sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

TODA ESCOLA DEVE TER PARTIDO: O DA BOA SOCIABILIDADE!

A escola é um local de formação antropológica no mais amplo sentido. 

Assim, não há escola neutra no sentido da educação sobre os valores relativos à sociabilidade; desde as áreas das ciências exatas até as áreas das ciências humanas, todos os ensinamentos ministrados convergem para um ethos social determinado, seja ele socialmente virtuoso ou não. 

Destarte, a atual pregação da escola sem partido, querendo referir-se à questão político partidária, está mal colocada, tendo um sentido inconfessado de tomar partido do ponto de vista político-ideológico: quer apenas substituir o livre pensar pela imposição do seu próprio partido político-doutrinário. 

É evidente que a escola não deve ser um local de doutrinação político-partidária, qualquer que seja ela, mas sim um local em que se recebam desde os conhecimentos básicos até os conhecimentos superiores que permitam aos alunos terem acesso aos instrumentos de discernimento a partir de um pensar plural. 

É o conjunto dos saberes adquiridos pela humanidade no seu itinerário trágico e belo, extraídos dos mais variados exemplos históricos, retratados de modo a suscitarem-se dúvidas sobre as várias correntes de interesses e pensamentos que neles interferiram, aquilo que vai formar indivíduos sociais aptos a promoverem o pensamento crítico, o bem-estar social e as evoluções individuais dos seres humanos.      

A função educativa deve ter como objeto metafisico teleológico a capacitação para o saber e para o livre pensar. 

É evidente que, em cada professor, existe uma inclinação para este ou aquele conjunto de valores sociais, éticos e morais que formatam a sua consciência sobre o que ele mesmo considera como virtuoso ou não. Entretanto, o magistério deve ter a mais ampla abertura para que a exposição do saber ministrado se dê do modo mais plural e abrangente possível.

Não existe neutralidade na educação, pois está dentro de cada professor (e de nós mesmos enquanto educadores na vida cotidiana com nossos exemplos e ações) um ajuntamento de valores morais que formatam o caráter do indivíduo social; é a partir deles que explicitamos aquilo que consideramos como válido.    

Há quem queira uma escola sem partido (no sentido político partidário ou doutrinário) para que seja instituído o seu partido e, assim, incorre no mesmo erro da sua crítica à escola que eventualmente tenha aparelhado a educação dentro do seu interesse. Tal comportamento reflete apenas a existência de dois polos que convergem para um mesmo erro e que se comunicam dentro de um mesmo desiderato negativo. 

Historicamente, a escola forma indivíduos sociais dentro do padrão da sociabilidade vigente, que é inerente ao modo de produção social (sendo este, por sua vez, o definidor do caráter da sociedade). 

Assim, não há como se falar em escola sem partido, pois há um permanente conflito entre os objetivos teoricamente instituídos como válidos pelo status quo vigente e os objetivos reais de cada indivíduo particularmente considerado. 

Só com a promoção do debate crítico, tendo por base a radicalidade da defesa do ser humano como primado da sociabilidade, é que se pode construir uma escola cuja educação seja plural e verdadeiramente emancipacionista.

Um debate crítico é imprescindível, no qual se discutam abertamente as questões mais candentes da vida social. 
Há se quebrar tabus promovendo-se a análise comportamental e sem medo de temas como gênero, racismo, misoginia, economia, etc. É assim que se promoveria uma visão social capaz de formar pessoas aptas a se contraporem à tirania de moralistas puritanos e de governos déspotas.

Excluir do debate educacional as questões mais delicadas da sociabilidade, principalmente as questões que estão na base de miséria social claramente percebida pelos jovens em fase de formação, implica levá-los a desacreditar do que lhes é ensinado e a incubarem uma revolta latente,  que tende a explodir por qualquer aumento de tarifa dos transportes. 

Ou seja, a desigualdade social flagrante induz os despossuídos a compreenderem que há algo de profundamente errado na nossa sociedade e esta disparidade entre aquilo que é colocado como virtude e a resultante desse ensinamento sob o ponto de vista da sociabilidade causa uma revolta difícil de ser contida.

Ensina-se que o trabalho dignifica o homem, mas se nega esse mesmo trabalho a um homem fisicamente e culturalmente apto a dele extrair seu sustento; ademais, é vedado explicar-lhe por que o objeto do seu trabalho lhe é alheio, bem como o motivo de sua vida tornar-se cada vez mais miserável.

Ensina-se que todos devem ser honestos, mas qualquer adolescente constata que somente quem se apropria da riqueza abstrata e material produzida socialmente (cada vez mais concentrada nas mãos de uns poucos!) pode usufruir dessa mesma riqueza e ter poder social. 

Ensina-se que a propriedade é um direito que deve ser respeitado, mas se nega essa mesma propriedade aos assalariados em geral, que mal podem adquirir uma casa para morar, restando-lhes os aluguéis, as favelas, os cortiços, as ameaças de despejo.

Ensina-se que todos devem ter direito à educação, saúde, segurança pública, transporte, habitação e alimentação decentes; direito à inviolabilidade do lar; respeito a seus direitos humanos mais elementares, ao lazer, à cultura, ao esporte e até ao lucro das empresas. Mas, na vida real, tais garantias constitucionais são negadas dia após dia à grande maioria da população.

O sistema educacional na sociedade do capital positiva as categorias capitalistas (trabalho abstrato, dinheiro, mercadorias, mercado, etc.) como se fossem virtuosas, quando, na verdade. representam a negação da sociabilidade humana. Tal exclusão de análise é tomar partido, e um mau partido. 

Trata-se, portanto, de postura de defesa do partido de uma sociedade que é segregacionista por sua natureza constitutiva; e que proíbe tal discussão até porque, mesmo entre os professores, há um desconhecimento sobre a possibilidade de modos alternativos de sociabilidade. Afora a coação implícita: ai de um professor que ouse ir além da grade curricular que lhe é imposta! 

Tal condicionamento já era uma tomada de partido implícita; agora, diante da derrocada do sistema (que faz água por todos os lados!), quer-se imputar como partidarismo perigoso qualquer tentativa de questionamento social do mal, como se tal questionamento fosse a causa do mal.   

Vai daí que os valores atualmente positivados pela educação ministrada se contrapõem à realidade circundante, provocando uma indignação que acaba desembocando em agressão aos professores e à escola — ou seja, contra aqueles que aparecem aos olhos dos alunos como a ponta de lança da vilania social, quando, na verdade, são igualmente vítimas de tudo que está aí.
Tal quadro desolador só haverá de piorar com a insistência numa escola que impõe a obediência cega a currículos descolados das problemas e aflições reais da coletividade, não questionando o que está na base de nossa realidade bárbara; e com a intimidação aos alunos mediante uma disciplina rígida, incluindo o estímulo a tornarem-se vis delatores (enquanto seus professores, tornados alvos de patrulhamento ideológico, se desprestigiarão cada vez aos seus olhos).  

É impressionante como, na atualidade, as mazelas sociais são transformadas em argumentos para o retrocesso social, como se a solução fosse o restabelecimento de práticas historicamente ultrapassadas! O fenômeno é internacional, o que demonstra o grau de inconsciência dos indivíduos sociais e de saturação de um modelo mundialmente agonizante.

O reaparecimento de multidões abraçando sem o menor pejo teses nazifascistas, na Europa e até no Brasil, evidencia a existência de uma insatisfação social generalizada, aliada a uma flagrante amnésia histórica e à deseducação conceitual. 

A esperança é que, diante do desencanto continuado, se possa chegar ao seu oposto, tão logo seja superado este primeiro momento de busca insensata de soluções do mal na intensificação das causas do mal. 

A atual histeria coletiva levou à emergência de teses absurdas como a da escola sem partido, com sua chocante orientação doutrinária anti-humanista.

Mas, poderá funcional como um bumerangue, demonstrando a insensatez de tais conceitos educacionais e contribuindo definitivamente para um modelo de escola bem diferente: uma escola formadora do pensamento crítico, livre e socialmente contributivo. (por Dalton Rosado)

4 comentários:

Motta disse...

Análise realista e incontestável.

Vandeco disse...

“A tarefa do professor é servir aos alunos com seu conhecimento e experiência e não lhes impor suas opiniões políticas pessoais”. Disse o sociólogo Max Weber o qual concordoo plenamente.

celsolungaretti disse...

Caro Vandeco,

é evidente que os professores não devem impor suas opiniões políticas pessoais aos alunos, principalmente as político-partidárias; aliás, qualquer imposição educacional é autoritária.

Entretanto, o conhecimento científico sobre os mecanismos sociais existentes (já contidos na sociologia, que é matéria curricular) não devem ser excluídos do debate, e é aí que entra, implicita e inevitavelmente, a inclinação conceitual que está na cabeça de qualquer educador. É nesse sentido que não há neutralidade possível para essa ou aquela orientação.

Um abraço é obrigado pela leitura. Dalton Rosado.

Vandeco disse...

Caro Dalton, de certa forma concordo com a sua resposta e com o muito que escreve nesse ótimo blog. Mas a minha realidade é outra. Sou filho de uma professora e um torneiro mecânico, que por sua vez era filho de outro torneiro mecânico, que fugiu da guerra na Itália e veio dar no Brasil. Tenho mais de setenta anos e tenho uma irmã que é doutora em Pedagogia e professora de Universidade. É a filha mais nova de quatro irmãos. Além da minha mãe, minhas irmãs são todas professoras, sendo que uma é proprietária de uma escola, que vai do maternal ao ensino médio. Apesar de se inteligentíssima, sempre primeira das classes, minha irmã doutora sofreu uma completa lavagem cerebral e há muito tempo faz parte da seita Lulista, para o mal de toda a família. Convivendo com ela sei muito bem que uma coisa é a teoria, pois na prática é outra. Também acho uma coisa até” babaca” o congresso perder tanto tempo com esse negócio de Escola Sem Partido. Considero isso coisa de país de terceiro mundo. Existem coisas mil vezes mais importante que Escola Sem Partido. Falo isso porque já trabalhei em outros países e já passei por eleições no Canadá. Essa discussão é um dos motivos que temos certeza que o Brasil tem tudo para não dar certo. Minha irmã e demais amigas professora, universitárias, são sim influenciadoras dos alunos, tentam envolve-los na política partidária e ideológica, coisa que ela mesmo não conseguiu em casa e na minha família. Aliás, minha mãe que faleceu faltando um mês para completar 90 anos, morreu magoada com os rumos que minha irmã tomou. Não vou prolongar, mas esse é apenas um resumo e que sei que não é o único no Brasil. Me desculpe o desabafo.

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