terça-feira, 7 de setembro de 2010

DIVAGAÇÕES OCIOSAS SOBRE O "LULA-LÁ" E O "LULINHA PAZ E AMOR"


Em sua coluna deste  Dia da Pátria, lá pelas tantas, Carlos Heitor Cony escreve:
"Nas eleições de 1989, a revelação de que Lula tinha uma filha fora do tálamo oficial perturbou o candidato de tal modo que ele foi vencido por Collor no confronto decisivo da televisão".
Para alguns isto pode soar meio herético, mas está correto, como se constata também num bom depoimento de um dos mediadores, Eliakim Araújo.

E me fez lembrar minha própria avaliação do debate entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor, numa noite de 5ª feira, véspera do 2º turno da eleição presidencial de 1989.

Eu trabalhava na Agência Estado, que vendia seu material jornalístico (textos e fotos) a veículos escritos, televisivos e radiofônicos do Brasil inteiro.

Saíra-me bem da difícil incumbência de fazer a reportagem de apresentação do 1º turno, que a AE distribuiu a todos os seus clientes dois dias antes do pleito. Pequenos e médios jornais, e até mesmo alguns grandes, aproveitaram-na maciçamente, seja no todo, seja utilizando alguma(s) das retrancas para complementar sua própria cobertura.

A complexidade desse trabalho decorreu, principalmente, do excesso de presidenciáveis: até porque havia o atrativo de ser a primeira eleição direta para presidente do Brasil desde 1960, nada menos que 22 esperançosos tentaram a sorte.

Oito candidatos acabariam ficando acima do traço (1% dos votos): Collor, Lula, Brizola, Covas, Maluf, Afif, Ulysses e Roberto Freire.

Mesmo dentre os catorze que obtiveram votação de nanicos, nem todos eram ilustres desconhecidos. Faziam parte do contingente: 
  • Aureliano Chaves, que havia sido o vice do último ditador militar, Figueiredo; 
  • o ruralista Ronaldo Caiado, que a esquerda tinha como um de seus maiores vilãos na época; 
  • Fernando Gabeira, duplamente verde na primeira eleição que disputou pelo PV;
  • e o folclórico Enéas Carneiro, aproveitando o palanque eletrônico para lançar mensagens inflamadas e berrar o nome em apenas 17 segundos.
Cumpria redigir um texto que destacasse a importância da volta plena à democracia, historiasse a campanha e introduzisse cada um dos 22 candidatos. E isto de forma essencializada, passando o máximo de informações com o mínimo de palavras (e estilo agradável), para que os leitores não ficassem entediados.

Fazendo revistas de música, eu me habituara a extrair o que havia de mais interessante em dezenas de fontes consultadas, juntando as peças do quebra-cabeças para formar conjuntos sólidos e cuja leitura não fosse árida. Até hoje me lembro do meu primeiro grande desafio, uma reportagem de umas 40 laudas abarcando os festivais de MPB, em 1980, quando esse ainda era um terreno virgem (não havia livros nem reportagens jornalísticas sobre o ciclo como um todo).

O certo é que os clientes gostaram da apresentação que fiz do 1º turno e lhes foi enviada como parte do pacote diário da AE.

DECEPÇÃO IGUAL À DO MUNDIAL DE 1982

Gananciosa, a Agência vislumbrou uma fonte de receita adicional: resolveu cobrar pela apresentação do 2º turno. Só poderia publicar quem pagasse um adicional.

Em férias, fui consultado pelo diretor de redação. Ofereceu-me o percentual habitual que recebíamos sobre as matérias negociadas à parte. Como aquela era cara e muitos deveriam adquirir, valia a pena interromper meu repouso para assumir a empreitada.

Garimpei o vasto material de referência sobre a campanha como um todo, produzi uma reportagem bem diferente da anterior (embora tendo de repetir várias informações obrigatórias) e deixei pronta.

Aí, terminado o debate final que a Rede Globo promoveu, não esperei nem para assistir às entrevistas de bastidores. Desliguei logo a TV e fui escrever as três laudas que faltavam, exatamente as que abririam meu texto.

Duas horas depois, dando-me por satisfeito, fui dormir.

Levantei cedinho para levá-la à AE, de forma que pudesse ser digitada e transmitida aos clientes no início da tarde daquela 6ª feira, a tempo de ser aproveitada nas edições de sábado e domingo.

Com o mínimo de alarde possível, pois não era o que eu gostaria de estar escrevendo, avaliei: Lula fora muito mal no debate, travado, nervoso, com um tique estranho (esfregava as mãos uma na outra o tempo todo, como quem estivesse sentindo-se acuado) e não respondera à altura em vários momentos importantes da refrega.

Citei uns cinco, que foram os mesmos depois destacados pela maioria dos analistas renomados.

Além dos temas propriamente políticos, causou-me estupefação haver silenciado quando Collor disse que ele, Lula, tinha um aparelho de som bem melhor do que o seu. Como um ex-metalúrgico poderia possuir equipamentos mais caros que os de um sinhôzinho das Alagoas?!

Só depois vim a saber que o apagão de Lula tivera um motivo concreto: havia comprado um aparelho de som para a amante e temia que Collor, municiado pelos arapongas, lhe jogasse isto, triunfalmente, na cara.

O certo é que, em péssimas condições psicológicas, pisando em ovos por causa do recém-revelado caso de infidelidade conjugal e existência da filha ilegítima, Lula esteve irreconhecível, apático como eu nunca o vira, perdendo mesmo o debate.

A edição do Jornal Nacional da 6ª feira fugiu ao padrão habitual da Globo; em qualquer outra circunstância, apenas apresentaria, de forma comedida, as afirmações mais importantes dos dois candidatos.

Daquela vez, tudo fez para destacar ao máximo a vitória de Collor -- que existiu, embora obtida com expedientes imundos.

E, como a grande maioria dos eleitores não assistira ao debate, é provável que o JN, com sua enorme audiência, tenha mesmo feito a diferença, para que Collor conseguisse 4 milhões de votos a mais do que Lula (49,94% x 44,23%).

O QUE FOI E O QUE PODERIA TER SIDO

A estrela que não brilhou em 1989 teve, para nós, impacto semelhante ao da Copa do Mundo que o Brasil perdera sete anos antes. Aquela que mais valia a pena ganharmos.

A diferença entre o  Lula-lá  e o Lulinha Paz e Amor  são os compromissos com os banqueiros, o grande capital e a emissora que faz o povo de bobo.

Por não tê-los assumido em 1989, ele poderia realizar um governo verdadeiramente de esquerda.

Tendo-os assumido em 2002, só lhe era permitido fazer o que não afetasse os interessantes dominantes.

E fez o melhor possível... face às limitações existentes.

Garantiu aos humildes só um pouco do muito que deveriam receber, é verdade. Mas, nem isto as forças de direita lhes concederiam, daí o reconhecimento expresso na enorme, inegável e mais do que merecida popularidade do Lula.

Só que, como  Lulinha Paz e Amor, não transformou em profundidade o País, nem tornou irreversíveis as conquistas populares, que poderão ser anuladas após sua saída de cena.

É provável que o  Lula-lá  tivesse ido bem mais longe. Nunca saberemos.

2 comentários:

Luiz Souza disse...

Acho uma besteira ficar ficar tentando deduzir o que teria sido se..., ainda mais apoiado por percepção de um cara contraditório e sem ideologia como o Cony. Por ele Lula continuaria o que foi em 89, desde que continuasse perdendo eleições. Além do mais, o autor está enganado quanto à participação das mulheres no pleito de 89: concorreu à presideência da república a advogada mineira Lívia, que tentaria depois, no estado, continuar carreira política. Sem sucesso. Enfim, é melhor pensarmos pra frente. Esquece o Cony como fonte de inspiração a alguma coisa...

celsolungaretti disse...

Como o que foi não concretizou nossas melhores esperanças, é um pequeno consolo divagarmos sobre o que teria sido.

O certo é que os melhores de nós sonhávamos com ver o Brasil livre do capitalismo, não com o aumento das migalhas que sobram para o pobre depois que os ricos se banqueteiam.

Quanto a pensarmos pra frente, bem, o que há a pensar é em como fazermos o próximo governo ousar mais do que o Lula ousou nos seus dois. Não quero passar mais quatro vendo o Bradesco e o Itaú comemorarem novos recordes de faturamento.

Quanto à advogada, mea culpa. Li com desatenção a lista.

Abs.

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