Sempre que discuti com juristas, invoquei o espírito da Justiça: eles mesmerizam a patuléia com seus contorcionismos retóricos ao fazerem a exegese da letra da lei, mas o que importa é seu sentido maior, que está ao alcance da compreensão de qualquer pessoa civilizada.
Por exemplo, se admitirmos que alguma lei tenha efeito retroativo, abriremos uma brecha para poderosos imporem a punição que quiserem, a quem quiserem.
Se alguém lhes estiver incomodando, bastará criarem uma lei sob medida para dar fim ao problema. Como uma que puna com a morte uma cusparada na calçada, se houver prova de que o dito cujo cometeu tal crime no passado.
Então, para quem está na alça de mira dos poderosos, como os revolucionários sempre estamos, constitui crassa insensatez apoiar qualquer quebra do princípio de que lei nenhuma retroage.
Caso da Lei da Ficha Limpa: ela quer tornar cidadãos inelegíveis em função de delitos que cometeram quando tais delitos não acarretavam inelegibilidade.
Digam o que disserem os doutos, decida o que decidir o Supremo, trata-se de um estupro do ideal de Justiça, e até mesmo da lógica e do senso comum.
Como a corrupção é intrínseca ao capitalismo -- canso de o repetir! -- e não será erradicada por uma besteirinha dessas, correríamos algum risco para obtermos retorno nenhum.
É hora de irmos à raiz dos problemas, ao invés de ficarmos patinando sem sair do lugar. -- ou, pior ainda, de colocarmos a corda em nosso pescoço por não conseguirmos enxergar o que está um pouco à frente.
Obs.: é deplorável a prática do STF de sempre sair pela tangente em questões como esta. A Lei da Ficha Limpa é inconstitucional porque privar cidadãos do direito de serem eleitos constitui punição, sim, e estaria retroagindo, o que jamais pode ser admitido. O presidente do Supremo preferiu arguir um mero vício formal, o de que o Senado alterou a redação da lei e as mudanças não foram submetidas à Câmara. É por esta e outras que a mais alta corte do País continua com a credibilidade em frangalhos.
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