sábado, 9 de julho de 2011

VALE A PENA LER DE NOVO: "ISTO É O BRASIL"

Hoje é feriado estadual em São Paulo: foi em 9 de julho de 1932 que os paulistas pegaram em armas contra a ditadura de Getúlio Vargas.

A desigualdade de forças era acentuada, com 35 mil legalistas confrontando 100 mil defensores da tirania -- aos quais, claro, não foi explicado o verdadeiro papel que desempenhavam.

Exortaram-nos a lutar contra o separatismo paulista e outras invencionices, explorando o preconceito que os estados mais pobres nutriam em relação ao industrializado São Paulo. Em tempo de guerra, mentira como terra...

O Partido Comunista Brasileiro também não associou-se à chamada Revolução Constitucionalista, qualificando-a de mera disputa de poder econômico entre setores da burguesia. Para os discípulos de Stalin, direitos constitucionais não passavam de perfumaria (*).

O certo é que a liberdade nunca deu muito ibope no Brasil. Não fosse uma lei que facultou a criação de feriados estaduais, nem mesmo em São Paulo seria reverenciado esse episódio da eterna luta contra o despotismo, que move os melhores seres humanos através dos tempos. Restariam apenas as comemorações melancólicas dos velhinhos remanescentes de 1932.

Pior: os feriados com menos clima de feriado em São Paulo são os da deflagração da Revolução Constitucionalista, o da morte de Tiradentes e o Dia da Consciência Negra, três que têm conteúdo político libertário. As pessoas só se lembram deles como oportunidade para uma esticada até o litoral.

Há quem diga que faltou por aqui uma revolução burguesa. Não chegamos ao capitalismo mediante um enfrentamento com o feudalismo, mas sim com o lento deslocamento da primazia para o pólo mais avançado da economia, sem que o atraso fosse combatido. Os estágios diferentes de desenvolvimento ficaram superpostos e amalgamados.

Ou seja, conciliaram-se os interesses com a partilha de territórios, à maneira dos gangstêres: o capitalismo vicejou no Sul e os resquícios feudais sobreviveram no Norte -- tanto que o último coronel da política brasileira continua ocupando (e conspurcando) a presidência do Senado e, volta e meia, pipocam no noticiário casos de escravidão ainda flagrados no Brasil, em pleno século XXI!

Nem sequer a independência política conquistamos pela via altaneira de um Bolivar, mas sim trocando de amo e senhor: subjugamo-nos economicamente à Inglaterra, que tratou de dissuadir Portugal de qualquer tentativa de restabelecer o jugo colonial. Tiradentes deve ter revirado na cova.

Então, 1932 nada significa para a grande maioria dos brasileiros.

Idem a Força Expedicionária Brasileira, quando nossos compatriotas morreram nos campos de batalha da Europa para ajudarem a dar um fim ao nazifascismo.

E a resistência à ditadura militar de 1964/85 só é reverenciada por alguns contingentes mais esclarecidos da classe média, incluindo formadores de opinião.

A obtusidade dos militares comprometidos com os genocídios e atrocidades dos  anos de chumbo, paradoxalmente, ajuda a manter aqueles episódios deprimentes no noticiário: se disponibilizassem todas as informações e indicassem onde estão os cadáveres sonegados às famílias, reconhecendo seus crimes e pedindo civilizadamente desculpas, a tendência seria o gradual esquecimento.

Isto é o Brasil, que aos dignos, aos justos e aos idealistas sempre traiu...

* este texto já foi publicado em anos anteriores e muito contestado por companheiros que acreditavam, sem saber, em historiadores nem um pouco isentos. 
Como o PCB foi condescendente com a ditadura getulista no seu início -- antes de, num ziguezague tipicamente stalinista, ter tentado tomar o poder com a chamada Intentona de 1935 -- e voltou a sê-lo quando Luiz Carlos Prestes apoiou a volta de Getúlio Vargas ao poder pela via constitucional em 1950, subindo no palanque de um dos principais responsáveis pela morte de Olga Benário --, os historiadores obedientes às diretrizes do  partidão  trataram de denegrir essa luta pela liberdade que nem de longe se reduziu a uma reação de industriais paulistas contrariados em seus interesses. 
 Os cinco estudantes (os MMDC e o que morreu pouco depois) cujo assassinato foi o estopim do movimento armado nada tinham de aristrocratas. Houve também participação idealista da classe média e um sentimento sincero de repúdio à tirania.
Da mesma forma,  na historiografia inspirada pelo PCB omitia-se ou minimizava-se a primeira greve geral brasileira -- ainda por cima, dramática e vitoriosa! --, a de 1917 (foto ao lado), por haver sido liderada pelos anarquistas. Só com o volta em grande estilo do anarquismo à cena política em 1968,  a greve de 1917 passou a ser resgatada por historiadores de uma nova geração, até ter sua enorme importância reconhecida.
Para quem quiser saber mais, recomendo meu artigo Uma ditadura é uma ditadura é uma ditadura.

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