quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

OS CAMPEÕES MUNDIAIS LAVARAM MAIS BRANCO?

Será acaso este anúncio argentino dos anos 50
conter 6 vezes a expressão "extracto de blanco"?
rui martins
A SELEÇÃO BRANCA DA ARGENTINA
Na final do Mundial de Futebol no Catar, mesmo quem estava muito empolgado com o melhor de todos os jogos notou: de um lado uma equipe europeia metade branca metade negra e do outro uma equipe sul-americana branca. 

E nos estádios, entre os 40 mil torcedores argentinos, a televisão não mostrava negros. Seria o mundo ao inverso? Por isso, pouco antes da prorrogação e da cobrança dos pênaltis, enviei rapidamente por WhatsApp a alguns colegas e amigos a pergunta  por que a Argentina não tem jogadores negros?.

E pouco antes da conquista do tricampeonato mundial pela Argentina e a sagração de Messi como melhor futebolista do mundo, recebi algumas respostas:
 a Argentina deve ser ligeiramente racista;
— porque na Argentina houve poucos escravos africanos… eles preferiram os índios;
— porque há poucos negros na Argentina;
— porque os argentinos usaram os negros como bucha de canhão nas suas guerras internas.

Terminado o jogo, decidi fazer algumas pesquisas e me senti confortado ao saber ter havido muita gente intrigada com isso, inclusive na mídia africana. 

Mas, antes de prosseguir, é importante assinalar não haver nessa indagação sobre a ausência de negritude na seleção celeste, azul e branca, qualquer tentativa de desmerecer sua vitória. Na verdade, seleção branca ou não, não prova nada.

O Brasil sempre contou com craques afrodescendentes, como Pelé, considerado o melhor do mundo, porém isto não significou melhores condições e nem leis sociais para a população negra brasileira. O importante é ter equipes de deputados e senadores com participação de afrodescentes, conquista recente porém ainda minoritária.

Mas retornando à questão da negritude no Mundial, percebi ter merecido atentos comentários. Mostrando uma visão geral da questão, o primeiro destaque seria para o artigo publicado no blog Náufrago da Utopia por Dalton Rosado, sob o título A maestria africana no futebol
Nesta Copa os muchachos eram todos brancos. Nem morochos como Maradona havia
Nele se acentua que há outro motivo de destaque além do inédito 4º lugar mundial conquistado pelos africanos com o Marrocos. Na verdade, aponta Dalton, o segundo maior futebolista do mundo, Kylian Mbappé, é africano de origem, filho de emigrantes da República dos Camarões na França.

Dalton cita, ainda, que:
— a seleção celta dos belgas (os diabos vermelhos) tinha nove jogadores negros;
— a Alemanha, que no passado nazista perseguia os não arianos, tinha no Catar sete futebolistas negros;
— a seleção inglesa, dois afrodescentes na equipe principal;
— a Espanha, quatro jogadores negros; e
— Portugal, seis, dentre eles o brasileiro Pepe, alagoano de origem índia e africana. 

Nessa relação dos grandes futebolistas negros não se pode esquecer o maior de todos eles, o brasileiro Pelé, descendente de escravos importados da África pelo Brasil, como são todos os negros e mestiços componentes de mais da metade da população brasileira.

Meu segundo destaque é para um texto do colega Rafael Barifouse, também antes da final do Mundial, publicado pela BBC News Brasil
Les enfants de la patrie – versão multiétnica
O seu lead sintetiza bem a preocupação do artigo: "De um lado um país europeus que tem pelo menos metade de jogadores negros no time. Do outro, um sul-americano que não tem nenhum".

E para não dar a impressão de estar sozinho, Rafael, cita outros jornais que também perguntaram por que a seleção argentina é tão branca: o
Washington Post dos EUA; o inglês The Guardian; a rede Al Jazeera, do Qatar, e o portal UOL no Brasil.

Lembrando a existência do mito de uma Argentina branca de descendentes europeus, Rafael evocou uma frase do presidente Alberto Fernández (da qual ele teve de se retratar) no ano ano passado: "Os mexicanos vieram dos índios, os brasileiros das selvas, mas nós, argentinos, chegamos nos navios".

Esse mito no qual creem os argentinos, segundo o sociólogo Guillermo Orsi, perdurou até recentemente, mesmo porque só no Censo de 2010 se perguntou ao povo quem era afrodescendente. A conclusão foi de que existem 150 mil afrodescendentes na Argentina (0,36% da população), embora ativistas pretendam que eles totalizem 2 milhões, baseados num teste-piloto.

Segundo o ativista e advogado Alí Delgado, muitos não sabem e outros não querem saber, no caso de terem embranquecido para não sofrerem os estigmas associados à negritude.
"O negro é, com frequência, considerado um estrangeiro, não se concebe um negro argentino. Não há negros nas universidades, nem entre os professores, nem entre os políticos (pelos menos nos postos mais importantes), nem nos âmbitos empresariais ou da Justiça".
Alberto Fernández tropeçou no preconceito
Mas, então, onde estão os negros, se há 300 anos eram um terço da população argentina? Uma hipótese é a de terem morrido nas guerras nacionais argentinas, inclusive com o Brasil, mandados para a linha de frente. 

Outra seria a de grande mortalidade negra por doenças, epidemias, como a da febre amarela, por serem pobres, declinando a população depois do tráfico de escravos.

Mas um artigo no Washington Post, da professora de História Latina na Universidade do Texas,  Erika Edwards, contrapõe que "houve um apagamento dos negros na sociedade, quando a Argentina decidiu nos últimos séculos atrair imigrantes europeus como parte de um projeto de nação mais moderna… e branca".

Segundo Alí Delgado, raro negro argentino, "houve um genocídio discursivo” misturando-se negros com índios e não se considerando afrodescendente quem por miscigenação não tem mais pele escura e nem cabelo crespo".

E O QUE DIZ A MÍDIA NEGRA?  – O site de informação da África francófona Afriki destacou  que a mestiçagem ocorrida em diversas gerações teve um papel importante no branqueamento dos antigos escravos. Mulheres de origem negra procuraram ser consideradas ameríndias para serem favorecidas por leis em favor de seus filhos mestiços.

Porém, o fator mais importante teria sido a decisão de antigos presidentes argentinos em favor de emigrantes brancos logo depois do fim da escravidão. Para eles, a modernidade, o progresso e o futuro do país estavam na aceitação de europeus e em europeizar o país, rejeitando também a cultura africana trazida pelos escravos. 
Imprensa faz o que pode: Olé, jornal de esportes, repudiou
o racismo de torcedores argentinos na última Libertadores
O sul do Brasil, o Uruguai e Cuba fizeram o mesmo, mas a Argentina 
 diz o jornalista Yaya Kanté entrevistando o jurista Mamady Kourouma  foi o único a criar a imagem de país branco. 

Assim, o presidente argentino Justo José de Urquiza seguindo as ideias do filósofo e diplomata Juan Bautista Alberdi, incluiu na primeira Constituição do país a emenda 25, pela qual "o governo federal favorecerá a imigração europeia".

E o ex-presidente argentino Sarmiento dizia, no fim do século 19, que, "dentro de 20 anos, será preciso ir ao Brasil para se ver negros". Quatro milhões de imigrantes europeus chegaram à Argentina entre 1860 e 1914, enquanto os mestiços afrodescendentes iam se integrando aos brancos.

Assim, conclui Kouroma, a seleção alviceleste não é tão branca como parece. Foi o caso do morocho (mestiço) Diego Maradona e de outros futebolistas argentinos, num país mais diversificado do que o desejado por certos políticos preconceituosos. (por Rui Martins)

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