segunda-feira, 16 de maio de 2011

A ENTREVISTA COM CESARE NA "PAPUDA", DOIS ANOS DEPOIS

Faz dois anos que escrevi para o Congresso em Foco um relato da minha primeira e emocionante visita a Cesare Battisti na penitenciária da Papuda (que, para comodidade dos leitores, reproduzo no post seguinte).

Eu havia sido convidado pelo Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti para acompanhar em Brasília a audiência pública com o ex-ministro Tarso Genro, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, sobre o Caso Battisti. Aproveitando o ensejo, iria também ver o Cesare.

O Sylvio Costa, diretor do aguerrido site Congresso em Foco, propôs que eu escrevesse sobre esse nosso primeiro encontro, com ênfase no fato de Cesare e eu termos vários pontos de contato em nossas histórias de vida.

Aceitei com entusiasmo, pensando, principalmente, na repercussão que obteríamos junto aos centros de decisão de Brasília, público-alvo do site.

Pouco antes, o Cesare dissera, numa mensagem a mim repassada pelos companheiros do comitê, que, mesmo havendo um oceano de distância e a diferença de uma década, nossas experiências tinham sido muito parecidas: "Alegrias e misérias, sonhos quebrados, decepções, mas o coração aguenta e os sentimentos se fortalecem, são mais claros".

E o encontro confirmou isto.

Pessoalmente, Battisti se mostrou um sujeito afável e, sem sombra de dúvida, inofensivo. Conheci os  homens de ferro da esquerda e logo deu para perceber claramente que nosso companheiro italiano não era um deles.

Nem eu. Se fosse sincero comigo mesmo, teria reconhecido que a luta armada não era para mim no exato instante em que, participando da equipe precursora para a instalação de uma escola de guerrilhas no Vale do Ribeira (SP), coloquei um animalzinho na minha mira e, vendo-o tão gracioso e inconsciente do perigo, não tive forças para apertar o gatilho.

"Nós sabemos: / o ódio contra a baixeza / também endurece os rostos! / A cólera contra a injustiça / faz a voz ficar rouca!", disse o grande Brecht. Mas, não é bem assim. Os humanistas estão predispostos a sofrerem como vítimas, mas não a matarem como os guerreiros.

Num filme recente sobre Nelson Mandella, atribui-se a ele uma resposta exemplar, a um interlocutor que lhe pergunta se seria capaz de  matar  por seus ideais: "Eu seria capaz de morrer por esses ideais".

Da mesma forma, Battisti e eu somos do tipo dos que morrem por suas causas. Demo-nos mal por iludirmos a nós mesmos, querendo acreditar que fôssemos também capazes de matar. Pagamos um preço bem alto por isso.

De resto, foi emocionante escrever novamente uma matéria jornalística tão complicada, depois de dois anos. A última havia sido aquela em que narrei minha visita à reitoria da USP ocupada pelos estudantes.

A orientação do Congresso em Foco foi de fazer não uma entrevista, mas relatar o encontro de dois personagens com trajetórias de vida similares. Fácil de falar, difícil de fazer.

Mais ainda tendo de levar em conta a rede de difamação da extrema-direita, que certamente me acusaria de cabotinismo (o que já vinha fazendo, aliás, para desqualificar minha atuação como porta-voz do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti).

Então, tinha de colocar meus sentimentos na matéria, mas não a ponto de ofuscar o personagem principal.

Teria ficado mais apropriado, jornalisticamente, se um terceiro descrevesse o nosso encontro, mas não havia como viabilizar isso.

Pensei até em narrar tudo na terceira pessoa, referindo-me a mim mesmo como "Celso", mas conclui que soaria artificial.

Enfim, fiz o possível para sair-me bem da empreitada, tentando conciliar os três papéis que estava desempenhando simultaneamente: o de revolucionário solidário ao Cesare, o de porta-voz do Cesare Livre e o de jornalista.

Não dava para posar de repórter imparcial: eu já tomei partido há muito tempo. Então, só me restava deixar bem claro para os leitores (boa parte dos quais já deveria saber disto, aliás) que se tratava do relato de alguém engajado, não de um observador neutro.

Aliás, não existem observadores neutros. O que existem são jornalistas simulando uma isenção que verdadeiramente não têm.

Eu sempre preferi o jogo franco.

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