segunda-feira, 23 de março de 2020

O QUE DEVEMOS E O QUE PODEMOS FAZER

"Estamos em guerra..."
(Emmanuel Macron)
A ação civil comum de combate à epidemia do coronavírus implica a tomadas de decisões no âmbito:
1. da organização social;
2do suprimento de meios de subsistência; e
3das medidas profiláticas

Concordo que a expressão guerra ao coronavírus, principalmente quando parte de governantes, contém um tanto (inconfessado) de arbítrio governamental que visa anular a ação civil comum consciente e independente. Eles sempre usam as tragédias para afirmar a inevitabilidade do poder estatal.  

As guerras são sempre de seres humanos contra seres humanos, daí a impropriedade de tal uso dessa ideia, mesmo como metáfora, em razão do conteúdo desumano que lhes é inerente.

A guerra não passa de barbárie governamental aceita e praticada sob subterfúgios pseudo-heroicos, tendo sempre como verdadeiro móvel a hegemonia de poder. E é contra a barbárie oficial da guerra externa ou interna que dirigimos todos os nossos esforços humanitários.

Ação civil de combate a uma epidemia deve ser chamada de outra forma: ação de solidariedade humana

Os governantes somente conseguem pensar a partir de seus próprios parâmetros de poder, que inclui, necessariamente, a questão do controle militar e monetário. Tal se observa na gestão da crise sanitária quando o Estado quer exercer a manutenção do controle estatal opressor sobre a vida social. 

A pretensa solidariedade governamental é sempre contaminada pelo vírus do poder verticalizado sem o qual não sobrevivem.  

Assim, proponho que nos posicionemos conscientemente, pensando fora da caixa, sobre três aspectos fundamentais acima referidos. 

Quanto ao primeiro item, devemos ir além do impeachment do presidente Boçalnaro, o ignaro.

Impõe-se, neste momento de conjunção de crise econômica com crise sanitária (ambos em escala mundial), uma medida excepcional no campo da organização social, qual seja a desobediência civil às normas governamentais paranoicas e impraticáveis, ao mesmo tempo mantendo a obediência civil às normas médicas e científicas de contenção da propagação do vírus, na medida do possível. 

Nesta hora, que importância têm, para a vida social, as orientações de um governo e de um ministro da Economia que só pensam em equilíbrio fiscal feito a partir de restrições de gastos com o BPC, o qual não passa da doação de míseros reais (que nem sabonete para lavar as mãos compram) a uma população incapacitada de produzir valor pela idade ou invalidez?!

Talvez muitos críticos sinceros da sociedade burguesa entendam que este não é o momento para proposições de organização social diferenciada daquelas que implicam a existência do Estado e de toda a ordem da mediação social pelo capital.

Ou ainda, o que é pior, existem aqueles que, mesmo se colocando no campo da oposição, pensam apenas nas eleições de 2020 ou de 2022, preferindo deixar o governo atual sangrando até morrer de inanição, sem considerar a possibilidade de morrermos juntos com ele.  

É hora de pensarmos numa organização social alternativa, incluindo a criação de conselhos populares com poder de decisão sobre normas de condutas sociais emergenciais por eles elaboradas visando à preservação do suprimento de consumo, tanto na érea de produção de objetos destinados ao dito cujo como na área de serviços essenciais (vale lembrarmos aqui os profissionais da área médica, que têm heroicamente arriscado as suas vidas, fazendo jus a uma infinita gratidão de nossa parte).

Os artistas, antenas da raça, já nos ensinaram: "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer" (Geraldo Vandré) e "Inútil dormir, que a dor não passa" (Chico Buarque). 

Sabemos que os detentores do capital —as grandes empresas e os governos (representados ambos por seus gestores)—, que dão sustentação à ordem capitalista mundial decrépita, temem soluções que impliquem a negação de tudo que defendem e controlam. 

Mas, contra o interesse deles, existe uma realidade que se impõe como negação de seus pressupostos (os quais, por mais que sejam aperfeiçoados, não resultam em equações sociais viáveis). 

É contra a manutenção da lógica do capital doa a quem doer, a qual traz implícito o sofrimento da humanidade ou sua extinção, que nos atrevemos a fazer proposições de organização e de produção sociais que podem parecer inviáveis para muitos, mas que a realidade demonstrará serem, isto sim, inadiáveis. 

Somente com o abandono da lógica do valor poderemos superar a crise que ora se instala, e não adianta os governos distribuírem emergencialmente dinheiro para os descamisados por ela atingidos, pois tal paliativo tem pouca abrangência e é insustentável no longo prazo. 

Reafirmo: o dinheiro, como representação do valor (uma forma de relação social segregacionista), é o instrumento da segregação social por excelência. Daí os governos preferirem responder à falta de poder aquisitivo para a população adquirir as mercadorias pelo lado do dinheiro, e não pela distribuição direta de produtos necessários ao consumo. 

Tudo tem de passar pelo buraco estrito da mediação social abstrata do valor.

Devemos, portanto, abandonar a lógica do dinheiro e resolver os problemas de abastecimento pela apropriação da riqueza material a partir de parâmetros suasórios de produção e consumo. 

Não devemos usar o dinheiro (o agente-mor da segregação) como solução dos problemas que já estamos enfrentando e que certamente tornar-se-ão cada vez mais dramáticos a persistir a crise sanitária. 

Nosso inimigo não pode ser bom aliado.

A continuarem as medidas irracionais e impositivas que vêm sendo propostas, ainda que mascaradas como providências responsáveis, poderemos cair no perigoso pântano da barbárie, com saques e agressões de lado a lado que implicarão mais mortes ainda do que aquelas que se pretende evitar. 

A barbárie não se constitui em solução.   

Produzir objetos e serviços estritamente necessários não significa abandonarmos as medidas profiláticas que vêm sendo divulgados pelos profissionais da saúde e jornalistas.

Significa que não devemos entrar na paranoia, de vez que toda paranoia representa irracionalidade. Atravessamos um momento de crise que está a exigir de todos nós novos parâmetros de funcionalidade social, inclusive o reconhecimento de que a principal medida profilática é a solidariedade humana. 

Por Dalton Rosado
E a solidariedade deve vir por iniciativa da sociedade civil consciente, sem esperar que o governo, sempre um opressor, salve a todos. 

Nós somos maiores do que a opressão e a propagação de quaisquer vírus, sejam eles de natureza institucional ou sanitária.

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