No Brasil tudo é grande, menos os homens, disse o suiço Jean Louis Rodolphe Agassiz, naturalista do século 19, em tom de queixa pelo esquecimento e pouca atenção que os compatriotas brasileiros prestavam aos prodigiosos inventos do padre gaúcho Roberto Landell de Moura.
Esquecimento e pouca atenção que perduram até hoje. Landell nasceu em Porto Alegre em 1861 e morreu aos 67 anos, em 1928. Chegou a monsenhor.
De parcos recursos, sem ajuda nem da Igreja, nem do Estado e muito menos de empresários, espremido em precários laboratórios ambulantes nas suas transferências de paróquias, o padre Landell de Moura inventou o rádio e o telégrafo sem fio antes de Marconi, o telefone com fio, o telefone sem fio. Foi precursor do telex , da TV, da fibra ótica. Descobriu e fotografou a aura que envolve o corpo humano, 32 anos depois batizada pelos russos de efeito Kirlian. Vislumbrou as comunicações interplanetárias.
Desvendava a Criação com sua teoria sobre um fluído universal, “elemento sobre o qual atuam os agentes físicos, químicos ou biológicos, dando, sob sua ação, origem ao mineral, ao vegetal e ao animal”.
Ele registrou suas patentes nos Estados Unidos, mas delas nada auferiu. Suas invenções foram lá surrupiadas. Disse Landell: “Os americanos, decorridos 17 anos de prazo que marca a lei das patentes, puseram em execução prática as minhas teorias”.
Sempre reconhecida no mundo científico, foi dele a primeira transmissão de rádio a longa distância. A operação foi feita de um ponto no bairro de Santana até a Avenida Paulista, em São Paulo. Landell de Moura ficou com o mérito de ter inventado o rádio, Marconi ficou com a glória, diziam os amigos. No fim da vida relutava em falar de suas invenções,”coisas do passado” e “sobre as quais toda a gente mantém a mais absoluta ignorância”.
A história do monsenhor Roberto Landell de Moura, contada pelo jornalista Hamilton Almeida, é a saga do padre gaúcho, herói entre os inventores, que não usufruiu da glória e dos ganhos de que sempre foi merecedor (Padre Landell de Moura, um herói sem glória, 2006, 320 p., Record).
Landell tinha pouco mais de 30 anos quando, entre 1893 e 1894 (antes de Marconi, portanto!), começou suas experiências pioneiras de transmissão de voz a distância sem fios condutores. As numerosas invenções de sua autoria e a solitária batalha que travou para brindar a humanidade com passos gigantescos rumo ao progresso, nos fazem concluir que não é ele um inventor sem glória, e sim o Brasil que é um país sem glória.
Uma petição corre por iniciativa de jornalistas paulistas para incluir a vida e a obra do padre gaúcho na grade curricular das escolas.Verdadeiramente sem glória são os governantes do Brasil chamado varonil, necessitados de uma petição para despertarem dessa secular e desalentadora omissão.
Não recebeu apoio nenhum do governo brasileiro. O presidente Rodrigues Alves não levou a sério sua solicitação de 1904 para uma experiência de transmissão de voz entre dois navios da Marinha, distantes um do outro a partir da Baia de Guanabara. O presidente não deu ouvidos aos sons e vozes que Landell de Moura há muito transmitia pelos ares. Preferiu importar tecnologia estrangeira, caríssima e prejudicada por falhas.
Acusado de bruxaria, foi ameaçado de excomunhão pela Igreja. Alguns consideravam seus feitos coisas do diabo. Nesse clima, uma multidão destruiu seu laboratório e seus aparelhos em Campinas, onde foi pároco. Nos Estados Unidos proibiram-no de rezar missa. Declaração de Landell ao New York Herald, em 1902: “Todos os meus amigos de educação e inteligência, dentro ou fora das ordens santas, olhavam as minhas teorias como contrarias à ciência”.
Em meio a um universo de descrições técnicas sobre inventos, compreensíveis aos homens de ciência, Hamilton Almeida faz correr um rio de curiosidades que podem interessar ao público em geral.
Bomba, bomba!!! Marconi não acendeu as luzes do Cristo Redentor, em 1931. Seu gênio falhou por azares meteorológicos. Técnicos improvisaram e salvaram a festa. Página 180 do livro.
O Imperador D.Pedro II tinha telefone no seu palácio. No Brasil ainda escravagista já prosperava a telefonia!
Antes de Marconi, o padre Landell de Moura apresentou em São Paulo seus inventos ao cônsul inglês Percy Lupton. Este era o tio de Charles Miller, introdutor do futebol no Brasil em 1895 e um dos fundadores do São Paulo Athletic Club, hoje Clube Atlético São Paulo (que nada tem a ver com o São Paulo Futebol Clube, um dos grandes paulistas).
Landell sempre foi devoto de Nossa Senhora Aparecida, mesmo antes de ter sido proclamada a Padroeira do Brasil em 1928. Vidente, pesquisou o espiritismo, a telepatia, a visão à distância. Hipnólogo, fazia as pessoas dormir e realizava curas por meio da sugestão. Realizou longas seções de exorcismo em Mogi das Cruzes. Foi forçado a largar a paróquia porque suas ações davam credibilidade ao espiritismo.
Com pneumonia, tempo gelado, deu seu agasalho a um indigente. Também cedeu a um mendigo seus sapatos novos e voltou a calçar os velhos. Na área ao redor da igreja do Rosário, em Porto Alegre, reunia as prostituas para catequizá-las. Uma ocasião se desvencilhou da batina e saiu no soco com dois indivíduos. Dormia numa taboa tosca.
Fazia as mulheres ficarem mais em casa do que na igreja para cuidarem melhor de seus maridos e filhos. Dizia que a Igreja tem muita coisa errada. Achava que os padres deveriam se casar, “pois são homens como os outros”. Publicou mil exemplares de uma carta de sábios antigos que falava da neurose dos dirigentes, das paixões, dos estigmas e taras da família.
A respeito da mulher, poetou: “Mulher, quem és tu? És porventura, espírito ou matéria? És um anjo exaltado ou decaido? Mulher, quem tu és? És uma realidade tangível ou uma visão etérea? És a luz a quem eu busco ou as trevas das quais eu fujo? És a vida ou a morte? És a nossa consolação ou a nossa ruína e perdição no tempo e na eternidade?”.
Levava sempre consigo uma caixinha falante. A caixinha falava em italiano. Diziam que se comunicava com Marconi. Interrompeu uma missa para atender a um chamado de sua caixinha e anunciou o fato que os jornais confirmariam três dias depois: “ontem, à meia noite, estourou uma revolução na Itália de empregados que querem aumento de salários”. Os coroinhas em Mogi das Cruzes mexiam na caixinha em seu quarto e Landell explodiu: "O que vocês estão reinando aí? Vocês estão falando com Marconi!"
Alguns inventos de Landell de Moura, relatados por Hamilton Almeida:
- Telauxiofono, a última palavra sobre telefonia com fio. Transmite a palavra com clareza e resolve o problema da telefonia ilimitada.
- Caleofono, em vez de tocar a campainha para chamar, faz ouvir som instrumental.
- Anematofono, telefone sem fio que tornava a telefonia nítida e segura, mesmo com intempéries.
- Teletiton, espécie de telegrafia fonética sem fio em que os interlocutores se comunicam sem serem ouvidos por outros.
- Edifono, depura o som, aparelho inseparável dos músicos, compositores e oradores.
- Gouradphone, transmissão de voz sem fio, sem intervenção de microfone, sem aparelho de recepção, num raio em que os ouvintes são capazes de escutar a mensagem simplesmente com os seus órgãos naturais.
“Qual a distância que se pode alcançar com o Gouradphone?" – perguntaram-lhe certa vez.
"Praticamente o infinito!"
"Praticamente o infinito!"
Por Apollo Natali, jornalista e cronista.
2 comentários:
Tenho informes precisos que Monsenhor Landell de Moura foi vigário aqui em Espírito Santo do Pinhal-SP, início dos anos de 1920. Aqui edificou uma casa onde residiu (ainda existente e restaurada), de peculiar arquitetura, com figuras esculpidas em alto relevo nos seus frontões. Gostaria que os senhores entrassem em contato para atualizarmos nossos informes. Há ainda familiares de pessoas que conviveram com Padre Landell, que creio tem muito a acrescentar. No aguardo. Carolino Francisco / Memorialista.
Caro Francisco, o vigário de Espírito Santo do Pinhal foi Guilherme Landell de Moura, irmão de Roberto Landell de Moura, o inventor do rádio. Guilherme está enterrado em Espírito Santo do Pinhal.
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