segunda-feira, 12 de agosto de 2024

DELFIM NETTO AGORA É RESPONSABILIDADE DO CAPETA

Com o ditador Médici, passeando.
Morreu na madrugada desta segunda-feira, 12/08, o signatário do AI-5 e um dos mais fiéis serviçais da burguesia brasileira ao longo do século XX, Antônio Delfim Netto

Delfim ocupou o cargo de ministro da fazenda entre os anos de 1967 e 1974, justamente os períodos de maior repressão do regime. Nessa época, ajudava a levantar fundos junto aos empresários brasileiros e estrangeiros para financiar a Operação Bandeirantes (OBAN) responsável por milhares de casos de tortura, assassinatos, estupros e desaparecimentos contra combatentes da resistência armada, militantes da esquerda, simpatizantes, sindicalistas e quaisquer outros que o regime militar viesse a perceber como ameaça. 

É dessa época uma das mais famosas frases da história nacional e emblemática, ao mesmo tempo, do fiasco econômico brasileiro e de sua desigualdade intrínseca e que teve Delfim por autor. Diante do quadro de crescimento acelerado da economia brasileira na época, momento conhecido por "milagre brasileiro", crescimento, contudo, contrastante com a abissal condição de miséria da maioria esmagadora do povo, o então Czar da economia soltou a famosa pérola: "é preciso esperar o bolo crescer para dividi-lo"

Com a nata da ditadura em São Paulo.
O bolo cresceu, explodiu e nunca foi dividido, pois seu crescimento só era possível às custas da superexploração do trabalhador brasileiro e do superendividamento estatal. Na realidade, o dito milagre foi apenas uma tática política da ditadura para esvaziar a insatisfação popular diante das medidas liberalizantes da primeira fase do regime (1964-67), responsáveis por aumentar o custo de vida, quebrar inúmeras empresas e desnacionalizar parte da economia. Tais medidas levaram ao descontentamento entre trabalhadores e setores significativos da classe média, outrora indutora do golpe de 64, e puseram a ditadura em xeque através de greves e da famosa Marcha dos 100 mil

É esse o contexto do aparecimento das guerrilhas, impulsionadas pelo clima de crise. Para sobreviver, o regime ditatorial, com Delfim Netto à frente, abandona a liberalização estrita dos primeiros anos e embarca no processo expansionista, contraindo empréstimos no exterior, impulsionando titânicas obras públicas, expandindo a indústria e mesmo ensaiando a criação de estatais. A tática dá certo e um clima de euforia se instala no país com a economia aquecida, levando as guerrilhas e as oposições ao isolamento. 

Sem nenhuma coincidência, o milagre malogra por volta de 1974, após o choque do petróleo, mas também no mesmo período em que o restante das guerrilhas é derrotado. A economia do país entra em parafuso, a dívida externa explode e emerge a hiperinflação, resultando em nova crise da ditadura, dessa vez irreversível. Inicia-se, então, longo período de transição política em que o regime vai se transmutar em democracia, mantendo, contudo, intocadas as estruturas econômicas, institucionais e políticas implementadas. 

Era o conselheiro econômico de Lula.

Em tudo isso, Delfim Netto teve papel central. Ele foi o articulador orgânico da relação intrínseca entre a repressão política e a política econômica que a sustentou. Não à toa, era ministro da fazenda, mas também um dos idealizadores do AI-5 e das operações repressivas. 

Após a ditadura, foi marginalizado diante do desastre de seu legado, só saindo dessa situação graças a Lula e ao PT que viam nele um guru e consultor econômico. Chegou mesmo a ser um articulista da revista Carta Capital, supostamente uma revista inimiga do regime militar e da direita dali advinda. 

Confirmou o dito que os perversos vivem mais, pois sobreviveu por 91 anos. Mas, enfim, finalmente está agora nas terras do inferno e passou a ser responsabilidade do capeta. (por David Coelho)

Um comentário:

celsolungaretti disse...

Perfeito, David! Mas, lendo os necrológios louvaminhas de direitistas, quero acrescentar algo sobre o caráter (ou falta de) do Delfim Netto.

É falso que ele haja sido o pai do fugaz "milagre brasileiro", que só durou até 1973 mas cumpriu sua finalidade de consolidar o governo até então cambaleante dos generais ditadores.

Os verdadeiros pais foram o ministro do Planejamento Roberto Campos e o da Fazenda, Octávio Gouveia de Bulhões. O primeiro como estrategista e o segundo como gestor .Ambos modernizaram a economia brasileira no figurino capitalista, botando ordem na casa e criando condições para o crescimento do PIB.

Delfim Netto pegou o bonde andando e, embora fosse também um liberal em termos de economia, não teve escrúpulo nenhum em abrir os cofres da União para bancar grandes projetos perdulários e que, quase todos, fracassaram.


Quando Roberto Campos constatou que a ditadura guinava para a demagogia econômica ufanista, entregou o cargo. Já Delfim Netto serviu fielmente a quem estava no poder, chegando ao cúmulo de, depois de perder espaço nas Pastas para os quais estava qualificado (Fazenda e Planejamento), aceitar ser ministro da Agricultura, o que não tinha nada a ver com sua trajetória. Era do tipo que limparia até latrinas para se manter próximo ao poder.

Ambos foram igualmente inimigos dos nossos ideais, mas Roberto Campos teve a dignidade de não servir a governos que contrariavam suas crenças econômicas, preferindo continuar defendendo-as firmemente em livros e textos jornalísticos. Não era um pistoleiro de aluguel qualquer.

Já Delfim Netto sempre esteve à venda para o poderoso que pagasse mais. Inclusive o PT, pois foi ele o sujeito oculto da gestão econômica de Antônio Palocci, que sozinho não conseguiria administrar direito nem um brechó.

A parceria inconfessada entre Delfim Netto e o PT estava escrita nas estrelas.

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