domingo, 18 de dezembro de 2022

NÃO FOI SÓ O INÉDITO 4º LUGAR QUE A ÁFRICA OBTEVE NA COPA DO CATAR

Mbappé, descendente de camaroneses, poderá conduzir a França à conquista do bi mundial.
dalton rosado
A MAESTRIA AFRICANA NO FUTEBOL
Pelé, o rei do futebol, é brasileiro. Mas, certamente, descende dos berberes ou bantus africanos.

A escravidão dos negros africanos em nosso continente impede a certificação da origem dos homens e mulheres trazidos para cá nos navios negreiros, dos quais o atleta do século (passado) descende. Sabemos apenas que são legatários desta dor que mancha vergonhosamente nossa história.

Pelé é africano de origem e brasileiro, mineiro, de nascimento, para nosso orgulho futebolístico. E, como não poderia deixar de ser, merecedor do orgulho africano por pertencer à ancestralidade da sua raça maravilhosa. Por lá, em respeito a Pelé, até uma guerra foi interrompida.

Mbappé é africano de origem e francês de Paris (nascido no subúrbio de Bondy), como muitos dos pobres e discriminados filhos de imigrantes africanos.
Lukaku, a esperança da seleção belga,
sofreu lesão e só disputou uma partida



Hoje alimenta o orgulho futebolístico dos gauleses e dos ancestrais africanos, filho que é de Wilfred Mbappé, nascido em Camarões (país 
que, a partir do século 19, esteve sob o jugo de alemães e foi depois dividido entre franceses e britânicos, só alcançando a independência total em 1972).

Dos 25 integrantes da seleção francesa no Catar, 16 jogadores são de ascendência africana, inclusive Mbappé, a estrela do escrete. Definitivamente, a África está na final do Mundial 2022 da Fifa.

Como tantos outros imigrantes das colônias europeias empobrecidas pela exploração colonial secular e agora  pelo capitalismo, só os que conseguem entrar na Europa para cumprir tarefas de baixos salários e rejeitadas pelos nacionais celtas é que podem ficar, mas tratados como meros escravos do trabalho abstrato produtor de valor e sofrendo discriminação racial sob várias formas.

Quero exaltar os descendentes africanos nos muitos países para onde emigraram e que hoje fazem a força do futebol mundial.

A seleção do nosso vizinho Equador tem nada menos do que 18 jogadores cuja ascendência é africana, com destaque para o craque Enner Valência, orgulho também dos equatorianos das etnias indígenas, europeias e asiáticas.

A seleção da Bélgica, país no qual predomina a etnia celta, tem no seu elenco futebolístico nove jogadores da etnia africana. Os craques dos diabos vermelhos são Romelu Lukaku (de ascendência congolesa), Kevin De Bruyne e Eden Hazard (da etnia árabe).

A Alemanha, que sob o nazismo perseguia os não-arianos, hoje importa jogadores de origens africanas, que chegam a naturalizar-se e a disputar os Mundiais Fifa com as cores germânicas. No Catar tinha sete atletas com tal ascendência, dentre os quais Leroy Sané (que é filho de outro jogador, o senegalês Souleiman Sané), considerado a joia do selecionado.

A seleção da Inglaterra, em cujas academias se inventou o futebol mas às quais nas quais os negros tinham raríssimo acesso, teve afrodescendentes entre os convocados, com maior destaque para Marcus Rashford e Jude Bellingham.
Valencia fez história na Copa do Catar, marcando os dois
únicos gols da partida de abertura, contra os anfitriões.
Embora  o Uruguai tenha poucos negros, a
celeste levou para o Catar quatro afrodescendentes.

A Espanha, quatro. Portugal, seis (caso do brasileiro Pepe, que tem raízes nordestinas de Alagoas, africanas e indígenas, como exemplo da maravilhosa miscigenação brasileira). E assim por diante.

Fica evidenciada, portanto, a importância da participação africana na Copa do Mundo que chega ao final neste domingo, como substrato factual desta análise sobre as características do futebol, na qual enfatizo dois aspectos:
1. espírito coletivo – o futebol é esporte coletivo, cujos 11 participantes cumprem tarefas distintas e convergentes. Cinco deles podem ser substituídos ao longo da partida, por contusão, cansaço, razões táticas ou técnicas, etc. O número máximo de reservas à disposição do técnico no banco é 15. 

Nenhum jogador ganha sozinho uma partida, mas é comum que uma contribuição individual se ressalte tanto que torcedores e comentaristas acabam atribuindo-lhe méritos desproporcionais, seja no caso:
— de goleiros que eventualmente fazem intervenções que parecem impossíveis;
 dos defensores que se postam na parte de baixo das linhas de jogo para prevenir os ataques adversários e evitar o gol do adversário;
 dos meio-campistas que fazem a ligação entre a defesa e o ataque, funcionando como maestros a reger a orquestra, para que ela não desafine por falta de intermediação; e,
— por fim, os que mais aparecem, quais sejam os artilheiros e pontas que armam e complementam o lance primordial do jogo (o gol).
Abounikal marcou um dos gols da zebra Marrocos

Sim, o gol é primordial, mas se constitui apenas no requisito essencial para o objetivo final, qual seja a vitória. 

A vitória, esta sim, é de todos, e mesmo que o reconhecimento maior se direcione para um ou outro atleta com melhor desemprenho, jamais se chega a ela sem o empenho e dedicação coletivos.
2oportunidade para todos – os esportes que requerem infraestrutura onerosa para a sua prática são inacessíveis aos habitantes das periferias urbanas e dos grotões rurais. 

Como se sabe, as cidades capitalistas (e todas hoje têm esta forma de relação social decadente) apresentam acentuada maioria de bairros pobres, nos quais são poucos ou inexistentes os ginásios esportivos, as quadras para tênis, as piscinas olímpicas, os rinques de patinação.

Os esportes equestres, p. ex., somente estão ao alcance de endinheirados que podem sustentar cavalos, o golfe só pode ser bancado pela elite, etc.

O futebol é diferente. Qualquer menino da periferia tem como conseguir uma bola (mesmo que de meia velha ou de borracha remendada), um terreno baldio e algo para servir de trave. Assim, as crianças conseguem divertir-se de modo saudável e aprender valiosas lições de esforço coletivo vitorioso.

O futebol, hoje, graças à sua popularidade mundial, tornou-se uma mercadoria altamente cobiçada. Seu massacrante merchandising leva os jovens pobres da periferia a sonharem com as fortunas que só assim talvez consigam obter. Este é um aspecto negativo que se incorpora a uma atividade esportiva saudável.
"Qualquer menino da periferia 
tem como conseguir uma bola"
Alguém pode até ver nisto um aspecto positivo, mas eu lembro quão numerosos são os jovens que não atingem o estrelato no futebol e pagam o mico de conviver com as dificuldades próprias de uma forma de relação social decadente como o capitalismo (que sempre foi discriminatório e agora é tragicamente excludente. tornando inacessível tudo aquilo que a tecnologia poderia 
proporcionar ao ser humano).

Isto os deprime e os faz sentirem-se fracassados, embora sem culpa real, porque as vagas são ínfimas e o número de coitadezas as disputando, imenso. Para piorar,  a primeira grande decepção pode acompanhá-los como um handicap negativo vida adentro.

Independentemente da vitória de qualquer dos lados no épico confronto entre gauleses africanos e italianos argentinos na final da Copa do Catar, salta aos olhos que o povo africano representa o melhor que o futebol pode proporcionar: a afirmação de uma raça.

Confesso que estou dividido entre, de um lado, a minha ascendência italiana e irmandade sul-americana; e, do outro, a pujança africana vinda da periferia parisiense e das colônias exploradas da África. Vou deixar o meu coração se manifestar livremente, mas de certa forma sei que vou perder por um lado e vencer pelo outro.

Poxa, precisava disso seleção brasileira? (por Dalton Rosado)

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