sábado, 18 de setembro de 2010

TV = 6O ANOS DE DEVASTAÇÃO CULTURAL

"Telas falam colorido de crianças coloridas
De um gênio televisor
E no andor de nossos novos santos
O sinal de velhos tempos
Morte, morte, morte ao amor


Eles não falam do mar e dos peixes
Nem deixam ver a moça, pura canção
Nem ver nascer a flor, nem ver nascer o sol
E eu apenas sou um a mais, um a mais
A falar dessa dor, a nossa dor"
(Milton Nascimento)

A comemoração dos 60 anos da  máquina de fazer doido (definição genial de Sérgio Porto/Stalinslaw Ponte Preta) me levou a refletir sobre as criações artísticas que melhor a definem.

Veio-me logo à lembrança a letra de Milagre dos Peixes, canção de 1973, com a qual Milton Nascimento e Fernando Brant expressaram magistralmente o asco dos seres humanos dignos desse nome, face à utilização de crianças na nefanda propaganda televisiva. O símbolo da inocência colocado a serviço da indecência.

Depois ocorreu-me a marcante carga simbólica do filme Poltergeist: o Fenômeno (d. Tobe Hooper, 1982), no qual uma criança é atraída para dentro do televisor por um espírito maligno.

Realmente, o espírito maligno do capitalismo se utiliza da TV para incorporar nos incautos, tornando-os zumbis do sistema.

E não poderia faltar a mais devastadora crítica cinematográfica à televisão em todos os tempos: Rede de Intrigas (d. Sidney Lumet, 1976)

Há muitas passagens memoráveis nesse filme sobre um âncora que enlouquece no ar, com a emissora, ao invés de prover-lhe tratamento, preferindo mantê-lo a falar diariamente suas bobagens, pois dá audiência, transformado num guru dos  videotas.

A melhor delas é quando, ao romper com a produtora ambiciosa e amoral (Faye Dunaway), o veterano diretor de jornalismo (William Holden) a define como a própria essência da TV: gananciosa, manipuladora, superficial, fútil e nociva.

Infelizmente, não encontrei imagem ou trecho para destacar do maior clássico literário sobre a TV -- O Videota, de Jerzy Kosinski, retrato sem retoques do indivíduo infantilizado e imbecilizado pela telinha.

O filme nele inspirado -- Muito Além do Jardim (d. Hal Ashby, 1979) -- nada manteve da ironia corrosiva de Kosinski contra o carro-chefe da indústria cultural. Preferiu tornar simpática a figura do pateta, para o que contribuiu a escolha inadequadíssima de ator (o público tendia sempre a gostar do inesquecível Peter Sellers, fosse qual fosse seu personagem).

Mas, por que tanta bronca da TV? -- perguntará alguém.

Na verdade, ela surgiu no exato momento de, e corporificou uma, transição importante do capitalismo.

Até a primeira metade do século passado, seus meios de comunicação reforçavam os valores da sociedade patriarcal: colocavam os diversos públicos girando em torno de exemplos edificantes e do culto às grandes individualidades, que apontavam o caminho a ser seguido.

Tentavam tornar as pessoas conformistas em termos sociais e determinadas a melhorar, em termos individuais.

Com o advento da sociedade de consumo, a ênfase mudou. Não se quer mais compelir ninguém para a frente, mas, apenas, induzi-lo a adquirir produtos e serviços.

Então, os consumidores passaram a ser mimados de todas as maneiras. Se são imbecis, a TV lhe provê a programação mais imbecil possível. Se querem ver destacados outros imbecis iguais a eles, é assim que a TV os mostra, nas telenovelas.

De quebra, o cotidiano insípido sob o capitalismo é apresentado como interessante, as banalidades parecem não ser tão banais porque estão na telinha.

Antes, na  era do cinema, os personagens principais tendiam sempre a ser de exceção: viviam aventuras que o mortal comum não vive, eram brilhantes como o mortal comum não é.

Quem conseguiria encarar Sherlock Holmes como um igual? Não, era alguém muito superior, a ser  admirado  e  copiado.

Mas, na sociedade de massas, todos são Neymares: meninos mimados e pirracentos, que só tem olhos para si mesmos e só querem estar rodeados de espelhos nos quais se mirem, embevecidos.

Foi este o parâmetro pelo qual que se nivelou tudo, na TV; ou seja, cada vez mais por e para baixo.

Até chegarmos ao  inferno pamonha  atual -- o monumento construído, principalmente, pela TV, em suas seis décadas de faina como instrumento de devastação cultural.

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails