José Maria Eymael, que concorre à Presidência da República pelo nanico PSDC, aparece em pequena entrevista-desobrigação na Folha de S. Paulo desta 6ª feira, 19 (vide aqui).
Fico imaginando que a repórter Lígia Mesquita, ao desperdiçar seu tempo com um assunto que atrairá pouquíssimos leitores, deve ter-se sentido como eu, quando O Estado de S. Paulo me incumbiu de entrevistar o último colocado dos 22 disputantes da eleição presidencial de 1989, um tal Armando Costa da Silva, que obteve o assombro de 4.363 votos (0,01%). Não sei quem ficou mais constrangido com o papel obrigado a representar, se ele ou eu. Senti-me como se estivesse carregando o caixão de um defunto... ainda vivo.
Mas, não é disto que quero falar, e sim de Eymael, meu primeiro patrão, aos 21 anos de idade. Antes, só bicos. Lá pelos 15 anos, perdi algumas semanas tentando achar lojas que encomendassem os móveis fabricados pelo meu avô, até perceber que os dois vendedores de verdade já tinham conquistado todos os clientes que valiam a pena. E passara uns tempos somando, com uma calculadora digna de museu, as horas trabalhadas pelos funcionários de uma indústria têxtil, para que fosse fechada a folha de pagamento.
Engajara-me muito jovem luta contra a ditadura, estivera preso e, quando chegou a hora de juntar os cacos, em péssimas condições psicológicas, acabei encontrando um sonho menor que me deu forças para seguir vivendo. O substituto então possível do sonho maior detonado a ferro e fogo foi uma comunidade alternativa no Jardim Bonfiglioli, próxima à USP. Corria o ano da graça de 1972.
De início, os amigos que me convidaram estavam empregados e as despesas corriam por conta deles. Mas, foram quase simultaneamente para a rua da amargura. Dei uma pesquisada nos anúncios de vagas e, com sorte de principiante, consegui ser admitido logo na primeira tentativa, a empresa Grunase (Grupo Nacional de Serviços), que pertencia ao Eymael e tinha como diretor no RS um irmão dele.
'Vitória' igual, só a do general Custer em Little Bighorn... |
Peguei depressa o jeitão da coisa: escrever press-releases com as características e o tamanho apropriado para os colunistas e seções aos quais eram encaminhados, facilitando seu aproveitamento sem necessidade de reescreverem o texto. Um pé no saco, claro, mas já comecei ganhando o suficiente para arcar sozinho com o aluguel do casarão no qual morávamos, e ainda sobrava um terço para outras despesas.
Cumpria jornada de oito horas diárias, coincidentes com o período (matutino) no qual deveria estar cursando a USP. Mesmo assim, a Grunase conseguiu registrar-me como estagiário, por meio do Centro de Integração Empresa-Escola, a fim de arcar com menos encargos sociais.
Certa vez o Eymael reuniu nossa equipe de quatro redatores, um repórter e um divulgador para ouvirmos um interminável blablablá de emulação, culminando com a ordem de darmos as mãos e gritarmos: "Nós confiamos na Grunase!". Ficamos todos vermelhos como pimentão. Depois da saia justa, não tínhamos nem coragem de olhar uns na cara dos outros.
Ele era um poço de vaidade. Nosso colega Jairo, que fazia os contatos com jornalistas, foi incumbido noutra ocasião de avisar toda a imprensa que o mano gaúcho estava em São Paulo para uma reunião de alto nível. O Eymael, pateticamente, acreditava que o colóquio familiar seria uma pauta interessante para os colunistas sociais e de economia, "parem as rotativas!"...
As diretoras dos departamentos de Relações Públicas e de Congressos e Convenções competiam pelo reconhecimento do chefão. Então, tendo de divulgar um evento da outra, a primeira supôs que uma boa forma de sabotá-lo seria destacar seu profissional mais inexperiente: eu.
Tratava-se do primeiro seminário médico importante sobre o câncer da mama, uma doença que até então não chamara muita atenção no Brasil. Enquanto seis colegas da outra divisão tiravam de letra as tarefas organizativas, fiquei sozinho acompanhando o que acontecia nos vários painéis simultâneos, escrevendo notícias, datilografando-as, saindo para xerocá-las, envelopando-as, atendendo jornalistas, etc. Era trabalho para umas três pessoas. Aos trancos e barrancos, fiz tudo.
Este não caça marajás; prefere monstros. |
E dei sorte: o ministro da Saúde, na abertura, apresentou dados assustadores sobre a progressão da moléstia no País, provando que se tratava de um grave e quase ignorado problema de saúde pública. Mas, ao invés de vir com várias cópias para distribuição, trouxe apenas o texto que leu, com correções e tudo.
Intuindo que aquilo valia ouro, pedi ao presidente do congresso que convencesse o ministro a ceder-nos seu paper; bolei um abre de umas 20 linhas, reproduzi a íntegra do discurso e despachei em todas as direções possíveis.
A notícia saiu com destaque no Brasil inteiro, chegando a ser manchete do dia em vários veículos importantes. A pasta de recortes resultante acabou sendo a melhor, qualitativa e quantitativamente, de todas que a Grunase tinha para exibir.
Minha diretora me recebeu com honras de herói, como se meu sucesso se devesse a ela. A vitória tem sempre muitos pais (e mães), enquanto a derrota é órfã...
Logo em seguida ela brigou com o Eymael e deixou a empresa. Este, verificando as contas do evento, chamou-me para perguntar por que copiara os textos numa papelaria, ao invés de utilizar os (demorados) serviços do hotel que sediou o encontro. Certamente, ele pouparia alguns tostões se eu tivesse obedecido as ordens, comprometendo, en passant, todos os prazos para o aproveitamento das notícias por parte dos veículos.
Depois de eu ter-lhe proporcionado um trunfo inestimável para atrair e convencer novos clientes, o grande empresário vinha me aporrinhar com ninharias! Pedi a conta no ato. E não fiquei nem uma semana desempregado, pois um concorrente dele soube dar valor a quem tirara leite de pedra.
Nunca mais meu caminho cruzou com o do Ey-Ey-Eymael-um-democrata-cristão. Ainda bem!
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