O
advogado Alberto de Oliveira Piovesan solicitou ao presidente do
Senado, José Sarney, que instaure processo de impeachment contra o
ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, "com base na Lei nº
1079, de 10 de abril de 1950, (...) eis que (...) há indícios de
incidência do item 5 do artigo 39 da referida lei". Ou seja, Piovesan
alega que Mendes procedeu "de modo incompatível com a honra, dignidade e
decôro de suas funções".
A íntegra do pedido de impeachment pode ser acessada aqui.
E quem quiser ser signatário de um abaixo-assinado apoiando a atitude do corajoso advogado, deve clicar aqui.
A íntegra do pedido de impeachment pode ser acessada aqui.
E quem quiser ser signatário de um abaixo-assinado apoiando a atitude do corajoso advogado, deve clicar aqui.
Para mais detalhes sobre a
trajetória de Mendes, recomendo a artigo com que lhe dei o bota-fora
quando deixava a presidência do STF sob rasgados elogios da Folha e do Estadão: Lá se vai o sujeito de toga, sob o desdém dos sujeitos na esquina (vide aqui).
Piovesan fundamentou o pedido, principalmente:
Piovesan fundamentou o pedido, principalmente:
- em "depoimento público do jurista Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, datado de 9 de novembro de 2010, inserido no site 'Observatório da Imprensa', onde afirma ter havido empenho e parcialidade do ministro Gilmar Ferreira Mendes ao julgar aspecto da chamada 'Lei da Ficha Limpa', de modo a beneficiar pessoa com quem tem ligação antiga [Jader Barbalho], e até induzindo a imprensa a publicar fatos não verdadeiros relacionados à referida lei" (o artigo de Dallari está aqui)
- e nas informações sobre Mendes constantes numa longa reportagem sobre o STF que o repórter Luiz Maklouf Carvalho escreveu e a revista Piauí publicou, em duas edições consecutivas, há dois anos. Embora a Piauí restringisse o acesso virtual apenas a seus assinantes, a íntegra pode ser encontrada aqui. Expõe as entranhas da mais alta corte do País, sendo, portanto, leitura das mais instrutivas neste momento em que se julga o mensalão.
"...[as] notícias [...] levantam sérias dúvidas, até que sejam devidamente apurados os fatos em regular processo que só pode correr perante o Senado Federal, sobre a isenção e independência do ministro Gilmar Ferreira Mendes no desempenho de suas funções, dúvidas que fatalmente ocasionam a perda do necessário requisito de neutralidade em qualquer decisão judicial que proferir deve ter e parecer ter".
Como minha contribuição pessoal a tão meritória, necessária e até tardia
iniciativa --há muito eu a vinha sugerindo--, garimpei o que há de mais
relevante sobre Mendes na ótima reportagem da Piauí sobre o STF:
"Outro advogado que atua no Supremo é José Luis de Oliveira Lima, Juca para os amigos. Ele é o patrono do maior e mais famoso processo que tramita na casa – o do mensalão, relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, no qual defende o ex-ministro José Dirceu. No final do ano, na véspera do Natal, em parceria com Márcio Thomaz Bastos, Oliveira Lima conseguiu do ministro Gilmar Mendes uma liminar que tirou da cadeia um dos seus clientes mais conhecidos, o médico Roger Abdelmassih, denunciado por crimes sexuais contra pacientes.
Quatro meses depois, numa segunda-feira de maio, Oliveira Lima homenageou o ministro Gilmar Mendes com um jantar em seu apartamento. 'É o mínimo que ele merece, pela gestão revolucionária que fez no Supremo', explicou Oliveira Lima. Convidou trinta criminalistas, entre os mais prestigiados de São Paulo. Gilmar Mendes foi com a esposa, Guiomar, que discursou. Márcio Thomaz Bastos foi um dos primeiros a se retirar. 'Não vejo nenhum conflito ético em comparecer a esse jantar', me disse Gilmar Mendes. 'Nem eu', afirmou o anfitrião".
"...Gilmar Mendes estava a postos na manhã seguinte, um sábado, dando uma aula no Instituto Brasiliense de Direito Público. O idp é uma faculdade particular que fica numa área de 6 mil metros quadrados da Asa Sul. Ela pertence a três professores: Inocêncio Coelho, Paulo Branco e Gilmar Mendes. 'É tudo perfeitamente constitucional', ele disse, acrescentando que constituiu os advogados Sepúlveda Pertence e Sergio Bermudes a abrir processo contra publicações e jornalistas que afirmaram ou insinuaram o contrário.
Durante a presidência de Gilmar Mendes, Joaquim Falcão, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas, foi juiz-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Um dos casos que lhe caiu nas mãos foi uma representação contra o juiz Ari Ferreira de Queiroz, de Goiânia. O juiz era sócio-proprietário do Instituto de Ensino e Pesquisa Científica, uma escola semelhante à de Gilmar Mendes, embora mais modesta. A representação visava impedir que Queiroz fosse, simultaneamente, juiz e dono de uma faculdade.
Na decisão, Falcão determinou 'o imediato desligamento do magistrado de sua qualidade de sócio-cotista e a desvinculação total da imagem do magistrado e do Instituto'. O juiz Queiroz, de Goiânia, acatou a decisão. Por que Falcão não levou a questão ao plenário do Conselho Nacional de Justiça, presidido por um dos sócios proprietários do Instituto Brasiliense de Direito Público? Porque Falcão achou que Gilmar Mendes teria maioria dos votos a seu favor".
"Minha ideia era viver o ócio com dignidade, só que o Sergio me aperreou”, contou Guiomar...
'Conheço o Sergio há muitos anos, desde que entrei no STF. (...) Quando me viu aposentada, me aperreou. Queria que eu cuidasse da gestão do escritório dele de Brasília... organizei as coisas do meu jeito e resolvi ficar. Ele me paga, líquidos, 14 mil reais por mês. Eu cuido da gestão do escritório. Não advogo, mas talvez venha a advogar.'
Gilmar Mendes e Sergio Bermudes começaram pelo ódio. O primeiro, quando advogado-geral da União, chamou o segundo – renomado professor de direito e dono de respeitada banca cível no Rio – de 'chicanista' em um programa de televisão...
Perguntei a Sergio Bermudes como se haviam reconciliado. (...) Contou que no primeiro encontro que tiveram, ambos palestrantes de um simpósio universitário, cumprimentaram-se como se nada tivesse acontecido. Depois, ele mandou um livro de presente; e Mendes mandou-lhe outro. A raiva virou amizade.
Mendes e Guiomar já se hospedaram nos apartamentos de Sergio Bermudes no Rio, no Morro da Viúva, e em Nova York, na Quinta Avenida. Também usam a sua Mercedes-Benz, com o motorista. Logo depois da solenidade de transferência da presidência do Supremo para Cezar Peluso, Mendes e Guiomar embarcaram em uma viagem de cinco dias a Buenos Aires – presente de Sergio Bermudes, que os acompanhou.
Perguntei a Gilmar Mendes se não cogitara abdicar de julgar os processos do escritório de Sergio Bermudes que tramitam pelo Supremo – são dezenas, e ele é o relator de alguns. 'De jeito nenhum', ele respondeu. 'Nesse caso também teria que me declarar suspeito nos processos do Ives Gandra, que escreveu livros comigo, e de outros advogados que são meus amigos.' Mas nem pelo fato de sua mulher trabalhar no escritório de Bermudes? 'Isso não é motivo', respondeu...'"
"O primeiro palanque no qual Peluso subiu, horas depois de eleito presidente, em 10 de março, foi numa festa do site Consultor Jurídico, o Conjur. O palanque foi montado no salão principal do Supremo para comemorar o lançamento da edição de 2010 do Anuário da Justiça, publicado pelo site e pela Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap. Mendes, Celso de Mello, Toffoli, Britto e Lewandowski estavam no tablado de honra com Peluso.
O Anuário é uma revista grossa que é produzida a um custo de cerca de 400 mil reais, bancados pela Fundação Armando Álvares Penteado. A tiragem é de 20 mil exemplares, dos quais 12 mil são distribuídos pela Faap em gabinetes de ministros, parlamentares, governadores e prefeitos. Ele funciona como um quem-é-quem do Judiciário, entremeado de anúncios de escritórios de advocacia. 'O Anuário dá uma contribuição decisiva para conhecer o Poder Judiciário brasileiro', disse Gilmar Mendes no seu discurso. 'É jornalismo judicial especializado.'
O dono do Conjur e editor do Anuário é o jornalista Márcio Chaer, proprietário também de uma assessoria de imprensa, a Original 123. As empresas estão instaladas numa casa de três andares na Vila Madalena, em São Paulo. O site faz uma cobertura intensa e extensa dos eventos e decisões do Poder Judiciário. Chaer é amigo de Guiomar e Gilmar Mendes. Troca e-mails e telefonemas amiúde com o juiz.
A Faap responde a condenações e processos por crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro. Alguns desses processos estão no Supremo. A pessoa jurídica do Conjur, a Dublê Editorial, também tem processos tramitando no tribunal. 'Não vejo problema nenhum de lançar o Anuário no Supremo', disse Mendes. O primeiro lançamento foi feito em 2007, quando a presidente era a ministra Ellen Gracie. Ela se declara suspeita quando recebe processos que envolvam a Faap. Joaquim Barbosa acha 'um escândalo' que o Anuário seja lançado no Supremo.
O professor de direito Conrado Hübner Mendes, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e autor do livro Controle de Constitucionalidade e Democracia, tem outra opinião: 'O Anuário pode até produzir informações de interesse público, mas não é isso que está em questão. Uma empresa privada não deveria ter o privilégio de ter seu produto promovido dentro do próprio tribunal. A integridade das instituições depende da separação entre o público e o privado.'"
"'...evitamos um namoro explícito com o estado policial. Havia um quadro explosivo que nos levava a um modelo em que a polícia mandava no Ministério Público e em juízes da primeira instância. Era preciso arrostar esses abusos. E eu tive medo de ter medo.'
É aqui que entra o banqueiro Daniel Dantas, alvo da Operação Satiagraha. Mendes mandou soltá-lo duas vezes, concedendo-lhe habeas corpus quando o juiz Fausto de Sanctis quis manter o dono do Opportunity na prisão. Mendes considerou que o juiz, erradamente, se subordinara ao Ministério Público e ao delegado encarregado da investigação, Protógenes Queiroz. De Sanctis não quis dar entrevista a respeito: Por impedimento legal não posso falar de fato concreto, as decisões falam por si, disse-me ele.
Juiz é elemento de controle do inquérito, não é sócio da investigação, afirmou Gilmar Mendes, sobrevoando Salvador. Ele contou os antecedentes de sua primeira decisão: A Guio me ligou, dizendo que podiam prender até a Andréa Michael, da Folha de S.Paulo. O governo estava de cócoras em relação aos abusos da polícia. Eu tinha que dar um basta naquilo, fosse Daniel Dantas ou fosse qualquer um.' 'Guio' é Guiomar Mendes, esposa do ministro.
Outro risco de estabelecimento de um 'estado policial' surgiu, segundo Mendes, quando a revista Veja publicou uma reportagem sustentando que um telefonema de Mendes com o senador Demóstenes Torres havia sido gravado ilegalmente, e apresentou como evidência a transcrição da conversa. Com a certeza de que fora grampeado por um órgão do Executivo, Mendes ligou para Fernando Henrique Cardoso. Eles são amigos. Nos tempos de Gilmar na presidência, Fernando Henrique entrava pela garagem do Supremo.
'Eu estava numa fazenda', contou Fernando Henrique em São Paulo. 'O Gilmar estava indignado. Disse que ia reagir à altura, chamando às falas o presidente Lula. Eu o incentivei a ir em frente.' Mendes foi. 'Não há mais como descer na escala da degradação institucional', declarou ele à imprensa. 'Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do STF é coisa de regime totalitário. É deplorável, ofensivo, indigno.' No dia seguinte, uma delegação do STF integrada por Mendes, Ayres Britto e Cezar Peluso foi ao Planalto sem ter sido convidada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva os recebeu.
No encontro, os três juízes deram como certo que gente do Executivo bisbilhotava a mais alta corte e o Congresso, e cobraram providências. Enfático, o ministro Franklin Martins, da Comunicação Social, argumentou que a denúncia do grampo não tinha comprovação porque o áudio não aparecera. E disse que o governo não podia ser responsabilizado sem provas. Os ministros mal reconheceram sua interlocução. Lula mais ouviu do que falou. Dias depois, à guisa de reparação, mas sem explicitá-la, determinou que o delegado Paulo Lacerda saísse da chefia da Agência Brasileira de Inteligência".
" [Dalmo de Abreu] Dallari conheceu Gilmar Mendes quando este era advogado-geral da União e auxiliava o ministro Nelson Jobim, da Justiça, em questões indígenas. 'Tive uma péssima impressão dele nas reuniões em que nos encontramos; eu defendendo os índios, e ele desenvolvendo uma argumentação típica de grileiro de luxo, de quem vê o índio como empecilho ao desenvolvimento nacional', disse. 'Depois houve uma denúncia, da revista Época, mostrando que ele, na Advocacia-Geral da União, contratava o seu próprio estabelecimento de ensino para dar cursos a servidores de lá. Para mim, isso é corrupção.'
Em maio de 2002, Dallari publicou na Folha de S.Paulo um artigo, 'Degradação do Judiciário' [vide aqui], com essas e outras acusações. 'Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional', diz um dos trechos. O argumento técnico era que Mendes não tinha reputação ilibada, exigência constitucional para o posto.
Ainda à frente da Advocacia-Geral, Mendes pediu que o procurador-geral da República o defendesse. O procurador entrou com uma ação penal contra Dallari pelos crimes de injúria e difamação. Enquanto o processo tramitava, o Senado aprovou a indicação de Mendes, com quinze votos contrários, de um total de 72, um número bastante alto. O juiz federal Sílvio Luís Ferreira da Rocha sentenciou que o artigo de Dallari se enquadrava no adequado direito de crítica, sem configurar ofensa à honra, e determinou o arquivamento do caso. Mendes não recorreu.
'Não retiro uma vírgula do que escrevi', disse Dallari exibindo a sentença... [e] continua a criticar Mendes: 'A gestão dele como presidente foi muito negativa, com excesso de personalismo. Em busca de autopromoção, agiu como um verdadeiro inquisidor'".
P.S.: infelizmente, o pedido de impeachment era notícia antiga e o inacreditável José Sarney o mandou arquivar em maio de 2011, prestando mais um desserviço às instituições brasileiras. Novo é só o abaixo-assinado.
Embora meu equívoco seja indesculpável, tenho uma atenuante: a digna iniciativa de Piovesan e a medíocre resposta de Sarney deveriam ter recebido da mídia destaque muito maior do que receberam na época. A imprensa está sendo tão omissa no cumprimento do seu papel que até nos confunde...
LIGAÇÕES PERIGOSAS - 1
"Outro advogado que atua no Supremo é José Luis de Oliveira Lima, Juca para os amigos. Ele é o patrono do maior e mais famoso processo que tramita na casa – o do mensalão, relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, no qual defende o ex-ministro José Dirceu. No final do ano, na véspera do Natal, em parceria com Márcio Thomaz Bastos, Oliveira Lima conseguiu do ministro Gilmar Mendes uma liminar que tirou da cadeia um dos seus clientes mais conhecidos, o médico Roger Abdelmassih, denunciado por crimes sexuais contra pacientes.
Quatro meses depois, numa segunda-feira de maio, Oliveira Lima homenageou o ministro Gilmar Mendes com um jantar em seu apartamento. 'É o mínimo que ele merece, pela gestão revolucionária que fez no Supremo', explicou Oliveira Lima. Convidou trinta criminalistas, entre os mais prestigiados de São Paulo. Gilmar Mendes foi com a esposa, Guiomar, que discursou. Márcio Thomaz Bastos foi um dos primeiros a se retirar. 'Não vejo nenhum conflito ético em comparecer a esse jantar', me disse Gilmar Mendes. 'Nem eu', afirmou o anfitrião".
LIGAÇÕES PERIGOSAS - 2
"...Gilmar Mendes estava a postos na manhã seguinte, um sábado, dando uma aula no Instituto Brasiliense de Direito Público. O idp é uma faculdade particular que fica numa área de 6 mil metros quadrados da Asa Sul. Ela pertence a três professores: Inocêncio Coelho, Paulo Branco e Gilmar Mendes. 'É tudo perfeitamente constitucional', ele disse, acrescentando que constituiu os advogados Sepúlveda Pertence e Sergio Bermudes a abrir processo contra publicações e jornalistas que afirmaram ou insinuaram o contrário.
Durante a presidência de Gilmar Mendes, Joaquim Falcão, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas, foi juiz-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Um dos casos que lhe caiu nas mãos foi uma representação contra o juiz Ari Ferreira de Queiroz, de Goiânia. O juiz era sócio-proprietário do Instituto de Ensino e Pesquisa Científica, uma escola semelhante à de Gilmar Mendes, embora mais modesta. A representação visava impedir que Queiroz fosse, simultaneamente, juiz e dono de uma faculdade.
Na decisão, Falcão determinou 'o imediato desligamento do magistrado de sua qualidade de sócio-cotista e a desvinculação total da imagem do magistrado e do Instituto'. O juiz Queiroz, de Goiânia, acatou a decisão. Por que Falcão não levou a questão ao plenário do Conselho Nacional de Justiça, presidido por um dos sócios proprietários do Instituto Brasiliense de Direito Público? Porque Falcão achou que Gilmar Mendes teria maioria dos votos a seu favor".
LIGAÇÕES PERIGOSAS -3
"Minha ideia era viver o ócio com dignidade, só que o Sergio me aperreou”, contou Guiomar...
'Conheço o Sergio há muitos anos, desde que entrei no STF. (...) Quando me viu aposentada, me aperreou. Queria que eu cuidasse da gestão do escritório dele de Brasília... organizei as coisas do meu jeito e resolvi ficar. Ele me paga, líquidos, 14 mil reais por mês. Eu cuido da gestão do escritório. Não advogo, mas talvez venha a advogar.'
Gilmar Mendes e Sergio Bermudes começaram pelo ódio. O primeiro, quando advogado-geral da União, chamou o segundo – renomado professor de direito e dono de respeitada banca cível no Rio – de 'chicanista' em um programa de televisão...
Perguntei a Sergio Bermudes como se haviam reconciliado. (...) Contou que no primeiro encontro que tiveram, ambos palestrantes de um simpósio universitário, cumprimentaram-se como se nada tivesse acontecido. Depois, ele mandou um livro de presente; e Mendes mandou-lhe outro. A raiva virou amizade.
Mendes e Guiomar já se hospedaram nos apartamentos de Sergio Bermudes no Rio, no Morro da Viúva, e em Nova York, na Quinta Avenida. Também usam a sua Mercedes-Benz, com o motorista. Logo depois da solenidade de transferência da presidência do Supremo para Cezar Peluso, Mendes e Guiomar embarcaram em uma viagem de cinco dias a Buenos Aires – presente de Sergio Bermudes, que os acompanhou.
Perguntei a Gilmar Mendes se não cogitara abdicar de julgar os processos do escritório de Sergio Bermudes que tramitam pelo Supremo – são dezenas, e ele é o relator de alguns. 'De jeito nenhum', ele respondeu. 'Nesse caso também teria que me declarar suspeito nos processos do Ives Gandra, que escreveu livros comigo, e de outros advogados que são meus amigos.' Mas nem pelo fato de sua mulher trabalhar no escritório de Bermudes? 'Isso não é motivo', respondeu...'"
LIGAÇÕES PERIGOSAS - 4
"O primeiro palanque no qual Peluso subiu, horas depois de eleito presidente, em 10 de março, foi numa festa do site Consultor Jurídico, o Conjur. O palanque foi montado no salão principal do Supremo para comemorar o lançamento da edição de 2010 do Anuário da Justiça, publicado pelo site e pela Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap. Mendes, Celso de Mello, Toffoli, Britto e Lewandowski estavam no tablado de honra com Peluso.
O Anuário é uma revista grossa que é produzida a um custo de cerca de 400 mil reais, bancados pela Fundação Armando Álvares Penteado. A tiragem é de 20 mil exemplares, dos quais 12 mil são distribuídos pela Faap em gabinetes de ministros, parlamentares, governadores e prefeitos. Ele funciona como um quem-é-quem do Judiciário, entremeado de anúncios de escritórios de advocacia. 'O Anuário dá uma contribuição decisiva para conhecer o Poder Judiciário brasileiro', disse Gilmar Mendes no seu discurso. 'É jornalismo judicial especializado.'
O dono do Conjur e editor do Anuário é o jornalista Márcio Chaer, proprietário também de uma assessoria de imprensa, a Original 123. As empresas estão instaladas numa casa de três andares na Vila Madalena, em São Paulo. O site faz uma cobertura intensa e extensa dos eventos e decisões do Poder Judiciário. Chaer é amigo de Guiomar e Gilmar Mendes. Troca e-mails e telefonemas amiúde com o juiz.
A Faap responde a condenações e processos por crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro. Alguns desses processos estão no Supremo. A pessoa jurídica do Conjur, a Dublê Editorial, também tem processos tramitando no tribunal. 'Não vejo problema nenhum de lançar o Anuário no Supremo', disse Mendes. O primeiro lançamento foi feito em 2007, quando a presidente era a ministra Ellen Gracie. Ela se declara suspeita quando recebe processos que envolvam a Faap. Joaquim Barbosa acha 'um escândalo' que o Anuário seja lançado no Supremo.
O professor de direito Conrado Hübner Mendes, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e autor do livro Controle de Constitucionalidade e Democracia, tem outra opinião: 'O Anuário pode até produzir informações de interesse público, mas não é isso que está em questão. Uma empresa privada não deveria ter o privilégio de ter seu produto promovido dentro do próprio tribunal. A integridade das instituições depende da separação entre o público e o privado.'"
ALÍVIO PARA DANIEL DANTAS
"'...evitamos um namoro explícito com o estado policial. Havia um quadro explosivo que nos levava a um modelo em que a polícia mandava no Ministério Público e em juízes da primeira instância. Era preciso arrostar esses abusos. E eu tive medo de ter medo.'
É aqui que entra o banqueiro Daniel Dantas, alvo da Operação Satiagraha. Mendes mandou soltá-lo duas vezes, concedendo-lhe habeas corpus quando o juiz Fausto de Sanctis quis manter o dono do Opportunity na prisão. Mendes considerou que o juiz, erradamente, se subordinara ao Ministério Público e ao delegado encarregado da investigação, Protógenes Queiroz. De Sanctis não quis dar entrevista a respeito: Por impedimento legal não posso falar de fato concreto, as decisões falam por si, disse-me ele.
Juiz é elemento de controle do inquérito, não é sócio da investigação, afirmou Gilmar Mendes, sobrevoando Salvador. Ele contou os antecedentes de sua primeira decisão: A Guio me ligou, dizendo que podiam prender até a Andréa Michael, da Folha de S.Paulo. O governo estava de cócoras em relação aos abusos da polícia. Eu tinha que dar um basta naquilo, fosse Daniel Dantas ou fosse qualquer um.' 'Guio' é Guiomar Mendes, esposa do ministro.
Outro risco de estabelecimento de um 'estado policial' surgiu, segundo Mendes, quando a revista Veja publicou uma reportagem sustentando que um telefonema de Mendes com o senador Demóstenes Torres havia sido gravado ilegalmente, e apresentou como evidência a transcrição da conversa. Com a certeza de que fora grampeado por um órgão do Executivo, Mendes ligou para Fernando Henrique Cardoso. Eles são amigos. Nos tempos de Gilmar na presidência, Fernando Henrique entrava pela garagem do Supremo.
'Eu estava numa fazenda', contou Fernando Henrique em São Paulo. 'O Gilmar estava indignado. Disse que ia reagir à altura, chamando às falas o presidente Lula. Eu o incentivei a ir em frente.' Mendes foi. 'Não há mais como descer na escala da degradação institucional', declarou ele à imprensa. 'Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do STF é coisa de regime totalitário. É deplorável, ofensivo, indigno.' No dia seguinte, uma delegação do STF integrada por Mendes, Ayres Britto e Cezar Peluso foi ao Planalto sem ter sido convidada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva os recebeu.
No encontro, os três juízes deram como certo que gente do Executivo bisbilhotava a mais alta corte e o Congresso, e cobraram providências. Enfático, o ministro Franklin Martins, da Comunicação Social, argumentou que a denúncia do grampo não tinha comprovação porque o áudio não aparecera. E disse que o governo não podia ser responsabilizado sem provas. Os ministros mal reconheceram sua interlocução. Lula mais ouviu do que falou. Dias depois, à guisa de reparação, mas sem explicitá-la, determinou que o delegado Paulo Lacerda saísse da chefia da Agência Brasileira de Inteligência".
DEGRADAÇÃO DO JUDICIÁRIO
" [Dalmo de Abreu] Dallari conheceu Gilmar Mendes quando este era advogado-geral da União e auxiliava o ministro Nelson Jobim, da Justiça, em questões indígenas. 'Tive uma péssima impressão dele nas reuniões em que nos encontramos; eu defendendo os índios, e ele desenvolvendo uma argumentação típica de grileiro de luxo, de quem vê o índio como empecilho ao desenvolvimento nacional', disse. 'Depois houve uma denúncia, da revista Época, mostrando que ele, na Advocacia-Geral da União, contratava o seu próprio estabelecimento de ensino para dar cursos a servidores de lá. Para mim, isso é corrupção.'
Em maio de 2002, Dallari publicou na Folha de S.Paulo um artigo, 'Degradação do Judiciário' [vide aqui], com essas e outras acusações. 'Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional', diz um dos trechos. O argumento técnico era que Mendes não tinha reputação ilibada, exigência constitucional para o posto.
Ainda à frente da Advocacia-Geral, Mendes pediu que o procurador-geral da República o defendesse. O procurador entrou com uma ação penal contra Dallari pelos crimes de injúria e difamação. Enquanto o processo tramitava, o Senado aprovou a indicação de Mendes, com quinze votos contrários, de um total de 72, um número bastante alto. O juiz federal Sílvio Luís Ferreira da Rocha sentenciou que o artigo de Dallari se enquadrava no adequado direito de crítica, sem configurar ofensa à honra, e determinou o arquivamento do caso. Mendes não recorreu.
'Não retiro uma vírgula do que escrevi', disse Dallari exibindo a sentença... [e] continua a criticar Mendes: 'A gestão dele como presidente foi muito negativa, com excesso de personalismo. Em busca de autopromoção, agiu como um verdadeiro inquisidor'".
P.S.: infelizmente, o pedido de impeachment era notícia antiga e o inacreditável José Sarney o mandou arquivar em maio de 2011, prestando mais um desserviço às instituições brasileiras. Novo é só o abaixo-assinado.
Embora meu equívoco seja indesculpável, tenho uma atenuante: a digna iniciativa de Piovesan e a medíocre resposta de Sarney deveriam ter recebido da mídia destaque muito maior do que receberam na época. A imprensa está sendo tão omissa no cumprimento do seu papel que até nos confunde...
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