como nas guerras, nas quais o desenvolvimento do saber é impulsionado pela necessidade de matar ou de se defender da morte. 

A ordem republicana capitalista é destrutiva, pois predatória e excludente, e quando esbarra no seu limite existencial, como agora ocorre, além de infelicitar a todos, expõe as vísceras da sua hipócrita isonomia; rememora o seu histórico itinerário de sangue (que é muito atual); e a barbárie e a destruição ecológica dela decorrente. 

A recorrente referência ao agir republicano como sinônimo de correção de atitudes corresponde exatamente ao seu contrário, ou seja, à necessidade da reiterada afirmação de um modelo que se decompõe a olhos vistos. 

O capitalismo, agora em fase de exaustão como consequência do seu limite interno absoluto de expansão e contradições endógenas, além de intensificar a corrupção, nega direitos básicos anteriormente conquistados e os governantes justificam as suas medidas restritivas de direitos com um constrangido "sou obrigado a fazer", na tentativa de manutenção do sistema que definha.  

Aí a postura republicana, longe de ser referência real de correção e virtude, desmascara-se. O poder republicano, enquanto instrumento institucional com função auxiliar de regulação e sustentação capitalista apodrece de modo imanente por relação com o conteúdo intrínseco daquilo a que serve: o capitalismo. (por Dalton Rosado)  

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