Assinada por 41 dos mais ilustres professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma Carta aberta sobre as cotas na UFRJ vem contestar o editorial de O Globo de 17/08/2010, UFRJ rejeita as insensatas cotas raciais.
Trata-se de uma cruzada negativa inspirada nas teses elitistas e reacionárias do diretor da Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, e que andou recebendo a adesão de notáveis preocupados em terem as portas da emissora sempre escancaradas para si. A etiqueta que lhes afixei -- tolos pomposos -- continua de bom tamanho.
Meu lugar é sempre o mesmo: ao lado dos negros, dos pobres e de todos aqueles a quem o capitalismo, perverso e putrefato, nega igualdade de oportunidades.
Eis o posicionamento dos professores solidários:
"Ao contrário do que pretendem afirmar alguns setores da imprensa, o debate em torno de políticas afirmativas e de sua implementação no ensino universitário brasileiro não pertence à UFRJ, à USP ou a qualquer setor, 'racialista' ou não, da sociedade. Soma-se quase uma década de reflexões, envolvendo intelectuais, dirigentes de instituições de ensino, movimentos sociais e movimento estudantil, parlamentares e juristas.
"Atualmente, cerca de 130 universidades públicas brasileiras já adotaram políticas afirmativas - entre as quais, a das cotas raciais - como critério de acesso à formação universitária. Entre estas instituições figuram a UFMG, a UFRGS, a Unicamp, a UnB e a USP, que estão entre as mais importantes universidades brasileiras.
"Em editorial (...), o jornal O Globo assume, de forma facciosa, uma posição contrária a essas políticas afirmativas. O texto desmerece as ações encaminhadas por mais de cem universidades públicas e tenta sugestionar o debate em curso na UFRJ.
"Distorcendo os fatos, o editorial fala em 'inconstitucionalidade' da aplicação do sistema de cotas, quando, na verdade, o que está em pauta no Supremo Tribunal Federal não é a constitucionalidade das cotas, mas os critérios utilizados na UnB para a aplicação de suas políticas afirmativas.
"Na última década, enquanto a discussão crescia em todo o país, a UFRJ deu poucos passos, ou quase nenhum, para fazer avançar o debate sobre as políticas públicas. O acesso dos estudantes à UFRJ continua limitado ao vestibular, com uma mera pré-seleção por meio do ENEM, o que significa um processo ainda excludente de seleção para a entrada na universidade pública.
"Apesar disso, do mês de março para cá, o debate sobre as cotas foi relançado na UFRJ e, hoje, várias decisões podem ser tomadas com melhor conhecimento do problema e das posições dos diferentes setores da sociedade em relação ao assunto.
"Se pretendemos avançar rumo a uma democracia real, capaz de assegurar espaços de oportunidades iguais para todos, o acesso à universidade pública deve ser repensado. Isto significa que é preciso levar em conta os diferentes perfis dos estudantes brasileiros, em vez de seguir camuflando a realidade com discursos sobre "mérito" (como se a própria noção não fosse problemática e como se fosse possível comparar méritos de pessoas de condição social e trajetórias totalmente díspares) ou sobre 'miscigenação' (como se não houvesse uma história de exclusão dos 'menos mestiços' bem atrás de todos nós)."Cotas sociais - e, fundamentalmente, aquelas que reconhecem a dívida histórica do Brasil em relação aos negros - abrem caminhos para que pobres dêem prosseguimento aos seus estudos, prejudicado por um ensino básico predominantemente deficiente.
"Só assim os dirigentes e professores das universidades brasileiras poderão continuar fazendo seu trabalho de cabeça erguida.
"Só assim a comunidade universitária poderá avançar, junto com o país e na contra-mão da imprensa retrógrada, representada por O Globo, em direção a um reconhecimento necessário dos crimes da escravidão, crimes que, justamente, por ainda não terem sido reconhecidos como crimes que são, se perpetuam no apartheid social em que vivemos".
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