sexta-feira, 23 de julho de 2010

O CASO ELISA: MAIS UM PASTELÃO POLICIAL-MIDIÁTICO

Acompanho à distância o trabalho de Ruy Castro desde O Pasquim. Já naquele tempo eu achava que ele escrevia bem, mas não o que me interessava. Preferia o Paulo Francis, o Luiz Carlos Maciel e as tiras do Henfil.

Suas biografias também nunca me fascinaram, inclusive a do Garrincha, pra lá de deprimente. O genial Mané merecia algo mais na linha do "imprima-se a lenda". Só mesmo um Nelson Rodrigues para dar o tratamento adequado às chuteiras imortais...

Daí ter sido uma agradável surpresa para mim ler nesta 6ª feira (23) uma coluna simplesmente irrepreensível, antológica, do Ruy castro: Pressa em condenar. Reproduzo-a na íntegra.
"O delegado encarregado do caso Bruno acaba de completar seus 30 dias de fama. Durante esse período, investigou, acusou, julgou, condenou e só faltou passar a sentença sobre o jogador. Muito além da sola, foi detetive, carcereiro, promotor, júri e juiz. Tal versatilidade pode representar uma economia para os cofres do Estado, mas está em desacordo com noções elementares de justiça.

"Ocupado em dar entrevistas, ele só não teve tempo de apresentar as provas de que necessitava -nem mesmo o corpo de Eliza Samudio, dado de barato desde o primeiro instante. Com isso, o advogado de defesa já conta com a vitória numa primeira instância, tantas são as supostas irregularidades técnicas.

"Aliás, este é dos raros casos em que o uso do 'suposto' - recurso adotado pela imprensa para noticiar sem se comprometer - se aplica. Enquanto não encontrarem o cadáver, Bruno deveria ser apenas o suposto assassino ou mandante. Ou nem isso, porque ainda não está configurado o crime. Pois, justamente neste caso, alguns tabloides e canais de TV já partiram para a acusação frontal: Bruno é tratado como assassino ou mandante, e não se discute.

"O curioso é que, um mês depois, o
imbróglio parece mais enrolado do que nunca. Pelos depoimentos, Bruno, três cúmplices, seis ou sete testemunhas e uma mulher diferente por semana entram e saem de carros, motéis e chácaras, e o bebê passa de mão em mão enquanto eles se acusam e se desdizem deixando todo mundo tonto. É Agatha Christie ao ritmo dos Irmãos Marx.

"No Brasil, temos pressa em condenar. Mas, uma vez estabelecida a condenação, não há pressa para executar a sentença. O jornalista Antonio Pimenta Neves, por exemplo, réu confesso, julgado e condenado pela morte de sua ex-namorada, arrisca-se a morrer de velhice fora da prisão onde deveria estar há dez anos."

Um comentário:

antonio barbosa filho disse...

Realmente muito bom o texto do Ruy Castro, que mostra um vício da nossa mídia (entre outros). Um delegado no primeiro dia de investigação merece uma credibilidade que nem uma sentença transitada em julgado poderia merecer - até os jurís podem cometer erros.
Aqui, não: o "doutor" falou, tá falado. E como falam! Todo mundo tem sua "exclusiva" diária, que se alternam às coletivas. Tudo isso leva o policial a bater o pé na sua primeira hipóteses, e os fatos deixam de ser importantes, pois a "verdade" já está estabelecida...
Quanto à mídia, não aprende nada mesmo. Quantos casos "Escola Base" ainda veremos? É sempre igual, o linchamento por suspeitas, a estridência datenesca nos nossos ouvidos, 24 horas por dia. Até surgir outro caso...

Related Posts with Thumbnails