quarta-feira, 4 de maio de 2016

A BARBÁRIE EM CURSO E O RETROCESSO CIVILIZATÓRIO

(uma breve análise de conteúdo causal)

Por Dalton Rosado
Na Síria, uma criança apavorada em meio às mortes por explosões de bombas pergunta: o que eu fiz de errado?

Verifica-se uma situação mundial de barbárie e um retrocesso civilizatório representado pela crescente negação de direitos e adoção de posturas inumanas. 

Os exemplos são flagrantes e são visíveis pelos modernos meios de comunicação; ou ao abrirmos as nossas janelas, sejam elas protegidas por grades, aparelhos de filmagens ou segurança armada (para aqueles que podem pagar por segurança); ou, ainda, ao abrir a porta num humilde arranjo de casa na favela (com cuidado, para não encontrar uma bala perdida).
  • Vemos conflito territorial e étnico-político pela disputa da hegemonia econômica na Ucrânia, que reacende sintomas da antiga guerra fria; situação falimentar da dívida pública estatal mundial, e a Grécia é o exemplo mais recente e ilustrativo, com uma ordem para se apertar os cintos do povo dos países periféricos ao G7;
  • constata-se a existência de uma estupidez assassina e destrutiva patrocinada pelo fundamentalismo religioso chamado Estado Islâmico, Al Qaeda, Boko Haram, e outras seitas menos conhecidas;
  • atentados à bomba na Europa e no mundo árabe e se intensificam as hostilidades na fronteira da Palestina com Israel;
  • morrem milhares de imigrantes nos mares em direção à Europa fugindo da guerra e da fome e sendo rejeitados por uma União Europeia economicamente estagnada e com taxas de desemprego de dois dígitos;
  • latinos morrem na travessia da fronteira do México com os EUA;
  • recrudescem os assaltos a banco no Brasil numa escala capaz de tornar Bonnie e Clyde inocentes miniaturas de bandidos (há quase um desses assaltos por dia no Brasil) e as estatísticas mostram a ocorrência de assassinatos diários no Brasil em número maior do que nas regiões de guerra convencional;
  • E tudo isso conjugado com um processo de agressão ecológica predatória da natureza, seja pelo lançamento de dejetos em rios e mares, ou pelo aquecimento global fruto da emissão de gás carbônico na atmosfera pela queima de combustível fóssil que provoca o efeito estufa;
E o pior é que a coisa não fica por aí: 
  • decai o nível moral do parlamento (basta considerarmos que no Brasil os dois chefes das casas parlamentares estão sendo processados por corrupção e permanecem nos seus postos sob o beneplácito da justiça);
  • decai a qualidade artístico-cultural da grande mídia;
  • o caríssimo processo eletivo democrático é comandado pelo poder econômico (com dinheiro da corrupção ou do grande empresariado). Ufa...
A que devemos tudo isso?

O fator nuclear, central, que se constitui com célula primária para essa decadência social e moral, é o anacronismo de uma forma de produção segregacionista que, graças às suas contradições endógenas, se inviabilizou e se coloca como um impasse cuja dissecação causal é tema tabu. Qualquer iniciativa de produção passa inexoravelmente pela viabilidade econômica, e como já são raros os projetos que podem resultar em lucro, cai a produção e toda a atividade econômica fundada no dinheiro entra em colapso. Há, também, fatores imanentes graças às suas naturezas econômicas, como inflação e impostos, entre outros, que contribuem para o aumento da miséria coletiva.

Contribuem para essa situação, também, fatores de natureza psicossocial, subjetivos. Entre esses podemos destacar:
  • o caráter onívoro e fetichista da mercadoria que coloca tudo o que se faz ou se institucionaliza sob a égide da lógica da produção de mercadoria, condição que restringe a capacidade e liberdade do pensar e do agir criativos e dignificantes;
  • o caráter fratricida da relação social mercantil que estabelece uma eterna oposição concorrencial entre os indivíduos sociais na busca vital pela obtenção do dinheiro, condição que se opõe ao indispensável sentido de solidariedade, transformando todos em adversários de todos;
  • a vigência da lei da vantagem, sob a qual há (i) uma subtração legal pelo mercado (p. ex., os juros de 450% a.a. no cartão de crédito ou a extração de mais-valia relativa ao extremo), na qual cada detentor de mercadoria busca a sua hegemonia ao mesmo tempo em que promove a ambição estimulada pelo desejo de acumulação da riqueza abstrata; e (ii) uma subtração ilegal (a corrupção com o dinheiro estatal, a fraude, o furto, o roubo com latrocínio, etc.). Tal característica institucionaliza a deturpação moral como algo admissível e indiferenciado que estimula a violência urbana;
  • o individualismo que torna cada indivíduo social uma ilha de interesses personalíssimos em detrimento do interesse coletivo, uma espécie de reprodução da passagem bíblica “Mateus, Mateus, primeiro os teus” (talvez seja por isso que os deputados invocaram tanto os seus familiares como justificativa de voto na questão do impeachment, e em nome de Deus), ou na linguagem popular, “farinha pouca, meu pirão primeiro”;
o caráter ecologicamente predatório da guerra mercadológica que passa por cima de tudo pela obtenção vital do lucro (é graças a isso que o comprovado consumo suicida de combustível fóssil não é substituído por fontes de energias limpas, circunstância que passa, também, pela questão da viabilidade econômica, ou seja, vemos a nossa vida depender da viabilidade da produção de dinheiro, numa inversão do pretenso objetivo virtuoso);
  • o estímulo ao tráfico da produção clandestina de mercadorias nocivas ao ser humano como as armas e as drogas, indutor da criminalidade (podemos dizer: a droga é uma mercadoria; e a mercadoria é uma droga);
  • transferência de responsabilidade do indivíduo social para o Estado pretensamente provedor e para a política (seus algozes institucionais), que enganam o povo com a falácia da representatividade, acomodando-o e desestimulando-o ao gerenciamento de seus próprios interesses sociais coletivos.
Para estancar a barbárie em curso, que se avoluma dia-a-dia, só há uma saída: a superação de sistema produtor de mercadorias e de todos os seus construtos institucionais e auxiliares, sejam eles públicos ou privados.
         
Que a menina síria tenha um futuro de paz e felicidade.

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails