Só agora tomei conhecimento da morte da estimada companheira Glória Kreinz, que fiquei conhecendo e respeitando como colaboradora do blogue Sarau para todos, do qual eu também participava.
Era gente finíssima e, ao mesmo tempo que resistia bravamente ao câncer, amargava injustiças que sofria numa USP submetida à escalada autoritária tucana.
Fará muita falta num ambiente acadêmico em que os melhores são perseguidos e intimidados, enquanto os piores obtêm vantagens imerecidas capitulando a reitores retrógrados e obscurantistas.
Como tributo à inesquecível Glória, reproduzo trechos de um belo e abrangente necrológio da Associação Brasileira de Divulgação Científica (chamando a atenção para a passagem que destaquei em vermelho, referente à grande mágoa que ela carregou para o túmulo):
"A divulgação científica está de luto. Após cinco anos de luta contra o câncer, faleceu na madrugada do dia 4 de maio de 2013, aos 69 anos, Glória Kreinz.
Secretária-geral da Abradic e coordenadora de pesquisa do Núcleo José Reis de Divulgação Científica da USP, Glória se graduou em Letras Neolatinas pela PUC de Campinas (da qual era professora titular) e em Jornalismo pela Faculdade Casper Líbero (em que também lecionou), com mestrado em Literatura Brasileira e doutorado em Ciências da Comunicação pela USP.
Foi a idealizadora da Coleção Divulgação Científica, série de livros iniciada em 1998 com A Espiral em Busca do Infinito, da qual foi a organizadora em todos os seus números (13 até o momento), doze dos quais ao lado do inesquecível Crodowaldo Pavan, grande cientista de nosso país, presidente da Abradic até falecer em 2009.
...Ao lado de Pavan e de Osmir Nunes, seu dileto esposo e colaborador, nas funções diretivas (...) foi a verdadeira líder do Núcleo José Reis – até que, em 2010, um golpe perpetrado por quem lhe era (apenas) hierarquicamente superior interrompeu as atividades de um dos mais importantes centros de incentivo à divulgação científica no Brasil.
Cumpriu, talvez como nenhum outro, o preceito de José Reis segundo o qual, tanto quanto a ciência em si, a própria divulgação científica deve ser divulgada. Quando assumiu a coordenação de pesquisa (e a real liderança) do NJR, nos anos 1990, poucos tinham noção do que seria divulgação científica. Hoje, o noticiário sobre ciência cresceu, atividades diversas de popularização do saber científico se tornaram mais frequentes e o termo “divulgação científica” é mais conhecido e propalado, inclusive nas redes sociais.
Sem iniciativas como as coleções de livros Divulgação Científica e Temas da Ciência Contemporânea (esta pela Abradic), as revistas eletrônicas Espiral e Vox Scientiae, os boletins impressos e eletrônicos do Núcleo José Reis e da Abradic, o Curso de Especialização em Divulgação Científica e o Congresso Internacional de Divulgação Científica de 2002 – todas ou idealizadas ou com grande participação de Glória Kreinz –, certamente a divulgação da ciência estaria ao menos um passo atrás do que se encontra atualmente.
Enxergava a divulgação científica de modo amplo e dinâmico, com interações perenes com outros campos do conhecimento, em especial a filosofia (tinha forte admiração por Sartre e dominava, como poucos, conceitos de autores como Derrida e Deleuze ou de escolas como a fenomenologia), e transitando com fluidez pelos diferentes meios de informação, dos mais tradicionais aos mais recentes e de mobilidade por vezes caótica.
Não se furtava à polêmica e ao enfrentamento, mas também era fervorosa amante da poesia, tanto escrevendo (é autora de Fogos na Noite, publicado em 1975 pela Casa do Autor) como admirando – nos últimos anos especialmente os poemas do enigmático Marcelo Roque, com quem mantinha grande amizade e foi coautora de dois livros.
Deixará saudades, mas sem dúvida permanecerá sempre como fonte de grande inspiração por seu espírito jovial e perenemente atuante, bem como por tudo que ensinou aos que com ela conviveram".
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